abr 17, 2014 Air Antunes Artigos 2
LEVY LISBOA NETO
Na esteira do entendimento proposto pela pensadora Marilena Chauí em Cultura e Democracia, a burocratização crescente da vida, em função da racionalização burguesa do mundo, tem levado a política a um estado pútrido, cujos efeitos aparecem pelas vias do encolhimento do espaço público e do alargamento da sociedade do espetáculo. Com isso, a sociedade (civil) perde autonomia, espaço, diante da predominância de mecanismos de controle social coercitivos sobre os de natureza consensual. São os ditames da égide burguesa, acolhidos sob o manto teórico da democracia liberal de viés metodológico, procedimental, à la Joseph Schumpeter, Norberto Bobbio e Robert Dalh, que direcionam o mundo no sentido da estupidez política, a qual graceja imperativa, altaneira, a ponto de não conseguirmos distinguir um indivíduo de um bicho, este guiado somente pelos instintos.
Em tese, na democracia liberal, não existe cidadão, apenas um indivíduo incapaz de dar a si mesmo as regras e normas de sua ação, já que o Estado (sim, o Estado liberal) restringe (separa, insula) os seus comandos da vida social. O indivíduo, amestrado, guia-se através da autonomia da economia, a esfera estratégica da ordem burguesa. De cidadão, o homem se transforma em indivíduo! O indivíduo estabelece uma mentalidade mercantil voltada para a atividade comercial em detrimento da participação na esfera pública. A passagem é sintomática: despenca o nível dos embates políticos que passam a beirar um patamar rasteiro de total descompasso com o progresso intelectual adquirido pelo homem através dos tempos. Por isso, é mais cômodo gastar energia com o tema da corrupção (com achaques moralistas capazes de reavivar a eugenia, os debates fascistas, a excrescência humana mais abjeta) do que abordar criticamente questões-fins como pleno emprego, soberania, distribuição regional e familiar de renda, modelo energético e tecnológico autônomo, política externa, sistema financeiro independente com moeda forte, bem como as formas de multiplicar a felicidade e a alegria de viver de nossa gente, como enfatiza o sociólogo Gilberto Vasconcellos.
O fato concreto é que a proposta política moderna, sob os vértices de uma nova concepção de igualdade e liberdade, não resultou nos avanços supostamente desejados. Como interpreta Zygmunt Bauman, o tiro liberal saiu pela culatra: ”aumenta, em vez de diminuir, a distância entre o ideal de democracia liberal e sua versão real […] as leis dos mais fortes triunfam sobre os mais fracos” (darwinismo social devastador). Isto é, mesmo entre pensadores liberais existe um desconforto ou uma ruptura discursiva com o modelo em vigor, pois este não seria o verdadeiro modelo liberal propugnado pelos clássicos. Na direção antiliberal emerge o entendimento do filósofo esloveno Slavo Zizek, segundo o qual a perspectiva do quadro social sob o jugo do atual modelo liberal capitalista é depauperar-se ainda mais: “A tendência geral do capitalismo global de hoje é no sentido de uma expansão ainda maior do império do mercado, combinada com o progressivo fechamento do espaço público, a redução dos serviços (saúde, educação, cultura) e uma gestão sempre mais autoritária do poder político”, sustenta o autor.
Como mudar esse quadro perverso, avesso ao participacionismo educativo e à difusão pedagógica da eticidade? No caso brasileiro, de acordo com o sociólogo Gilberto Vasconcellos, por meio da recuperação de um plasmar histórico dadivoso, traduzido na métrica rítmica tra-ba-lhis-ta. A obra, João Goulart, uma biografia, escrita por Jorge Ferreira, historiador da Universidade Federal Fluminense (UFF), encanta os “idealistas pé no chão” ao trazer à luz o vernáculo trabalhista pela via do nacionalismo moderno e desenvolvimentista, este avistado no tripé político mais atado do Brasil: Getúlio Vargas, João Goulart (Jango) e Leonel Brizola.
No livro, os passos de Jango, emaranhados aos de Vargas e Brizola, escancaram a limpeza do Homem, a dignidade do Político, a luta eterna por um porvir emancipacionista que denotam a grandeza de um democrata na acepção do termo. A história de Goulart é uma aula de Política, da grande e verdadeira Política (Paulo Henrique Amorim e os estruturalistas que me perdoem, mas a política não é una (uma coisa só, totalizante): há política e Política , esta entendida por Platão no livro VI da República como a libertação de consciência (registre-se, também há militares e Militares). A Política deve ter caráter ético-normativo que a defina e distinga de manejos artificiais e blasfemos repercutidos através de palanfrórios retórico-performáticos de face estritamente perfunctória.
