dez 02, 2015 Air Antunes Artigos 1
JOÃO LUIZ LIBERATO
Não pretendo ser ufanista quanto aos mecanismos políticos-sociais a respeito da drogadicção, pois trata-se de um fenômeno globalizante que dificulta as ações das redes de atenção psicossocial. Entendo que estas redes muitas vezes estão de certo modo isoladas em seus raios de atuação diante de uma problemática descomunal. Isso se deve, muitas vezes, não pela ineficiência dos profissionais envolvidos na luta contra esse mal neoplástico pandêmico e estigmatizante. A sociedade em geral, além de seu longo histórico milenar recheado de toda sorte de preconceitos e discriminação como sexismo, intolerância religiosa, étnicas, tribais e raciais….., desconhecem a realidade nebulosa da adicção e por essa razão acaba se tornando mais um fator contribuinte para a alienação, ainda que de forma desintencional daqueles que sofrem com essa monstruosa doença, como vimos na biografia de um amigo muito próximo, que é um só exemplo, entre um enorme universo de usuários dependentes.
Há, ainda, muita indiferença por parte de muitos de nossos gestores políticos em relação ao assunto abordado, mas há muito que os profissionais das RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), como nós, podemos fazer para mitigar o sofrimento daqueles que sucumbem nas garras da drogadicção. Podem criar ou potencializar os mecanismos sociais já existentes na cartilha do SUS, através dos conselhos municipais de saúde, utilizando-se de suas variadas ferramentas como o controle social, a intra e intersetoriedade, bem como os princípios fundamentais emanados de nossa Constituição de 1988 e da lei 8080 de 1990, da criação do SUS, tais como: transversalidade, universalidade, publicidade e equidade. Munidos desse arsenal e outros que deverão ser exaustivamente pesquisados e colocados em prática, aumenta e muito a probabilidade desses profissionais serem mais efetivos e exitosos em auxiliar tantos os dependentes como os co-dependentes a conquistar a tão sonhada liberdade da morbidade. Em conclusão, com tudo isso quem sabe consigamos conscientizar e, principalmente, sensibilizar a sociedade, os familiares, os gestores nas três esferas governamentais, a fim de que sejam, ao nosso lado, protagonistas dessa gigantesca empreitada com todos esses atores em ação, podemos, quem sabe, persuadir os usuários dependentes de psicoativos que “droga não é vida, e a vida não é uma droga”.
Em minha ótica, ao contemplar a biografia de muitos drogadicctos que conheci, não vejo que a complexidade da doença em si varia de acordo com os indivíduos, mas visualizo que as variantes estão no âmbito da sintomatologia e seus desdobramentos e, isso fica patente e notório. Quanto às raps, embora composta por uma equipe multidisciplinar, como de fato deve ser, percebo que falta uma maior sincronização entres os componentes que cuidam de nossos usuários, pois cada um atua sem transversalidade, fica cada um muito dentro de sua própria formação acadêmica, impedindo desta feita, a interface entre eles, resultando em acolhimento e atendimento fragmentado aos usuários dependente.
Sem dúvida, o enfrentamento desses desafios é descomunal, em função disso, proponho uma filosofia que busca uma integração equalizada em torno do tema. Também considero imprescindível o aprofundamento de tudo no que diz respeito à adicção e esforço exaustivo em busca de novos saberes, tanto na seara técnica bem como na seara empírica, sendo assim, a tecnicidade é necessária, mas, o empirismo não é de somenos importância no combate a essa melindrosa anomalia. Basta lembrar o êxito alcançado por Willian Griffit Wilson e Robert Smit co-fundadores do AA(Alcoólicos Anônimos). Estes personagens históricos sofriam de alcoolismo e suas vidas estavam destroçadas e resolveram encontrar um meio para a liberdade dos grilhões da dependência.Decidiram que quando um ou os dois estavam prestes a recair, buscariam um ao outro para partilhar suas angústias e com essa”receita” conseguiram a abstinência para o resto de suas vidas.Com essa”receita” de ajuda mútua criaram o AA, cujo modelo existe até hoje e funciona para muitos e serviu de inspiração para o advento do NA(narcóticos anônimos), provando que ninguém melhor que um dependente para conhecer outro dependente.
Concluindo, numa análise sucinta, tenho plena convicção que devemos ter um olhar mais crítico e interiorizado em algumas unidades de Caps espalhadas pelo país, pois percebe-se visivelmente em alguns casos sintomas de desarticulação, forte politização, assistemia e a menor perda de controle dos cuidados a qualquer um dos usuários, e já se faz uso da famigerada clinicalização , ou seja, já se arremessa nossos usuários às chamadas comunidades terapêuticas, ou afins. Em conclusão, em casos assim, me faz pensar que unidades com esse perfil necessitam de mais cuidados que os próprios usuários.
É de suma importância a reforma psiquiátrica e da política nacional de saúde mental no Brasil, pois elas nos muniram de muitas ferramentas para otimizar nosso acolhimento e atendimento aos usuários-dependentes, que, por sinal, este cenário já esteve muito pior e hoje precisa avançar mais rapidamente. A matéria nos traz à mostra o “circo de horrores” vivenciados pelos nossos pacientes num passado não muito distante, aliás, é bom que se diga que alguns, ainda na atualidade, estão em clínicas particulares. Não havia uma perspectiva de vida para estas pessoas, tratadas como indigentes, mercadoria, não tinham seus direitos respeitados, sofriam de maus tratos, violência, abandonadas em verdadeiros “depósitos humanos” ou “hospitalcentrismo”. Mas veio a luz no fim do túnel. Graças aos profissionais de saúde iniciou-se um movimento social em socorro de nossos usuários. Este movimento enfrentou isso tudo com galhardia como a situação crítica do asilo e da mercantilização do usuário
Com a criação do SUS e, ainda, também em 1990, com a adoção da política de saúde mental deu-nos um novo impulso consubstanciado com a Lei 8080/90 e seus princípios norteadores. Isso catapultou nosso trabalho. É óbvio que se trata de uma reforma complexa, mas proporcionou um paradigma bem mais humanístico para o usuário dependente com os pressupostos, premissas e diretrizes que podemos usá-los na trincheira contra as drogas.
João Luiz Liberato é funcionário público.
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O que mais me assusta é que esse absurdo de atores envolvidos sempre empurram o sujeito da situação fragilizada para a resolução que os livram do compromisso e dos direitos que muitos tem garantidos por lei, que de forma oportunista acabam fazendo de uma doença que deve ser tratada para a recuperação e ter uma vida digna aqui fora eles fazem deles o seu capitalismo interminável.