
jun 20, 2025 Air Antunes Angatuba 0
“Dona Agmar”, assim conhecida essa mulher centenária, cujo exemplo de vida pelos seus 104 anos cativou sobremaneira, além dos familiares, dos parentes, e dos amigos, todas as pessoas que dela se achegava.
Infinitas lembranças são parte da herança que se deixa no decorrer da existência dessa vetusta matriarca.
Como ser humano único, insubstituível, viveu consigo uma história de vida única e uma forma única de sabedoria, algo surpreendente que lhe conferiu um valor infinito, pois partilhou sua vida e seus dons, parte importante da herança que deixou da sua verdadeira identidade.
Revisitando a sua caminhada para assumir a vida como dom e compromisso, no dia 3 de fevereiro de 1921, em Angatuba, nasceu a menina Agmar Aparecida.
Seus pais, Sr José Alvaro de Abreu Filho e Sra Alzira Trindade, ele conhecido por “Zé encanador”, apelido alusivo a sua profissão. Eram migrantes originários de São João Del Rey (Minas Gerais) que fixaram-se em Angatuba, por volta de 1910 e se estabeleceram na cidade na atual Rua Natal Favali e cuja oficina de trabalho era conjugada a residência da família.
Trabalhador contumaz, de forte personalidade, mas um digno pai de família; a esposa Dona Alzira, ligada às prendas domésticas, dotada de temperamento calmo, de uma benevolência ímpar, muito acolhedora, cujo zelo maternal marcou a criação dos sete filhos: Agnaldo, Maria José, Agmar, Maria Aparecida (Cida), José Geraldo, o “Zezo”, Geraldo José e José Carlos.
Desde o ventre materno, somos amados por Deus e escolhidos por Ele para uma missão que se prolonga por toda a vida!
Para sermos também luz de todo ser humano que vem a este mundo tal como a “chama” que emana de uma vela; e Deus concebeu a sua filha Agmar essa forma de ver, de conduzir, de iluminar a vida da família, dos parentes, dos amigos, das coisas e do mundo ao seu redor e transformá-lo em lições.
Para ganhar as referências de sua existência, Dona Agmar fez com que a “vela da vida”, buscasse a claridade, o ardor, o inflamar, desde o seu nascimento.
Sua infância feliz com muita labuta, exercendo pequenos trabalhos junto à oficina paterna, somados às tarefas domésticas impostas pela mãe caracterizaram forma de ver, de conduzir a vida no seio familiar e transformá-la, provavelmente, em lições de vida, sem descaracterizar as “fantasias” próprias do seu mundo infanto-juvenil, como também, rico de crenças e valores cristãos.
E o tempo das mudanças chegou!
Seus pais conscientes da importância do conhecimento para a formação dos filhos não mediram esforços para que todos pudessem frequentar o Grupo Escolar “Dr Fortunato de Camargo”, em cuja escola tradicional concluíram o curso primário, rendendo a Dona Agmar uma aprendizagem que serviu como base para o trabalho nas suas atividades comerciais.
Valores cristãos, manifestados pela doutrina da Igreja Católica, através da catequese foram ganhando relevância na sua forma de viver.
Tanto a educação formal como a informal lhe construíram conhecimento… a aluna Agmar reforçou e acrescentou novos conhecimentos, novos fatos, novos saberes. Num extenso tempo de aprendizagem a preparou para conviver, relacionar, maturar o valor da partilha, do conhecimento como pessoa humana.
E o tempo de AMAR?
Caminhos se entrecruzam, se transformam:
Tal prédica se concretizou, pois Agmar encontrou o seu verdadeiro Amor, o jovem Antônio Antunes Nogueira, pelo qual ela se enamorou culminando em matrimônio.
“Antoninho Nogueira”, assim chamado era filho do Sr Laurindo Antunes Nogueira e da Sra Zulmira Monteiro de Carvalho, ambos descendentes das famílias tradicionais de Angatuba, da velha cepa dos fundadores.
Agmar e Antoninho, sonharam juntos e o enlace matrimonial realizou-se no dia 27 de setembro de 1941.
Agmar: esposa de maternal bondade, compassiva aquela que não se esmoreceu e não se deixou abater e assumiu com compromisso a sua missão de fiel companheira.
Antoninho: esposo terno e cuidadoso, trabalhador incansável; coragem e sabedoria tornaram-se a sua força, hábil conselheiro. Buscou encontrar na jovem esposa um duradouro companheirismo.
O casal fixou residência numa casa anexa ao armazém de secos e molhados, pertencente ao sogro Nhô Lau, pois era nessa casa comercial que o esposo trabalhava; situada na esquina entre as antigas ruas Rio Grande do Sul e Minas Gerais, atuais Rua João Sátiro de Almeida Leme e Públio de Almeida Mello.
Consciente das suas competências, Agmar exerceu o trabalho administrativo no referido armazém em parceria com o esposo.
Enfrentaram e venceram as dificuldades, sempre crescendo na fé, na sabedoria, na concórdia e na paciência, buscando a felicidade na convivência diária e na espera dos filhos que Deus lhes concederia.