Não obstante, Jango se esforçou em estatuir a moderação como atributo valorativo e virtuoso do Homem, que renuncia a radicalismos e imprime o relativismo e a autocrítica como os principais caminhos para a verdade.
Trata-se de uma capacidade distinta entre quem tem poder político, uma vez que quem o possui não consegue exercitar um mínimo de desprendimento em relação à carga emocional, cultural, valorativa e política que o acompanha. Seu exercício predileto era moderar os próprios pensamentos e ações, sempre sob uma base sólida e pétrea: a da justiça social, esta imprescindível (condição sine qua non) e reestruturante para a emergência progressista da sociedade brasileira.
Adquiriu esta quintessência do espírito ao nutrir-se do néctar político trabalhista, mais precisamente dos ensinamentos preceptores do maior estadista brasileiro, Getúlio Dornelles Vargas. Portanto, a aplicação de políticas voltadas à garantia e defesa dos direitos sociais expressas sobretudo nas leis trabalhistas advieram com a maior naturalidade, como lição básica de um projeto autodesenvolvimentista concentrado no fator trabalho como condição primeira da emancipação socioeconômica da nação e da luta pela equidade entre as classes. Estas ações aprofundaram, sobremaneira, um debate produtivo na esfera pública em que os diversos segmentos sociais apresentavam suas demandas promovendo uma efervescência política estimulante ao contraditório. É a política pulsando em consonância a anseios populares legítimos em condições de aquecer e despertar a sociedade civil rumo a outro nível de participação e consciência na organização da pólis. Nos moldes do conceito Habermasiano trata-se da esfera pública em estado pletórico!!!
Porém, ciente de que quem defende verdadeiramente o povo dificilmente escapa da saga persecutória exercida pelo estamento burocrático – os donos do poder no Brasil -, João Goulart resistiu dentro dos limites legais, sem estimular a erupção (iminente) de uma Guerra Civil, mesmo sofrendo pressões diversas (violentas). Para termos uma ideia da bizarrice, certa vez um meliante metido à repórter conseguiu uma foto do armário onde Tereza Goulart guardava seus sapatos. No dia seguinte à “proeza” estampou a seguinte manchete na capa do jornal: ATÉ QUANDO VAMOS AGUENTAR ISSO?
Como o tempo é considerado o pai dos prodígios, a luz do sol é o melhor desinfetante e não existe crime perfeito, hoje sabemos que atrás da foto do armário, daquela fatídica marcha e de tantos outros exemplos existia a mão pesada dos estadunidenses, prontos a derramar sangue em caso de resistência armada. E não há ninguém no mundo nos últimos 60 anos que consiga derramar sangue com tanta competência, em nome do poder político e econômico, quanto os EUA. Mas eles não contavam com a postura de estadista e o perfil moderado e íntegro de Jango que em hipótese alguma deixaria seus instintos mais primitivos se sobrepor às ações de caráter sensato macular sua própria História.
Com resposta convictamente democrata, Jango deixou os porta-aviões estadunidenses atracados na costa brasileira literalmente a ver navios. Preferiu morrer assassinado a colocar o povo na linha de frente de batalha, colaborando decisivamente para o entendimento de que a estátua da liberdade postada no coração do liberalismo estadunidense não passa de uma fachada autoritária, retórica e cínica para engambelar os incautos em nome de uma democracia de mentira, que tortura em Guantânamo, mata no Iraque, no Afeganistão, apoia ditaduras no Oriente Médio, auxilia Golpes de Estado nas Américas, é omissa à fome e às guerras civis na África, usa a tecnologia contra os direitos civis (espionagem criminosa na internet) e persegue violentamente quem lhes opõem, como nos casos recentes de Bradley Manning, Edward Snowden, Julian Assange, Julie Feinsilver e tantos outros bravos defensores de uma liberdade real.
