dez 11, 2016 Air Antunes Ilustrada 0
No território onde hoje se localizam Portugal e Espanha floresceu Al-Andalus. Foi esse o nome que os árabes, deram à Andaluzia, no sul da Espanha (onde estão as províncias de Almeria, Cádiz, Córdova, Granada, Huelva, Jaén, Málaga e Sevilha) porque o povo vândalo vivera naquela região, a qual chamava Vandaluzia. Mas a presença dos árabes, que dominaram a Península Ibérica entre 711 e 1492, foi mais marcante. E “Al-Andalus”, com o tempo passou a designar a cultura mestiça que árabes, judeus e cristãos criaram durante aquele período.
O que se passou nesses tempos tão distantes deixou uma herança inestimável para a humanidade. E somos tentados a olhar para esses acontecimentos com a curiosidade de quem busca reconhecer uma parcela dos nossos ancestrais mais longínquos. Que povos eram esses que foram construindo, aos poucos, Al-Andalus?
Os godos
O fim do Império Romano foi marcado por guerras contra os bárbaros. Bárbaros, para os romanos, eram os povos que eles não chegaram a dominar. Os vândalos, os germanos e os árabes foram alguns desses povos. E os godos faziam parte de uma das tribos dos povos germânicos.
Em 375, derrotados pelos hunos, os godos dividiram-se em dois povos: os ostrogodos, do leste; e os visigodos, do oeste. Os do leste aliaram-se ao inimigo e fundaram o reino ostrogodo na Itália, onde viveram até 553. Os visigodos seguiram outro caminho: em 378, venceram os romanos na Batalha de Andrinopla; em 410, saquearam Roma e ocuparam parte da França, em 414, ocuparam a Península Ibérica.
Em 589, Recaredo, seu rei , converteu-se ao catolicismo, unificando os visigodos, os hispânicos e os romanos que viviam em seu reino. E assim, como um só povo, permaneceram até 711.
A expansão árabe
Até 622, os árabes viviam dispersos pela Europa, pela África e pela Ásia. Naquele ano, porém, Maomé, líder político e religioso mulçumano, unificou-os e converteu-os ao islamismo. E, entre 636 e 710, unificados e fortalecidos pela doutrina de seu profeta, ocuparam a Sria, a antiga Pérsia (o atual Irã), o Egisto, a ilha de Chipre e o antigo Turquestão (hoje ocupado por Mongólia e China); tomaram parte da Índia, dominaram a Ásia Menor e Armênia e o Marrocos.
Em 711, com cerca de 12.000 homens, chefiados por Musa e Tarik, atravessaram o Estreito de Gibraltar e derrotaram os visigodos na Batalha de Guadalete, dando início ao domínio árabe na Penínsua Ibérica.
Os judeus
Com o fim do Império Romano, em 476, os judeus deixaram de viver como escravos. Mas passaram boa parte da Idade Média sendo perseguidos e expulsos de muitos países da Europa. Viviam em guetos, e eram proibidos de se integrar à vida social dos países por onde passavam.
Após a conquista da Península Ibérica pelos árabes, os judeus migraram para lá. E, sob o domínio dos califas tiveram a oportunidade de praticar livremente sua religião e suas leis. Passaram a viver em comunidades ao mesmo tempo independentes e integradas à sociedade andaluza, sem temer a discriminação de árabes ou cristãos.
Estabeleceram-se, desenvolveram-se e lá permaneceram até o final do século XV. Mas, em 1492, o rei D. Manuel ordenou a conversão forçada ao catolicismo de todos os judeus que vivessem em Portugal. Era o fim de Al-Andalus.
A convivência dos três Povos do Livro, durante sete séculos, na Península Ibérica, é uma história que tem muito a ensinar ao mundo de hoje sobre o quanto a tolerância entre diferentes pode frutificar em benefício de todos.
Imaginem judeus, tendo como livro sagrado o Talmude, cristãos, tendo a Bíblia como a Sagrada Escritura; e mulçumanos, com o Alcorão, coexistindo, todos, num mesmo território; falando e escrevendo em idiomas diferentes e com rituais religiosos próprios a cada uma dessas expressões da fé.,
É evidente que tensões e truculências ocorreram ao longo de todos esses séculos, mas não foram mais fortes que o poder do contato cotidiano entre as três culturas, que se influenciaram mutuamente em termos de mestiçagem étnica, intercâmbio de saberes, pluringuismo, costumes e celebrações.
Por exemplo, os mulçumanos, quando chegaram à Península, viram-se forçados a aprender a língua que ali se falava, derivada do latim ibérico. Já os moçárabes- cristãos que se foram arabizando-, mesmo utilizando a língua romana, passaram a admirar a cultura árabe; liam e escreviam em árabe, e mostravam grande interesse pela poesia pré-islâmica e pelas produções literárias. Os judeus, por sua vez, além do hebraico, sua língua erudita e litúrgica, falavam o romano e o árabe. Nessa condição serviam como intérpretes entre cristãos e mulçumanos.
Esse dinamismo foi, em muitos, ajudado por um estatuto de proteção, criado no século 9, para garantir a liberdade de expressão dos que professavam outras religiões e que eram admitidos no Califado de Córdoba como povos de fé incompleta- uma vez que Maomé, como último profeta, já havia consagrado o texto definitivo.
Mas o que há de prodigioso nesse encontro dos três povos é que, juntos, e numa cumplicidade sem precedentes na história, construíram uma ponte cultural entre o oriente e o ocidente que serviu como passagem para os saberes antigos e como caminho para a difusão de indagações futuras. Obras de ciência e filosofia árabes e gregas (astronomia, medicina, história natural, etc.) eram traduzidas para o latim, ou transcritas para o árabe. Muitos tradutores, que não se incluíam entre os sábios e nem dominavam com tanta profundidade o idioma dos textos, também trabalharam intensamente nessa tarefa, e permaneceram no anonimato. Suas produções eram repassadas pelas mãos dos letrados antes de serem difundidas nas vastas regiões do oriente, e do ocidente, sobretudo na Europa..
De Almanaque do Aluá nº 2 , de 2006.
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