out 08, 2015 Air Antunes Artigos 0
THOMAS WOOD JR.
Divagações imperfeitas sobre o nebuloso fenômeno do colapso da liderança
The Leadership Quarterly é a mais notável entre várias revistas científicas dedicadas ao tema da liderança. Publica seis edições por ano, com dez artigos ou mais artigos em cada edição. Cada artigo científico tem em média 8 mil palavras, portanto, são quase 500 mil palavras por ano. E a revista está em seu 26º ano de publicação!
Os temas tratados pelo periódico são variados e frequentemente exóticos: modelos asiáticos de liderança, emoções dos líderes, aspectos cognitivos da liderança, integridade dos líderes, biologia da liderança e muito mais. Tanta reflexão talvez ajude a entender o fenômeno. No entanto, parece ainda longe de ajudar a produzir melhores líderes.
Os manuais de gestão costumam definir liderança como a capacidade ou habilidade de exercer influência social para levar um grupo, organização ou comunidade a realizar algumas tarefas ou atingir determinadas metas.
Na ciência administrativa, os esforços para entender o fenômeno da liderança vêm de longe. Os primeiros estudos focavam os traços pessoais de grandes líderes, tais como visão estratégica, autonomia, energia, criatividade, autoconfiança e sociabilidade. Estudos posteriores avançaram no sentido de compreender a influência do ambiente. Líderes bem-sucedidos em determinados contextos podem colher fracassos desconcertantes em outros.
A partir dos anos 1990, ganharam popularidade os estudos sobre o carisma dos líderes, a sua suposta capacidade de inspirar os liderados a atingir níveis mais altos de desempenho. Tomaram também a ribalta os estudos sobre o chamado líder transformacional, aquele capaz de conduzir processos amplos e desafiadores de mudança nas organizações.
As décadas seguintes foram menos pirotécnicas e mais reflexivas. Fraudes e falências levaram alguns heróis da glória para o desterro ou o cárcere. O picadeiro, outrora ocupado por grandes ilusionistas, foi tomado por marionetes, figuras de pequena estatura e falastrões de escasso repertório. As ilusões acerca dos grandes líderes deram lugar a uma quieta desilusão, temperada por doses consideráveis de cinismo e conformismo. Ali e acolá surgiram estudos críticos, a analisar o colapso da liderança.
Em um influente artigo publicado há quase 40 anos no Journal of Applied Behavioral Science, Linda Smircich e Gareth Morgan propuseram uma definição alternativa para o fenômeno da liderança, como o processo pelo qual um ou mais indivíduos interpretam e definem a realidade para os demais. Assim, certos indivíduos emergem como líderes por conseguirem interpretar o contexto e explicá-lo de uma forma original e convincente, viabilizadora de determinados cursos de ação. Eles articulam o que estava implícito, não dito ou pouco compreendido, usam imagens e narrativas, alteram o foco de atenção e levam os demais a compartilhar a sua visão, reconhecendo-os como dignos timoneiros.
Em contextos estruturados e institucionalizados, a exemplo de grandes empresas, os direitos de definição da realidade são reconhecidos e formalizados. Líderes ancoram-se em papéis, processos e práticas. No entanto, se falharem repetidamente em sua missão de interpretar e definir a realidade, podem perder legitimidade e levar o processo de liderança ao colapso.
Quando o poder de definir a realidade é perdido, grupos de liderados permanecem operando sem direção. Frequentemente, emerge uma disputa entre aspirantes a líderes. Tais situações podem perdurar, gerando o caos.
Em nosso mundo hipersimbólico, povoado por falastrões esbaforidos e mídias histriônicas, o grito e a pirotecnia levam nítida vantagem sobre a razão e a sensibilidade. As lutas deixam de ser travadas no mundo da substância e dos fatos e avançam pelo etéreo universo dos discursos desencarnados e dos símbolos de incertos significados.
Em tais contextos, líderes decadentes operam titubeantes, em meio a uma densa neblina, a manipular fiapos de sentido e doses primitivas de emoção, cercados por aspirantes belicosos e liderados atônitos. A trupe segue destino incerto, amiúde em alta velocidade. Em tais situações, podem vir a vencer os operadores do mínimo múltiplo comum, aliás, mestres da divisão mais do que da multiplicação. De Carta Capital
Thomaz Wood Jr., engenheiro químico (Unicamp), mestrado em Administração de Empresas (FGV) e doutorado em Administração de Empresas (FGV), atualmente professor da FGV. Articulista da revista Carta Capital.
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