Até a chegada da Família Real, em 1808, era vetada qualquer atividade de impressão, peculariedade da América Portuguesa, que também tinha proibido as universidades. O rei disse, o Brasil precisa de soldados, não de advogados. E foi um advogado quem justificou o temor real: Gregório de Matos, o primeiro poeta brasileiro, que escreveu os primeiros brados de nossa independência. Seus manuscritos, segundo Alceu de Amoroso Lima, “consignaram, para a posteridade, a obra dispersiva desse fundador da nossa imprensa”. Gregório nasceu em 1636, na Bahia, filho de família abastada. Estudou com os jesuítas, depois formou-se em Coimbra. Trabalhou na magistratura e na administração, e fez carreira brilhante em Lisboa.
Perto dos cinquenta anos voltou ao Brasil. Com o olhar dos advogados e a sensibilidade dos poetas, percebia o que se passava na Colônia. Organizou sua crônica entre os grandes temas do poder e da corrupção. Desafiou, denunciou, atacou. Nunca assinou seus poemas, dizia-os de improviso e alguém anotava em papéis que eram copiados e distribuídos. Comentava assuntos do cotidiano, religioso, políticos, dramas pessoais ou familiares.
Desafiou até o rei e a Igreja. Zombou de juízes, desembargadores, provedores, tabeliães, padres, amigos, inimigos…Não poupava nem a si mesmo. As pessoas odiavam, adoravam, escondiam-se, divertiam-se, buscavam reparação. Levavam-lhe motes, provocavam-no. Atacava figuras da política ou da vida cultural, e elas tomavam a força da celebridade.
A linguagem coloquial e a metrificação fluente facilitavam a memorização dos versos. A maledicência inteligente tornava as sátiras ansiadas. Gregório era conhecido por grandes e pequenos, ricos e pobres, e, apesar de sua linguagem crua, não deixava de ser respeitado por muitos. Ele tornou visível a vida colonial, em versos que hoje podemos compreender como alta literatura. Mas não ficou impune. Os poderosos usaram todas as ferramentas para calar sua boca: prisões, tentativas de agressão, demissão de cargos e funções, negativa de favores, a obrigação da pobreza….E afinal o exílio. Em sua volta ao Brasil, veio sob ameaça de novo degredo caso fizesse mais sátiras.
Transcrito da revista Caros Amigos
Ana Miranda é escritora, autora de Boca do inferno, Desmundo, Dias E Dias, e outros romances, editados pela Companhia das Letras. Suas crônicas estão reunidas no volume Deus-Dará, da Editora Casa Amarela.