abr 06, 2014 Air Antunes Angatuba 2
A primeira sessão ordinária da Câmara Municipal de Angatuba realizada após o fatídico golpe militar de 31 de março de 1964 aconteceu seis dias depois, em 6 de abril e, com certeza , o grande acontecimento político do âmbito nacional não passaria batido entre os debates dos vereadores angatubenses. A sessão, na verdade, foi um declarado apoio ao golpe que derrubou o presidente da República João Goulart.
Naquela sessão, além do presidente da Câmara, Vicente Orsi Neto e o primeiro secretário Reinaldo Manoel Volpi, estavam presentes os vereadores Cyro de Almeida Mello, Gentil Nery, Lázaro Lopes Machado, Lauro Bertolai, José Paz e João Benedito Queiróz. Faltaram a esta sessão os vereadores Levy Lisboa, João Felício de Medeiros e Américo Módolo.
Quem deu o pontapé inicial, não para declarar apoio ao golpe mas para se defender, foi José Paz, conhecido também por Zé Dentista, que disse em seu discurso, “espero que a nova ordem implantada no Brasil tudo faça para que dias melhores venham a esse povo bondoso. Acredito que as forças armadas brasileiras não têm vocação para a ditadura, mas sim para a democracia”.
O pronunciamento de Zé Dentista se deu na explicação pessoal quando a usou para justificar-se contra boato o envolvendo: “…minhas atitudes de 14 anos não podem ser apagadas por um agitador que soltou rumores de que eu tinha fugido ou mesmo podia estar preso. Confesso que não fugi, mas sim tive medo de uma traição. Como pode, como se sabe que aquele que propaga há muito o movimento católico, ser comunista?” Citou papas, a encíclica de Leão XIII, “que, posteriormente, foi encontrada em Pio XI e João XXIII”. Ainda, “Quanto aos boatos de que neste momento poderia estar preso, posso assinar tudo quando for de papel porque é da legalidade, e na democracia o povo tem a liberdade de pensamento e sentimento. É dever aceitar o que aí está se é para o bem estar de todos”.
O vereador Gentil Nery pediu a palavra e perguntou a Zé Dentista: “Quero saber se o senhor é fichado no Partido Comunista”. Obteve um “não” como resposta. Continuou Nery: “Se for verdade, poderá contar com a minha defesa mas, caso contrário, serei eu o primeiro a requerer a cassação de seu mandato”. Aconselhou Zé Dentista que aguardasse serenamente os acontecimentos, “com consciência tranqüila”, pois existia boas intenções por parte de seus pares.
O vereador Cyro de Almeida Mello, em sua vez de falar, agradeceu a Deus, à livre expressão e ao livre pensamento, referindo-se sobre “a crise político militar”, nas suas palavras, “deflagrada por elementos que tentavam levar o Brasil ao caos, comunizando-o. Tendo sido nossos antepassados, cristão, temos a obrigação de segui-los, desejando o mesmo aos nossos filhos” . Referiu-se sobre “a imensidão da terra brasileira, que não deve ser entregue ao gringo vermelho sanguinário. Aqueles que nos queriam bolchevistas, esqueciam do célebre paredão de Cuba”. Citou o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, como inflamador, “quando a paz voltava a reinar, proferiu para os reacionários e gorilas a seguinte frase: ´a eles o paredão´”. Finalizando sua fala, Cyro agradeceu aos chefes de estado e aos chefes militares, “baluartes da democracia e ao povo que lutou pelo bem dos nossos. Podemos ser reacionários e insurretos, mas em prol da boa causa, contra a comunização da nossa gente”.
Por sua vez, Reinaldo Volpi endossou as palavras de Cyro de que “no Brasil não existe perigo de comunização, pois confio nas forças armadas e no povo brasileiro”. Disse também, em relação a Zé Dentista, “acredito ser ele um democrata, pois assim provou vindo à presente sessão”.
Gentil Nery solicitou que se constasse em ata sua participação nas marchas “Em Deus pela liberdade” realizadas em São Paulo e Itapetininga. Como membro do diretório do PSD repugnou seu líder Juscelino Kusbtcheck “pela posição que toma neste movimento revolucionário brasileiro junto aos esquerdistas”.
O presidente da Câmara, Vicente Orsi Neto, esclareceu que “a vigília desta casa estava sendo feita por ocasião do seu comparecimento à marcha realizada em Itapetininga, juntamente com os colegas da Casa, João Benedito de Queiroz, Gentil Nery, Reinaldo Volpi e o prefeito Clóvis Vieira de Moraes , que “Angatuba compartilha pois foi o único município a votar pelo “sim”. Quanto ao caso de Zé Dentista, sobre os boatos de que seria comunista, explicou: “esta câmara está pronta para defender seus membros dentro das leis e dos direitos constitucionais, como viso o progresso deste município e os benefícios de que o próprio povo é testemunha”.
Gentil Nery, novamente, se expressou: “pode ficar descansado, esta edilidade está aqui para agir, requerer provas concretas dentro da lei. Considero a maior infâmia estes rumores à sua pessoa, e acredito mesmo que Angatuba não tem comunistas”. E terminou, “asseguro que não foi surpresa a eclosão destes acontecimentos, acredito num desfecho breve e favorável, pois neste torrão imenso impera a Democracia”.
Zé Dentista ainda falou que ficou satisfeito quando ouviu no teor da ata passada a nomeação da comissão que, junto ao prefeito, iria estudar meios para melhorar o salário dos funcionários da prefeitura.
No expediente daquela sessão foram lidos ofícios da Inspetoria Seccional de Itapetininga; telegrama do senador Lino de Mattos e ofícios das câmaras muniicpais de Guaratinguetá, São Bento do Sapucaí, Ibaté, Guararapes e Auriflama.
A renúncia
Na sessão ordinária seguinte, no dia 13 de abril, o vereador Zé Dentista entregou seu pedido de renúncia da função de vereador, alegando “motivos pessoais”.
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Gostei da publicação.
Concerteza a vocação para a democracia e não pela ditadura fizeram muito bem a Angatuba. Fizeram com que os coronéis que ainda dominam a cidade, se sentissem à vontade com seus desmandos. A cidade evoluiu muito, pelas vistas desses nobres vereadores, que não sei quem ainda está vivo hoje. O Zé Dentista sofreu muito pela acusação. Ser comunista na época, era como ser acusado de bruxaria à época da inquisição. Angatuba e outros municípios vizinhos espelham bem esse pensamento das elites locais, como mostrado à época. Todos subdesenvolvidos e com poucos dominando a política local.