out 23, 2016 Air Antunes Ilustrada 0
Os mistérios, ou deixam as pessoas paralisadas de admiração, ou mobilizam a sua vontade de desvendá-los. E para os humanos, nada há de mais encantador ou desafiante do que os mistérios sobre suas origens e destinos.
Quando os homens tomaram uma certa distância dos fenômenos naturais que interferiam nas suas vidas e se colocaram na perspectiva de conhecê-los, explicá-los, desvelar seus mecanismos- e, às vezes, até torná-los previsíveis-, se fizeram a ilusão de que tudo, tudo tinha as suas leis e que era possível identificá-las e se apropriar, por domínio de saber, do comportamento da natureza. Talvez, quem sabe, até chegar a comandá-la.
Hoje, a ciência já fez uma longa estrada nas suas descobertas e presenteou a humanidade com um acervo de informações que têm concorrido muito para o conhecimento sobre si mesma e para facilitar a sua vida sobre a terra. É verdade que alguns medos foram afastados , mas, ao mesmo tempo, outros foram criados. Muitos mistérios foram retirados dos seus esconderijos e deixaram de ser estranhos, outros permanecem encobertos e aguçam a nossa curiosidade.
Dizem os entendidos que a Terra tem uma idade aproximada de 4, 6 bilhões de anos e que os primeiros sinais de aparecimento da vida no nosso planeta datam de 3,8 bilhões de anos atrás.Não há testemunhas disso, mas num momento qualquer, muito, muito distante, não sabemos se era noite ou dia, a vida começou a se mover. As moléculas, porções infímas de substâncias de substâncias com características próprias, se sentiram muito sozinhas e deram início a um movimento de desdobramento. Milhões de anos depois , como fossem inteligentes, pensaram em providenciar uma certa forma de morar, de se confinar numa existência independente e criaram uma membrana e uma proteção de argila. Estava inaugurada a convivência em células.
Daí por diante, as coisas vão ficando cada vez mais complexas. O surgimento das enzimas e das proteínas vai dar suporte aos reagrupamentos, reações, combinações, conexões, até atingir a estruturação do código genético (DNA), onde estão guardadas as memórias de todos esses percursos. Mas tudo isso se passa muito lentamente. Entre uma etapa e outra dessas passagens, os caminhos dos encontros, desencontros e acomodações são longos. Basta dizer que a passagem das bactérias, organismos unicelulares, às células com núcleos, que inauguram uma certa ordenação de funções, demorou muito. Isso ocorreu há, aproximadamente, 2,7 bilhões de anos. E a reprodução sexuada , que é mais recente, deve ter aparecido em torno de uns 900 milhões de anos atrás.
Os organismos pluricelulares como as plantas, os animais (nós inclusive) e os cogumelos (que são uma espécie intermediária) não devem ter mais de 800 milhões de anos. O misterioso é que esse movimento de reprodução e seleção dos organismos não conduz, pelas suas articulações, a uma uniformidade. Ao contrário, instaura-se uma dinâmica de diversificação e de diferenciação tal que deixa a impressão de que no ser vivo está inscrita a disposição para o enfrentamento de um mundo imprevisível, sempre surpreendente. E assim, para dar vazão a esse impulso, a vida imprime a permanente necessidade de abertura e novas possibilidade e oportunidades.
A vida vai se espalhando em infinitas expressões, de menor ou maior complexidade, de afinidades diversificadas, ora com o sol, as estrelas e as luas, ora com as profundezas das águas ou dos sub-solos áridos ou úmidos. Mas, para nós, uma passagem de significação maravilhosa é a constituição de colônias animais, a existência de indivíduos sociais. É possível reconhecer nessa passagem que, ao mesmo tempo, o ser vivo tem um caráter de totalidade para operar, mas sua existência plena carece de uma complementaridade social. Ele é, mas não consegue ser sozinho.
Daí até a criação da linguagem como mediação necessária à convivência não deve ter demorado muito porque esse impulso da comunicação com os outros ao seu redor e, de alguma forma, a vontade imperiosa de registrar os acontecimentos devem ter instigado essa criatividade irrefreável. A interdependência e o jogo da complementaridade que se estabelecem entre as diversas esferas da vida têm levado os homens a reconhecer que mesmo os cristais, as pedras, aparentemente inertes, têm sua função nessa conversa interativa. Às vezes esses confrontos são conflituosos, predatórios, diferentes dos sonhos de uma harmonia estável e perene.
Tudo indica que as manifestações da vida são mesmo assim: ora contundentes e explosivas, ora equilibrantes e serenas, ora belas e perfumadas. Um pouco como nós mesmos. Misteriosas.
Do Almanaque do Aluá, nº 2, ano 2006.
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