jun 29, 2014 Air Antunes EDUCAÇÃO 0
“Durante o regime militar houve uma greve de estudantes no Rio de Janeiro e o reitor da Universidade, que era o historiador Pedro Calmon, foi acordado altas horas da noite pelo atemorizado diretor de uma faculdade, que lhe comunicou que os alunos estavam decididos a ir queimar a biblioteca. Pedro Calmon tranquilizou logo o diretor dizendo: ´Pode dormir tranquilo, porque não há um único aluno dessa escola que conheça o caminho da biblioteca´. Os presentes aqui hoje conhecem o caminho da biblioteca. Eu felicito estes jovens. Eu nasci em Maceió, uma cidade muito provinciana, e quando era menino não havia nenhuma biblioteca na cidade. A minha família era muito burguesa, e assim não havia livros de imaginação na minha casa. Para quem queria ser um escritor esse foi um primeiro problema. Escrever era o meu grande desejo, não pensava em outra coisa. Houve uma época em que pensei até em entrar para uma irmandade religiosa , porque me disseram que lá havia muitos livros. Somente anos mais tarde um amigo de infância, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, hoje um clássico graças ao seu dicionário, criou a primeira biblioteca pública em Maceió.
Quando me perguntam qual o livro que eu levaria para uma ilha deserta, costumo responder que não é qual o livro, porque eu só poderia levar uma biblioteca inteira, de preferência esta, a de Mário de Andrade. É uma verdadeira obsessão que tenho. Porque todos os livros refletem o que há de mais importante no homem, a sua imaginação. É graças à sua imaginação, à sua possibilidade de se tornar criativo que o homem pode se comunicar. Por isso, quando vejo jovens virem à biblioteca, penso que nem todos devem vir exclusivamente para passar horas de lazer, que deve haver os que vêm buscar uma semente de leitura, sem a qual nenhum escritor se forma.
Eu ficava encantado, em menino, com romances de aventuras, principalmente com uma coleção, Terra Mar e Ar, publicada pela grande Companhia Editora Nacional, fundada pelo também escritor Monteiro lobato. Eram livros em que havia piratas, pirogas, mares do sul, Emilio Salgari, principalmente, um escritor italiano fazia o meu encantamento. Como a minha cidade de Maceió era uma cidade peninsular, marítima, esse ambiente de aventura marcou muito minha poesia. É muito importante que o escritor tenha suas raízes, o seu lugar. Os meus romances guardam também muito erste mundo perdido, da infância. A literatura serve muito para esta função de guarda, de preservação. Comparo o poeta a um banqueiro. Só que enquanto este guarda as riquezas materiais, o poeta guarda as riquezas espirituais”.
Depoimento concedido a alunos na Biblioteca Mário de Andrade, em 11 de abril de 1996.
Lêdo Ivo nasceu em Maceió, Alagoas, em 18 de fevereiro de 1924 e morreu em Sevilha, Espanha, em 23 de dezembro de 2012. Jornalista, poeta, romancista, contista, cronista e ensaísta. Fez sua primeira formação literária em Recife e transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a a atividade jornalística. Formado pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, nunca advogou. Eleito intelectual do Ano em 1990 pela União Brasileira dos Escritores (UBE), tem as seguintes premiações: Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, Prêmio Cláudio Souza do Pen Club do Brasil, Prêmio Jabuti, Prêmio Mário de Andrade, entre outros. Eleito por unanimidade, pertence à Academia Brasileira de Letras. Tem várias obras traduzidas. Dentre seus livros destacam-se: Um brasileiro em Paris (Poema), Magias (poema), O Soldado raso (poema), Calabar (poema), Curral de Peixe (poema), Ninho de Cobras (romance), A Morte do Brasil (romance), República da desilusão (ensaio), O aluno relapso (memórias) e Confissões de um poeta (memórias”.
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