ago 21, 2017 Air Antunes Politica 0
LEANDRA ELENA YUNIS
Este artigo apresenta de forma resumida resultados da pesquisa histórica do projeto Construção das Políticas de Segurança e o Sentido da Punição, 1822-2000, desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, especialmente concernentes ao período de 1937 a 1950. Destaca os eventos referentes à estrutura do aparato repressivo e sua relação com as esferas do poder, sobretudo aqueles que refletiam com maior clareza os diferentes sentidos ideológicos ou políticos que se incorporavam às ações punitivas, legais ou arbitrárias, da polícia e demais agentes da lei , e que tiveram maior repercussão na imprensa e nos debates parlamentares da Assembléia Legislativa do Estado daqueles anos.
Sob a orientação de buscar elementos que tratassem das politicas de segurança pública e suas instituições, da organização do sistema de justiça criminal e de documentos da esfera política que revelassem casos de arbitrariedade e violência policial, tanto dentro como fora das instituições respectivas, buscamos registros que fizessem menção direta ao nosso tema.
Após a análise cuidadosa da documentação, pudemos perceber a maior relevância de alguns acontecimentos e temas que são centrais em três momentos históricos distintos. Assim, apresentaremos os principais eventos antes do golpe de Estado de 1937, depois, a reorganização administrativa ocorrida no período da ditadura estadonovista e, por fim, as reformulações legais e práticas a partir da abertura democrática em 1945. Também abordaremos ligeiramente a questão da imprensa como fonte e, antes das considerações finais, apontamos algumas reflexões sobre a atuação policial do período estudado.
ANTES DO GOLPE
Em 1937, a Assembléia estava constituída por deputados partidários ou classicistas. Neste período, as forças divergentes a respeito das questões que nos interessam encontravam-se entre os dois principais partidos, o Partido Constitucionalista (PC), representando a oligarquia dominante, e o velho Partido Republicano Paulista (PRP), que fez as vezes da oposição, apoiado por liberais e pela classe média, embora suas antigas bases estivessem na oligarquia paulista.
Os debates mais fervorosos deste ano se dão em torno da questão do Presídio Maria Zélia, criado em 1935, para receber presos políticos envolvidos na tentativa de levante comunista dirigido pela organização de esquerda Aliança Nacional Libertadora. O presídio situava-se à avenida Celso Garcia, com a rua dos Prazeres, no bairro do Brás, onde anteriormente funcionara uma fábrica de tecidos de juta, do empresário Jorge Street, que construíra uma via operária contígua a ela, batizando o complexo com o nome da filha falecida. Sob o argumento da ameaça comunista, muito dos prisioneiros eram, na realidade, perseguidos por razões político-partidárias ou pessoais. Entre eles estiveram intelectuais e políticos da esquerda de grande importância, como Caio Prado Júnior.
Superintendido pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Maria Zélia foi palco de dois casos graves de violência e transgressão policial: o primeiro ocorreu na noite de 18 de agosto de 1936, quando a guarda interna simulou bombardeio e incêndio no prédio, ferindo diversos presos (não se sabe quantos mortos) e depredando suas celas e bens particulares. O segundo episódio ficou conhecido como “São Bartolomeu do Maria Zélia”, ocorrido na noite do dia 21 de abril de 1937. Houve uma tentativa de fuga e, capturados dentro dos limites murados do “presídio”, alguns detentos foram fuzilados sob comando e execução de membros da Divisão Especial da Guarda Civil (criada em 1934). Todos os membros deste grupo da divisão policial acima referida eram militantes da AIB (Ação Integralista Brasileira), movimento de caráter fascista; o comandante da Divisão, Pedro Kaufmann, compunha a guarda pessoal do ex-governador de São Paulo e candidato à presidência Armando Salles Oliveira.
O deputado Alfredo Ellis Júnior (PRP) levou adiante os debates e trouxe mais elementos à Assembléia, lutando inclusive pela formação de uma Comissão Especial, que não foi aprovada, para acompanhar a apuração do inquérito. Os membros do Partido Constitucionalista de São Paulo, maioria na Assembléia, assumiram com tenacidade o discurso oficial dos fatos e endossaram as medidas policiais, refletindo um discurso extremamente autoritário. Para os deputados de oposição ou minoria (à exceção da AIB), a ameaça comunista constituía uma evidente farsa, sob a qual se realizavam mandos e desmandos de grandes autoridades políticas ou policiais em perseguições partidárias e pessoais.
