abr 28, 2014 Air Antunes Artigos 0
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
Ainda não pintou parlamentar de esquerda propondo um dispositivo democrático e humanista para suprimir a telenovela da televisão. A ausência dessa iniciativa revela a mediocridade política da esquerda brasileira. É por isso que inexiste partido da classe operária. A esquerda alienada não considera a telenovela o maior obstáculo ideológico à consciência de classe do proletariado.
Curso, reunião, assembléia, sindicato, comício, organização de greve- nada disso adianta se o operário depois da fábrica vai para casa ou para o boteco ver telenovela. O mesmo seja dito em relação ao Sem –Terra deseducado politicamente pela telenovela. Nosso amigo Stédile prestaria um inestimado serviço ao desenvolvimento da consciência socialista se proibisse a telenovela nos assentamentos. Isso porque , entre outras coisas deploráveis, a telenovela é um instrumento de sacralização do latifúndio e demonização da reforma agrária no inconsciente dos Sem-Terra.
Que um juiz parnasiano do STF fale e gesticule de acordo com o código telenovelístico é lamentável, porém não é tão nocivo quanto um proletariado ou um trabalhador Sem-Terra telenovelizado.
O ideal seria eliminar a propriedade privada da televisão, mas isso somente se conseguirá com uma revolução socialista de verdade. A televisão não faz a economia nem é o motor da história, mas esse aparelho de comunicação acaba por interferir na maneira coletiva de sentir e pensar.
Eis a operação diabólica que não é visível para a maioria dos trabalhadores: a telenovela é um objeto imaterial, porém funciona como uma justificativa das condições materiais de exploração econômica. Afinal, qual é a ideologia dominante na sociedade brasileira? A jurídica do STF ou a da telenovela? A primeira é uma arma da propriedade privada e da desigualdade social, pois o direito segue sendo o que sempre foi: o direito à desigualdade. A telenovela tece o psiquismo no cotidiano, é uma espécie de terrorismo psicológico, ainda que isso seja sentido como um doce terrorismo . idiotice é afirmar que a telenovela é cultura. A cultura esclarece e desvenda a realidade, enquanto a telenovela oculta, falseia e deforma as coisas e as relações sociais.
A cultura é crítica do modo de viver da sociedade. A telenovela (como toda TV) é dinheiro, comércio, valor de troca. Por conseguinte, a televisão está dissociada da cultura, quando não é inteiramente anticultural, porque sua linguagem é instrumento mercantil de venda; nada aí lida com ideia e beleza. A telenovela só fala de dinheiro e de outras mercadorias.
A pergunta está mal formulada: se a telenovela é esse horror todo, então porque o povo gosta dela? É que a oferta (há cinquenta anos a telenovela invade a sua casa) condiciona a demanda, convertendo-a em norma, ou seja, o hábito boçal passa a ser objeto de desejo. I Love telenovela.
Outro argumento (vá lá a palavra) “populista” de direita é que a telenovela é o único divertimento grátis que o povo tem todos os dias, mas acontece que ela é paga pela audiência, ainda que aparentemente o telespectador não coloque a mão no bolso. É o trabalho morto do trabalhador que paga a audiência e os anunciantes. A lógica do trabalho não pago, que é o fundamento da exploração capitalista , está presente quando o trabalhador vê telenovela, porque o trabalhador trabalha grátis diante da telenovela. O trabalhador produz um excedente psíquico, tal qual produz um excedente econômico quando está na fábrica. Então, a tela prolonga a fábrica como uma cadeia, a fábrica é cadeia, como dizia Charles Fourier. A noção de entretenimento é um engodo, como se a telenovela tivesse um valor de uso (serventia ) para satisfazer a necessidade de fantasia do telespectador. Telenovela ou socialismo, that´s the question….
Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, jornalista, escritor, professor adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora..
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