E, assim se fez…a maternidade adentrou na vida do casal e Agmar tornou-se mãe!
Vida que palpita! E o primogênito Antônio José veio ao mundo em 13 de maio de 1942.
“O paraíso reside no regaço das mães! “afirma o provérbio hebreu.
Momento propício para aproximar da Mãe de Deus, Maria Santíssima e o seu Menino Deus; em sintonia com a manjedoura de Belém.
E a renovação da vida continuava acontecendo nesse novo lar com o nascimento de outros filhos: Valdir Luiz, Maria Helena, Teresa Aparecida, Maria Alzira, José Laurindo, Lucia Maria, Maria da Graça, Pedro Paulo, Valderez Teresa e Regina Helena.
“O sol nascente veio nos visitar para guiar os nossos passos no caminho da Paz (Lc 1,78)”.
Fortalecidos pela celebração do nascimento dos onze filhos o casal assumiu o propósito de edificar uma família alicerçada nos valores cristãos.
Agmar Mãe: ânimo, coragem, sabedoria e fortaleza, tornaram a sua força para a condução dos filhos com maternal amor.
Com o crescimento da família, aumentou o trabalho, uma experiência múltipla, e colaborativa vai atender aos novos empreendimentos na vida laboriosa do casal: o grande espaço compreendido pelo armazém se dividiu, onde o esposo Antoninho permaneceu no trabalho frente ao armazém de secos e molhados e, coube a Agmar a direção da loja de tecidos com as mais variadas mercadorias: tecidos de vários padrões, alguns provenientes do Rio de Janeiro, calçados e os conhecidos “alpargatas roda”, aviamentos, lãs, roupas feitas, inclusive da famosa marca “Karibê”, cobertores”Parayba”e os populares”corta febre”, brinquedos “Estrela”, entre outras mercadorias.
Como verdadeira “gestora”, Agmar conduziu com maestria, a loja a qual denominou “Loja Santa Teresinha do Menino Jesus”, devido a sua grande devoção pela santa. Entre os estabelecimentos comerciais mais concorridos de Angatuba se achava a referida loja.
O trabalho não lhe impediu de dispor da sua força maternal, conciliando plenamente o comércio, a casa, a educação dos filhos, e a responsabilidade de encaminha-los para um futuro promissor. Tornou os balcões da loja o instrumento para orientar os filhos nos afazeres escolares, vendo-os se revelarem paripassu em suas características únicas, observando suas descobertas.
A colaboração do esposo foi imprescindível para que o êxito da empreitada dessa zelosa mãe, dinâmica, verdadeiramente cristã acontecesse na formação dos filhos para o enfrentamento da dinâmica da Vida.
Vale ressaltar a figura ímpar do sogro Nhô Lau (já viúvo) no seio familiar, que a vida cotidiana, procurou sempre manter um ambiente de fraternidade, união e respeito; como “senhor das tradições”, contribuiu para realçar os laços familiares, pois além dos pais havia significativa presença do Vovô Lau e pitando sempre seu cachimbo, mesmo com idade avançada, possuía um jeito alegre de se relacionar, festivo, comunicativo, dado as brincadeiras, um exímio contador de causos; interagia, também com as crianças das vizinhanças, além dos amigos e colegas dos seus netos.
A casa e a Rua, foram elementos constitutivos do nosso”habitus”: espaçosas moradias, extensos quintais, amplidão das Ruas: Minas Gerais e Rio Grande do Sul que constituíram o lugar ideal para as nossas traquinagens e brincadeiras infantis de toda espécie, sempre após as aulas do Grupo Escolar. A rua, nesse “universo infantil”, sob os olhares vigilantes do Nhô Lau, sentado na soleira de uma das portas da Loja “Santa Teresinha do Menino Jesus”, estabelecia o término das brincadeiras, pois adentrando a noite, antes que os nossos pais nos chamassem para o recolhimento, Nhô Lau nos alertava que o “Pilão” estava chegando. Medrosos desse personagem fictício, toda criançada, apavorada se dirigia para as suas casas.
Saudade! Muita saudade da figura protetora, zelosa e de comando do velho e querido Nhô Lau e suas estórias do “Pilão”, que até hoje revivem nas lembranças de quando crianças fomos “as donas daquelas ruas”.
A medida que o tempo passava o casal se fortalecia na prática da vida religiosa, dona Agmar como pertencente a irmandade de São José (santo também da sua devoção), e Antoninho como membro dos “Irmãos do Santíssimo Sacramento”. Quando instituída a Equipe de Nossa Senhora, em nossa paróquia, o casal tornou-se membro da mesma.
Foi nesse universo ocupado pela Fé, que, valendo-se da vontade materna, o filho primogênito Antônio José, o “Nêgo”, em 1 de fevereiro de 1953, ingressou no Seminário “São Carlos Borromeu”, em Sorocaba.
O jovem “Nêgo” permaneceu no Seminário durante cinco anos e o seu irmão Valdir Luiz, por pouco tempo, também, esteve nessa referida Instituição católica.