Numa época em que o radicalismo recrudesce abastecido nas sendas da sociedade do espetáculo, um Ethos cívico de alta magnitude capaz de reinventar a democracia seria recuperar a estatura do estadista João Goulart como forma de resistência e postura contra-hegemônica aos ditames neoliberais atuais promotores de ignorância, que contraditoriamente (ou não) fomentam o autoritarismo, deixando assim intrépidas as viúvas do Golpe de 1964, as quais insistem em elogiar e defender corruptos, torturadores e assassinos.
OBSERVAÇÃO: Quem quiser aprender um pouco sobre o Golpe de 1964 pode ver a entrevista do Dr. Almino Afonso concedida ao Programa Roda Viva da TV Cultura exibido em 31/03/14. Com postura irretocável, prezando por relatos críveis fundamentados em dados documentados, Dr. Almino Afonso esclarece questões polêmicas além de responder sofisticadamente as aberrações e insinuações imaginativas do PIG, dotadas de interesses políticos a fim de macular as ações de Jango. Naquela noite, representado por Eliane Cantanhede (Folha de São Paulo) e Marco Antonio Villa (UFSCar), o PIG foi nocauteado, mais uma vez, no conteúdo, que não tem. As palavras do Dr. Almino Afonso a Marco Antonio Villa (da UFSCar e da turma do PIG) regozijam na alma: “Eu tenho autoridade e legitimidade para relatar aquele momento, eu o vivi, não aprendi lendo jornal nem livro, sou testemunha viva da história. Não sabia que você era tão imaginativo. Sua Estória está mais para um romance, obviamente, em total descompasso com o real”.
Levy Lisboa Neto – Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com disciplinas realizadas na Universidade de Brasília (UnB). É mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
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nov 12, 2023 0
out 12, 2023 0
jul 06, 2023 0
maio 31, 2023 0
SiMM, de fato, teMM algo Novo e grandioso no ar e que nada tem a ver com os velhos e novos “aviões” de carreira. O fato é que chegamos, inapelavelmente, ao fim do ciclo de poder do gollpismo-ditatorial e do partidarismo-elleitoral, velhacos, que já durou mais de 100 anos, para não precisarmos retroagir muito no tempo. Aliás, até o próprio Sarney já admitiu isso quando disse “Reforma Política, ou Revolução”, face ao qual o HoMeM do Mapa da Mina retrucou: “Agora é Dilma de novo, ou Revolução”, porque o resto é apenas mais dos mesmos, piorados, mais perda de tempo versus tempo perdido. A própria retrospectiva do PSDB, à evidência, não o recomenda para voltar ao comando do poder central da república, bastando lembrar o instituto da reeleição que tornou pior o que já era muito ruim e a figura do engavetador geral da nação, cunhada à sua época, como bastião da impunidade demotucana, cuja punição acabou acontecendo através das urnas. Portanto, será loucura não darmos uma outra chance à Dilma, ou não fazermos agora, a partir de outubro de 2014, a RPL-PNBC-ME ( a REVOLUÇÃO PACÍFICA DO LEÃO), que propõe o Projeto Novo e Alternativo de Nação e de Política, com a quebra do monopólio partidário sobre as eleições, gerais, mandatos de 5 anos, sem reeleição, anulação da força do dinheiro, com a participação direta da sociedade, como deseja o povo que rugiu igual Leão nas ruas do Brasil, em junho de 2013, e que continua rugindo através das pesquisas por MUDANÇAS de verdade: sérias, estruturais e profundas, porque evoluir é preciso.
Que mal eu pergunte, esse tripé, Getúlio, Brizola e Jango, todos fazendeiros do Rio Grande, não é aquele mesmo que aplicou o gollpe de 1930, no nosso Júlio Prestes, impedindo-o de tomar posse, não obstante eleito legitimamente pelo povo brasileiro nas urnas (acusado por aqueles de fazendeiro, barão do café, etc. e tal ?), e que mais tarde, em 1964 , também foram gollpeados pelos militares ? Gollpe é gollpe, gollpistas são gollpistas, fardados ou sem fardas. O Brasil ainda não sabe o que é um Estadista de verdade. Esperamos que esteja por vir, e que seja capaz de descortinar novos horizontes para todos, até porque estamos todos fartos do partidarismo-elleitoral e do gollpismo-ditatorial, velhacos, dos quais somos todos reféns, desde o gollpe contra o Império, que já era uma titiica, e o advento do modello de repúbllica que aí está, com prazo de validade vencido há muito tempo.