jul 07, 2016 Air Antunes Politica 0
A Independência do Brasil guardou para a Bahia episódios bastante intensos. Nesta então província, portugueses e brasileiros, em lados opostos, pegaram em armas para definir o futuro da porção americana do Reino Unido português. Esta guerra durou cerca de um ano e alguns dias, entre 25 de junho de 1822 e 2 de julho de 1823, e mobilizou, de ambos os lados, dezenas de milhares de soldados, sem contar com outras tantas pessoas que, ou participaram da guerra de outras formas que não no front, ou tiveram suas vidas marcadas dramaticamente pelos fatos decorrentes da guerra.
As datas históricas são construções ideológicas que atendem aos interesses de forças sociais distintas e legitimam seu domínio de classe.
A escolha do 7 de setembro como data nacional foi assim. Foram os historiadores conservadores do Império, que buscavam legitimar a narrativa dominante e áulica sobre a separação com Portugal, que consagraram o 7 de setembro, data que correspondia à ação da elite agroexportadora e escravista que dominou aquele processo de ruptura cuja figura mais visível foi o príncipe D. Pedro.
A escolha do 7 de setembro consagra a visão conservadora de que a independência teria sido uma doação benfazeja da Casa de Bragança e a ruptura com Portugal teria sido um processo amigável, entre “pai e filho”.
Mas a Independência não foi assim. Foi uma verdadeira guerra popular, de libertação nacional, travada na região que compunha na época o centro dinâmico da sociedade brasileira – o Nordeste.
A Independência foi conquistada de arma nas mãos, numa luta que mobilizou mais soldados do que Simon Bolívar em todas as campanhas independentistas que dirigiu na América do Sul. Houve lutas de grande envergadura em Pernambuco, no Para, Maranhão, Piaui. e também Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. E na Bahia onde, em 2 de julho de 1823, os portugueses foram finalmente derrotados e expulsos do território brasileiro.
A versão de que o povo não participou das lutas pela independência foi construída pelos historiadores conservadores desde a obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, o historiador palaciano e conservador cuja obra – publicada inicialmente em 1853 – injuriou heróis como Tiradentes e José Bonifácio, tratou qualquer rebelião popular como caso de polícia (que em sua opinião mereciam, acusa o historiador Capistrano de Abreu, este sim ligado ao Brasil e aos brasileiros, a forca e o fuzilamento!). E criou s lenda de que a Independência fora obra exclusiva de D. Pedro que teria se tornado, portanto, merecedor da gratidão dos brasileiros.
A importância da ação popular na Independência é sempre negligenciada pela versão oficial da história, e mesmo por outras que, embora críticas, são influenciadas pelo oficialismo.
No Rio de Janeiro setores populares, plebeus, participaram da luta e publicaram jornais com seus pontos de vista. Um exemplo é a Nova Luz Brasileira, de Ezequiel Correia dos Santos e João Batista de Queirós, que circulou em 1829, e trazia a visão de “artesãos, comerciantes, farmacêuticos, soldados, ourives, representantes da pequena burguesia e das camadas populares urbanas”. Aquele jornal defendia a monarquia constitucional representativa, e condenava “a escravidão e a discriminação racial” e propunha uma limitada “emancipação dos escravos”, diz a historiadora Emilia Viotti da Costa.
Ações semelhantes de populares, como artesãos, pequenos comerciantes, representantes da pequena burguesia, ex-escravos, ocorreram em grande parte das cidades brasileiras.
A Revolução Pernambucana de 1817, que se espalhou pelo Nordeste, foi um prenúncio dos embates que culminaram na proclamação da Independência cinco anos depois. Na Bahia, a guerra da Independência, vencida em 2 de julho de 1823, envolveu conflitos nas ruas de Salvador, com saques e arrombamentos.
O movimento pela independência envolveu dois antagonismos sociais básicos. Num nível a luta de classes repetia velhos antagonismos coloniais e opunha a aristocracia rural nativa aos mercadores portugueses. No outro nível estava a polarização mais radical, entre senhores e escravos.
Desde 1808, com a transferência da Família Real para o Rio de Janeiro (que se tornou a verdadeira capital do Império português), cresceu a influência dos grandes negociantes sediados no centro-sul (especialmente a burguesia mercantil do Rio de Janeiro) junto ao príncipe regente D. João. Eles foram financiadores interesseiros dos gastos do governo, e conquistaram cargos oficias estratégicos. Foi assim que aquela oligarquia de comerciantes, formada sobretudo por traficantes de escravos, conquistou forte ascendência sobre a nação que se formava.
Foram seus interesses materiais, de classe, que prevaleceram no processo da Independência. E que caracterizaram a via não revolucionária para o rompimento com Portugal. Via que Euclides da Cunha, em À Margem da história (1909) classificou pioneiramente como uma “paradoxal revolução pelo alto”.
A elite agromercantil e escravista temia, escreveu a historiadora Riva Gorenstein, “que a população livre e marginalizada do processo produtivo se revoltasse, passando a exigir para si uma série de direitos políticos e sociais. Temiam principalmente que os movimentos de rua levassem à anarquia e à destruição da propriedade privada”.
Aquela elite pretendia a mudança política que a Independência significava mas sem qualquer mudança que alterasse a organização social baseada no escravismo, no latifúndio e no comércio colonial.
No conflito entre os setores plebeus, quem prevaleceu no processo da independência foram os interesses dessa oligarquia formada pelos antepassados da atual elite neoliberal em nosso país.
Foram aqueles interesses que levaram à consagração do 7 de setembro como a data comemorativa da independência – ele comemora a mudança pelo alto, correspondendo aos interesses da mesma classe dominante que está à frente do país e do Estado brasileiro desde a separação com Portugal. E que não poderia, por ideologia e pelos seus interesses de classe, fixar o 2 de julho como a data nacional – esta é a data do povo e da vitória, armada, contra o ocupante estrangeiro.
José Carlos Ruy, jornalista e historiador.Editor do jornal Classe Operária, da equipe portal Vermelho e da Comissão Editorial da revista Princípios.
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