A balança mede o valor. Num braço, está o dinheiro; noutro, o bom caráter. Para onde ela se inclina? Infelizmente, segundo as manchetes dos jornais, ao referir-se a vários senadores, o dinheiro vale mais que ter e ser um bom caráter. Dito de outra maneira mais rude: prefere-se ser mau caráter com dinheiro do que bom caráter sem ele. Realidade que nos constrange.
Se, de um lado, há um clamor contra a corrupção de juízes, de parlamentares, de treinadores de futebol, doutro parece que a opinião pública os inveja, porque mostram mau caráter, sim, mas ganharam muito dinheiro.
Tal juízo se faz de fora. Para se viver feliz com mau caráter precisa-se realmente equivocar-se gravemente sobre a experiência de felicidade. No fundo, não creio que ninguém se engana a respeito dela quando a vivencia. Ilude-se quando se olha a felicidade do exterior, colorida com prazeres e dinheiro. Desconhece-se, porém, a noite escura de corações atormentados por consciência carregada de crimes. E quando eles já não pesam, talvez se esteja mais próximo da perversão psicológica ou de monstros humanos do que da felicidade.
Não dá para ser verdadeiro o testemunho de felicidades feitas de dinheiro acumulado à base da iniqüidade. O germe da consciência corrói-a. Certa vez, um adolescente na ingenuidade de seu vocabulário, dizia: “Deus é esperto. Pôs dentro de nós o despertador da consciência que não nos deixa dormir em paz no mal”. Chamem os psicólogos de superego. Mas, na verdade, a consciência acende a luz de Deus em cada um de nós a iluminar-nos as ações na sua qualidade de bem ou de mal. E funciona no mais fundo de cada um a lei primigênia do existir humano: “Faze o bem, evita o mal”!
Fora desse imperativo fundamental torna-se impossível a vida humana em sociedade. O dinheiro colocado acima do bom caráter – portanto, do bem – significa fazer dele um valor absoluto em torno do qual as realidades giram. Basta um mínimo de imaginação para prever-se que sociedade se vai construir. Aí sim, viver-se-á o apotegma do poeta latino Plauto, tornado conhecido pelo pensador inglês Hobbes: Homo homini lupus. O ser humano se faz um lobo para o outro ser humano. Entrar-se-á numa guerra de foice em que os maus caracteres se justificam em vista do ganho de dinheiro.
E se se avança a reflexão, que significa, na verdade, o que se quer quando se fala de dinheiro? Dinheiro funciona como meio. Se se torna fim, então o absolutizamos. Ele abre no mundo do capital as portas para o gozo de bens materiais, a ostentação de poder, a sensação de senhorio. O eu se infla. Nenhuma barreira parece existir diante dele. Vivenciamos, de certo modo, a onipotência aqui na terra.
Sucumbimos à tentação do paraíso. Por seu meio, detemos a ciência do bem e do mal. Fazemo-nos senhores de tudo. O dinheiro viabiliza-nos sonhos de grandeza. Dá-nos a impressão que nosso poder se estende para campos ilimitados.
Deus se fez pequeno para que entendêssemos a vacuidade e falsidade desse raciocínio. O infinito se manifesta na pequenez de uma criança que nasce pobre. Aí está o segredo da felicidade. Difícil entendê-lo. Por isso, muitos andamos pela estrada larga da ganância do dinheiro e poucos descobrimos a alegria imensa da simplicidade de vida num mundo de relações de amor. Nada substitui o bem. Dinheiro e mau caráter formam coquetel explosivo para si e para a sociedade.
João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.