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A visita de Zecamunista

dez 01, 2019 Air Antunes Ilustrada 0


JOÃO UBALDO RIBEIRO

João Ubaldo Ribeiro

Relutei em voltar a falar em Zecamunista pela terceira vez em pouco tempo, mas os pedidos foram muitos em toda a vizinhança, que ele visitou brevemente, nos três dias de sua estada no Rio de Janeiro. Revolucionário de um lado e profissional do pôquer de outro, desde seus precoces 14 anos, habituou-se à clandestinidade, a codinomes, endereços secretos e disfarces dos mais variados, de maneira que, segundo ele, o primeiro impulso que sente ao despertar é se esconder da repressão. Só depois de um minuto ou dois, ele acorda de vez, suspira aliviado e canta a Internacional em voz alta, ritual cotidiano. Entre seus disfarces, o mais célebre e sempre lembrado na ilha é do tempo em que ele, ainda bem antes dos 14, fazia sucesso com mágicas de baralho em todo o Recôncavo, de turbante e usando o nome artístico de Abdul Saladim, em alusão a suas origens árabes. Daí para o pôquer foi um pulo e rendam graças aos céus os jogadores de pôquer do Rio por ele ter vindo por motivos estritamente políticos e, como sempre, subversivos.

A pedido dele, fui encontrá-lo na orla, ainda de manhã bem cedo. Ele me esperava de óculos escuros e chapéu enterrado na cabeça, contemplando o mar e usando seu inseparável brochinho da foice e martelo na lapela.

– Mas isto aqui é a paisagem mais linda do mundo – disse ele, com a voz um pouco embargada. – Nem em toda a União Soviética se encontrava uma paisagem que rivalizasse com esta. Nem em Itaparica, a verdade é esta. Até o nome é bom.

– Rio de Janeiro?

– Gua-na-ba-ra, a gente enche a boca. Você sabe o que quer dizer Guanabara em tupi-guarani?

– Eu li não sei onde que quer dizer “baía grande”.

– Errado! Ignorância! Alienação! Os índios nem sabiam o que era baía, quanto mais se era grande ou pequena, eles só conheciam esta. A interpretação certa é “seio-mar”, isso sim, faz justiça a esta baía extraordinária. Um grande peitão marítimo, um grande, farto e acolhedor regaço feminino! Você não acha que a Baía de Guanabara tem a forma de um peitão, o Grande Peitão?

– Bem, sinceramente, eu já olhei no mapa e nunca me pareceu isso.

– Os índios não tinham Google, para eles era um peitão! Olhada daqui é um peitão absoluto, o Grande Peitão, um peitão magnífico e arrebatador, como somente a carioc… Você reuniu algumas candidatas a se alistar na ala feminina dos Bem-te-vis da Pátria?

– Bem, eu devo confessar que não tenho muito jeito para isso.

– Eu já esperava, você não presta nem como linha auxiliar, nem como inocente útil você tem serventia.

– Eu falei com algumas amigas, mas a verdade é que elas ficaram um pouco desconfiadas do exame que você quer fazer nelas.

– Nelas não! Com elas! Olhe a regência, você quer me difamar, atenção no quinta-colunismo! Eu não vou fazer nada nelas, eu nunca faço nada nas mulheres, eu faço com elas, atenção na preposição, eu mando uma carta de protesto para a Academia e acabo com seu cartaz lá, se é que você tem algum!

– Que é isso, Zeca, também não precisa se exaltar.

– Desculpe, mas eu fico transtornado com essas coisas. Somente um cafajeste é que vai chegar para uma mulher, ainda mais a carioca, e dizer que quer fazer um negócio nela. Ele diz que quer fazer um negócio com ela, é diferente, é ali junto. É por essas e outras que desde o tempo de menino que você tenta apanhar mulher e não consegue, muito menos uma carioca, e para arranjar quem o aguentasse teve que engabelar uma jovem inocente em Birigui.

– Bem, de qualquer forma, quando eu disse o nome do exame, elas não gostaram.

– O psicotoque? É preciso ser muito maldoso, para condenar um exame de tanta utilidade, que eu mesmo desenvolvi a partir de certas descobertas de Pavlov. Ele fazia isso com cachorros, mas eu, modéstia à parte, faço com as mulheres, elas ficam babando que nem os cachorros dele, quando me veem, é reflexo condicionado. Mas essas suas amigas ficaram intimidadas foi com sua preposição insidiosa. Acharam que eu queria fazer o psicotoque nelas, mas eu quero fazer é com elas. Você tem obrigação de escrever isso no jornal, eu não quero me ver obrigado a entrar na justiça contra você, por difamação e injúria.

– Tudo bem, eu escrevo, mas não vai adiantar nada, acho que seu movimento não começou bem.

– Porque ainda não começou. Resolvi adiar o lançamento nacional aqui na Guanabara, preciso de uma preparação mais cuidadosa, não pensei que ainda por cima seria sabotado por amigos falsos e conterrâneos pérfidos. Você ainda ouvirá falar muito na ala feminina dos Bem-te-vis da Pátria. Eu tive uma ideia mercadológica, de vez em quando é preciso usar as armas do capitalismo, eu trabalhei muito em agitação e propaganda lá na ilha.

– Desde que eu nasci, nunca vi agitação na ilha.

– Não aceito insinuações. E minha decisão já está tomada. Vou fazer um anúncio na internet, somente para as cariocas: “Seja uma comandante dos Bem-te-vis da Pátria! Venha fazer seu psicotoque com Zecamunista em Itaparica! Uma semana com todas as despesas pagas! Para melhor concentração, pais, maridos e namorados não serão aceitos! Não perca esta oportunidade!”.

– Até que pode dar certo, Zeca, mas de onde virá a grana?

– Patrocínio. O psicotoque é de interesse nacional, quem já fez confirma. E a mulher carioca é cultura, estou tranquilo, acho que vou de Petrobras.

O Globo, 25/3/2012

João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), escritor , jornalista, ganhador do Prêmio Camões de 2008.

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