nov 06, 2016 Air Antunes Artigos 0
Pode ser dito mesmo que 1968 é “O ano que não terminou”, afinal muito da luta empreendida naquele período ainda ilustra o cenário atual. 1968 foi intensamente movimentado, ano de acontecimentos muito importantes, foram assassinados Martin Luther King, Robert Kennedy, a Guerra do Vietnã entrava em seu momento mais crítico; inúmeras manifestações, sobretudo estudantis, contra a própria Guerra do Vietnã e contra os regimes autoritários vigentes em diversos países do mundo, inclusive na América Latina.No Brasil, naquele ano, foi instituído o Ato Inconstitucional nº 5, o AI-5, pelo presidente ditador Costa e Silva; corria solta a sombria, nefasta e violenta ditadura militar algo tão almejado por uma massa ignorante existente ainda nos dias de hoje. Também, sobre 1968, artigo interessante (transcrito abaixo) escreveu o sociólogo carioca, Bernardo Borges Buarque de Holanda, alguns anos atrás, mas que vale a pena transcrever. Ele aborda a manifestação nas arquibancadas, entre as torcidas, algo que era inspirado nas demais manifestações que ocorriam no país.
BERNARDO BORGES BUARQUE DE HOLANDA
O ano de 1968 também foi agitado nas arquibancadas do Maracanã. Talvez por ser considerado por muitos intelectuais como um espaço típico de alienação e válvula de escape para as grandes tensões sociais do mundo do trabalho, o futebol passou despercebido por jornalistas, escritores e historiadores no registro daquele conturbado ano de revoltas estudantis no Brasil e no mundo. No entanto, inúmeros protestos foram protagonizados por parte dos freqüentadores do maior estádio do mundo que, em fins da década de 1960, assinalou os seus maiores índices de público, em jogos com mais de cento e setenta mil espectadores.
As manifestações ocorreram durante a disputa do campeonato carioca. Em meio a mais uma crise de desempenho de alguns dos grandes clubes, grupos de torcedores em sua maioria jovens, se insurgiram contra a passividade da torcida oficial de cada um dos seus times, que acatavam todas as diretrizes dos dirigentes dos clubes.
Inspirados por palavras de ordem e formas de protesto próprias do movimento estudantil, que vivia seu clímax no Rio de Janeiro daquele ano, os novos agrupamentos de torcedores descontentes adotaram o slogan internacional Poder Jovem e instauraram , em um local nas arquibancadas situado atrás do gol, uma inédita dissidência frente às antigas torcidas. Era o Jovem-Flu, que promoveria o enterro simbólico do vice-presidente do clube, percorrendo todo o anel do estádio, durante várias semanas até a queda do diretor; era o Poder Jovem do Flamengo que, além do cortejo fúnebre, usou dos meios mais contundentes para exigir mudanças do seu presidente, como o apedrejamento de carros e a realização de passeatas pelas ruas do Rio de Janeiro. Até mesmo um grito de guerra da Passeata dos Cem Mil, realizada no centro da cidade, seria parodiada pelos jovens torcedores: “A torcida organizada/ derruba a cachorrada!”. Mas, apesar da predominância das críticas, era possível perceber nessas torcidas a tradição de incentivo aos seus clubes, como a faixa que se estendeu na grade proteção da arquibancada: “Avante Botafogo, o Poder Jovem está contigo!”.
A década de 1960 ficou marcada por um período de agudos conflitos entre as gerações que nasceram antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Esses embates vivenciados no seio familiar por meio da tensão entre pais e filhos se davam por extensão no plano da sociedade, na esfera dos valores das idéias e do comportamento, refletindo-se no estilo das roupas, no gosto musical ou na reivindicação da liberdade sexual. O universo do futebol não ficou alheio a essas transformações. Foi no final daquela década que começou a despontar nos estádios o embrião das galeras que nos dias atuais chamam tanta atenção nos jogos. Como legado, temos hoje verdadeiras instituições, registradas juridicamente como os grêmios recreativos e culturais: a Torcida Jovem do Flamengo, a Força Jovem do Vasco, a Fúria Jovem do Botafogo e a Young-Flu, que perfazem a identidade de milhares de adolescentes de todas as latitudes da cidade e do país.
Bernardo Borges Buarque de Holanda, doutor em História Social da Cultura pela PUC-Rio. É professor-adjunto da Escola de Ciências Sociais, da Fundação Getúlio Vargas, e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV).
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