out 22, 2013 Air Antunes Artigos 0
Anos atrás a polícia capturou um perigoso bandido cujas principais características físicas eram ser loiro e ter olhos azuis. Apresentada a figura nos noticiários policiais muitos comentaram: “nem parece bandido!” Ora, o que é parecer bandido, a aparência física ou a habilidade e o instinto para a prática de crimes? É certo que se o bandido fosse negro não haveria estranhamento alguma. Mais recentemente médicas cubanas, várias delas negras, chegaram ao Brasil atendendo à uma proposta do Governo Federal em atender as comunidades mais pobres, e uma dita jornalista do Rio Grande do Norte com perfil de burguesa escreveu em seu site: ” elas (as médicas cubanas) parecem mais empregadas domésticas!” Não há dúvidas de que a referida jornalista tem uma personalidade sobrecarregada do velado preconceito de cor existente no país, ela carrega em seu âmago toda aquela arrogância originada na casa grande em relação à senzala, tem a mesma mente daqueles que relacionam o negro à apenas serviços subalternos ou então praticando a criminalidade. Vale ressaltar aqui, no entanto, que ser empregada doméstica também é algo digno, honesto, é uma profissão. Na mesma arrogância, a articulista da Folha de São Paulo, Eliane Catanhede, tratou de “avião negreiros” as aeronaves que trouxeram os médicos cubanos no meio do ano.
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Há quem ainda imagine o jornalista apenas aqueles engravatadinhos de redação, brancos, ao invés de imaginá-los também alguém muito informado, um correspondente de guerra, alguém coberto de areia na cobertura de uma invasão dos sem terra, por exemplo, etc. A cultura do jornalista independe se ele é índio, negro ou judeu, ou da forma que ele se locomove ou se veste. Lógico que dependendo de sua etnia poderá vir a sofrer ataque racista, como algo já falado em chão angatubense do tipo “esse negrinho do pastoreiro!” Assim como muitos imaginam o estilista aquele profissional com trejeitos femininos, há quem imagine o roqueiro apenas o loiro cabeludo, o sambista , negro; o baiano, folgado; o carioca, um enrolador; o mineiro, sossegado, e assim por diante. No Brasil, as visões estereotipadas são muito consistentes, e é por isso que se ouviu em demasia que um negro bom tem “o coração branco”, é “o negro de alma branca”, que um serviço mal feito é uma “baianada” ou que no eventual deslize do cidadão afro-descendente afirma-se que “negro quando não caga na entrada caga na saída”. Também tem aquele lance de se atribuir à uma realização considerada, por alguns ,de mal gosto, de “programa de índio”. Nas piadas de perfil pastelão o “negão” se faz presente tanto quanto se faz o português quando o tema é a “burrice”. Numa nação em que mulheres cultuam o “loiro de olhos azuis” como padrão de beleza muitas recorrem ao “velho rico” como saída para a realização de seus sonhos. Fôssemos exemplificar aqui os aparatos étnicos, estéticos, sociais, econômicos, que emolduram a mente estereotipada dos brasileiros esta divagação se tornaria um livro.
Todas estas visões acabam refletindo também no retrocesso político e social. Assim como houve quem criticasse o fato de “qualquer um estar viajando de avião”, há quem odeie a idéia de ter um negro no poder, ou um ex-metalúrgico de origem nordestina, da caatinga, presidente da república. Atrás de muitas críticas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está menos a sua atuação política do que o preconceito. Num país onde existem mulheres que votam num candidato por considerá-lo bonito, simplesmente, como ouviu-se falar em relação ao “salvador da pátria” Fernando Collor de Mello, o debate político se funde ao rodapé da ignorância, do desconhecimento político. Em sites de relacionamentos com certeza uma grande maioria tece suas críticas apenas na base do “ouviu falar”, já que com tanto tempo diante de um monitor apreciando bobagens não haverá tempo para a leitura de jornais mais detidamente, ou mesmo de bons livros, e assim o debate “feicebuquiano” acaba se resumindo em críticas de grande teor preconceituoso e ao mesmo tempo de pouco conteúdo embasado no conhecimento. Com relação ao ex-presidente Lula enquanto ele é até colunista do New York Times ao mesmo tempo em que é endeusado pela imprensa internacional, uma mídia elitista brasileira procura construir sua imagem de forma negativa e baseada na discriminação alimentada há séculos neste país contra as lideranças que nascem da massa.
Reflexo deste preconceito em relação a quem vem das classes nascidas da massa e a quem as defende está estampado a todo momento na forma de mentiras, de informações deturpadas como por exemplo ao que foi dito de forma infeliz pelo governador do Ceará, Cid Gomes, de que “Professores devem trabalhar por amor, não por dinheiro”; em sites de relacionamentos se divulga que foi a presidente da República Dilma Roussef quem falou isto. Afirmam-se também que filho do Lula tem isso, tem aquilo, sempre querendo passar que suas posses são ilícitas, quando na verdade aquilo tudo nem é dele, e assim por diante. Não se vê em momento algum nestes sites alguém tentando incriminar um político tucano com algo não dito por ele. Não há dúvida também de que todo este preconceito, estas visões estereotipadas, reside também na falta de cultura do brasileiro, afinal de contas o que se esperar de quem tem vida cultural resumida à programas de auditórios domingueiros ,nas nefastas novelas, em festas do peão, etc. ?
É certo que na formação do país aqueles que chegaram aqui plebeus, mas como penduricalhos da realeza, alimentaram esta nódoa, este parâmetro entre as classes sociais. Os vindos da Europa eram em tese os cidadãos de grife, pois eram eles os detentores dos bons modos, conheciam por exemplo o garfo, um adereço surgido no início do século 18, numa época em que nativos não comiam nem com colheres; tinham um mínimo de conhecimento literário, de pintura, etc., mas isso era natural considerando a cultura milenar deles. A partir de então o Brasil se dividiu em castas, entre quem tinha a graça e a leveza monárquicas e em quem ainda ascendia do primitivismo silvícola, incluindo nesta segunda turma os negros chegados da África.
É certo que o desprezo pelas classes populares nem teve início por aqui, isto já era algo difundido na própria Europa. Inclusive o jornalista inglês Owen Jones acaba de lançar “Chavs : A demonização da classe trabalhadora”, um livro que explora este fato entre a sociedade britânica, na qual uma grande parcela da população nutria asco pelas classes ditas minoritárias, ou populares. O termo “chavs” foi empregado em muitos países europeus para desqualificar a origem e a aparência da classe trabalhadora. Jones afirma que até nos dias de hoje este mal-estar está impetrado na sociedade britânica e com maior impacto na população jovem. Em 2011 a violência urbana e os saques que ocorreram em algumas cidades britânicas ressuscitaram o tema “classes perigosas”, reeditando uma mentalidade do início do século 19, quando populações urbanas mais pobres eram vistas como ameaça e não como vítimas em potencial de injustiças e desigualdades, assim como ocorreu com os negros no Brasil que eram, e às vezes continuam sendo, os principais suspeitos na ocasião de roubos e assassinatos.
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