A noção de Capital Escolar e Cultural no âmbito familiar era tão forte , a ponto de, após conclusão do primeiro grau, encaminharem seus filhos para complementação secundária e universitária em outros centros educacionais mais avançados.
E o tempo passava e, passou o tempo para Dona Agmar!
Com a inesperada doença acometida pelo seu dadivoso esposo Antoninho, seguida de seu falecimento, em 26 de março de 1967, teve que lidar com as mudanças…no silêncio da sua “via crucis”.
Nada mais oportuno lembrar o quanto Antoninho, dedicado esposo e pai exemplar, angariou amigos , promoveu ricos encontros entre familiares, sempre comprometido com a alimentação dos filhos, com o cuidado para que nunca faltasse os embutidos no fumeiro acima do fogão a lenha e variadas iguarias que seriam consumidas a fartar; os passatempos divertidos com seus filhos e nós crianças das vizinhanças, nos presenteando com animadas viagens de caminhão do armazém aos piqueniques nos rios do município; a ordem dada ao serviçal “Jaquito” para que atendesse sempre que possível os pedidos da criançada afim de nos levar a passeio na carroça de lenhas, após serem medidas pelo filho Nêgo para serem entregues aos compradores.
Indiscutivelmente, também registramos o zelo, a lealdade, o amor com que Antoninho tratava seu velho pai “Nhô Lau”, cuidando para lhe recobrar a força, proporcionando-lhe mais vitalidade e emotividade junto à família, aos parentes e aos amigos.
Viúva: Agmar-modelo de Virtude!
Sempre segura da sua ação protetora, encontrou misericórdia através do amparo da Virgem Maria e Santa Teresinha do Menino Jesus. Perseverante em sua nova caminhada, jamais deixou paralisar ou acomodar, ainda que tudo parecesse terminar; na verdade estava tudo recomeçando!
Agmar: Guerreira invencível, lutadora incansável, diante da responsabilidade do encaminhamento dos filhos para um futuro promissor, teve que reforçar sua função de mãe e a maneira singular de conduzir o trabalho na loja, fazendo com que a Paz, a União, a Fraternidade, eternizassem no seio familiar.
Soube aguardar com Amor o momento o casamento dos filhos, de ser sogra, avó, bisavó, para renovar as etapas da emoção, numa dimensão de grande alegria e acolhimento.
Chega a aposentadoria e, é com nostalgia que Dona Agmar comunica à Vida o final de sua jornada de trabalho, mas vai enfrentando o tempo, reelaborando, ressignificando os passos da caminhada. Passou a direção da loja para os filhos: Pedro Paulo, Valderez Teresa e Regina Helena, a “Gina” e com isso pode dar continuidade aos seus trabalhos voluntários.
Dirigiu a Conferência Vicentina por décadas, sua filantropia, seu compromisso cristão de acolhida, uma doação mais plena às pessoas carentes. Símbolo de solidariedade humana não deixou de olhar para o próximo à medida que manteve sua longevidade.
Quando tudo parecia se acalmar, aconteceu o falecimento dos filhos queridos: Teresa Aparecida, Valdir Luiz e Pedro Paulo, somados, às perdas dos seus irmãos: José Geraldo, Agnaldo, Carlos, Maria José, Geraldo José e Maria Aparecida; essa aguerrida mulher, fazendo com que o desespero não se apoderasse dela, com o poder da graça Divina, mais uma vez, soube suportar tamanha dor.
E, no dia 21 de fevereiro de 2021, um vendaval de emoções celebrou os 100 anos de vida de Dona Agmar. Acontecimento impar, cheio de emoções, num ambiente alegre e festivo junto aos familiares e amigos.
Foi durante a velhice que Dona Agmar mais ativou suas lembranças: o tempo que frequentou o Grupo Escolar”Dr Fortunato de Camargo”, declamando poesias, entoando cantos, hinos pátrios; reviveu sua catequese e discorreu orações, interpretou contos das passagens do seu mundo infanto-juvenil, sublimes recordações de tudo que amou que lhe deixou saudades, lembranças que lhe permaneceram além do tempo.
O tempo, “esse danado e inexorável e que também ceifa tudo aquilo que tanto amamos,” finalizou para Dona Agmar, no dia 31 de maio de 2025, aos 104 anos de idade; ela que buscou ardentemente cuidar dos seus dons, plena de gratidão pela Vida.
Aos seus amigos e familiares, essa saudosa matriarca, deixou um legado de fé, paz, união, solidariedade e amor ao próximo.
Celebrando a Páscoa da nossa amiga, Dona Agmar, rogamos a Deus que, pela Vossa inefável graça, enriqueça Vossa amada filha de todos os bens, preparando-lhe, assim, para o reino da glória, a caminho da ressureição; herança eterna que lhe foi prometida.
À família enlutada, que Dona Agmar e o esposo Sr Antoninho construíram com muito Amor, possa louvar à Virgem Maria “Mãe das Dores” e “Consoladora dos Aflitos”, para que enxugue suas lágrimas e conforte seus corações.
Assim seja!
Maria Aparecida Morais Lisboa
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