PLENA DITADURA
De 1937 a 1947, a Assembléia Legislativa esteve fechada e funcionou em seu lugar o Departamento Administrativo do Estado- a partir de 1943, denominado Conselho Administrativo-, integrado em parte por um ou outro antigo deputado que compusera a Assembléia, mas a função desse novo órgão era declaradamente administrativa, sendo as sessões completamente diferentes de um debate parlamentar. Suas deliberações buscavam a coerência com as diretrizes centrais do executivo federal, sob a direção direta de seu interventor no governo do Estado. Tais diretrizes apoiavam-se legalmente na nova Constituição, a “Carta Magna” escrita por Francisco Campos e conhecida como “Constituição Polaca”, baseada em moldes fascistas.
Todas as medidas governamentais relativas a São Paulo ficavam sob responsabilidade deste conselho, composto por membros designados também por nomeação direta (decreto) do Chefe da Nação. Esses conselheiros, em geral, eram homens de carreira politica já consolidada no Estado e muitos tinham formação em Direito. A permanência de alguns deputados serviria para fazer a transição “funcional” deste órgão, cujo poder, entretanto, era restrito ao encaminhamento de assuntos relativos às demandas municipais, pois, embora centralizasse as decisões finais, o governo do Estado ficou fragmentado pela autonomia administrativa das municipalidades.
Os conselheiros eram definidos também como juízes, sendo o juiz soberano o presidente da República. Estes novos “juízes” da administração pública do Estado tiveram papel decisivo no governo deste período, pois estiveram a seu critério, pessoal ou profissional, ou, ainda, ideológico, as decisões administrativas e as medidas que não podem ser consideradas como simplesmente administrativas – como as de caráter policial repressivo, permeadas dos interesses dos mais diversos graus.”
A documentação referente às sessões deste Conselho revelou o seguinte: não havia discussões ou o que poderia considerar um debate. A ordem do dia consistia na votação dos projetos de leis, projetos de resolução, pareceres e outras medidas. Quando muito, um ou outro membro pronunciava sua queixa, protesto ou argumento a favor ou contra determinada votação. Não havia discussão, passava-se rapidamente ao próximo tema. Portanto, esse órgão deliberativo funcionava de forma absolutamente apolítica, obedecendo às diretrizes federais impostas pelos decretos do presidente.
Nota-se que, se por um lado o regime autoritário do Estado Novo se apoiava declaradamente sobre as Forças Armadas, não é menos revelador que tenha sido apoiado com entusiasmo por antigos políticos que nele permaneceram atuando e, sobretudo, por juristas e bacharéis em direito. Podemos considerar que esta nova organização governamental em departamentos administrativos, regidos por conselhos compostos por antigos representantes políticos de reconhecida competência jurídica e com apoio de setores “ilustrados no direito”, constituiu uma das fontes de poder deste regime autoritário de feições totalitárias”.
Com o advento da II Guerra Mundial, esta estrutura, que se espelhava em modelos fascistas, sucumbiu às necessidades econômicas e geoestratégicas internacionais, que de deslocaram o eixo das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha, para o estreitamento político com os Estados Unidos. A democratização interna do país, ao menos constitucional, também refletia as mudanças de interesses econômicos e das possibilidades externas. Entretanto, a organização policial não sofreu o mesmo processo : pelo contexto da guerra sofreu uma militarização em seu proceder, por um lado; e , por outro, manteve-se isolada das esferas decisórias, mantendo-se rígida às transformações e tornando-se autônoma- seja em decorrência da atomização, que também sofreu pelo sistema de municipalização, ou pelo autoritarismo inerente ao seu papel consolidado naquele regime.
ENTRAVES DA DEMOCRATIZAÇÃO
Em 1974, se instala , em decorrência do processo de democratização iniciado em 1945, a Assembléia Constituinte paulista: todos eleitos através de seus partidos, sendo extintos os deputados classistas. A configuração partidária era muito diversificada, mas pode-se dizer que nossos principais interlocutores, neste tema específico da Segurança Pública, são deputados da União Democrática nacional, do Partido Social Democrático, do Partido Democrata Cristão, do partido Trabalhista Brasileiro e do situacionista Partido Social Progressista; todos com considerável número de representantes formando sua bancada.
Neste período de democratização se assiste constantemente à inquietação dos deputados em relação à reformulação e aplicabilidade de leis à tomada de medidas imediatas em relação às várias questões cotidianas e estruturais da polícia e suas instituições. O embate com o Executivo se tornou mais evidente, visto que as instituições policiais e penitenciárias estavam nas mãos de autoridades tuteladas pelo Executivo, dependendo delas a reformulação concreta de suas instituições. Os próprios deputados do Partido Social Progressista, ao qual pertencia Adhemar de Barros, pediam a intervenção direta do governador em assuntos nos quais a regulamentação legal estava longe de se realizar. Havia dispositivos legais e propostas de lei tramitando , ainda, em pleno desacordo com a nova Constituição, incoerentes com os princípios democráticos instituídos, tais leis causavam a lentidão no processo de mudanças.
Entre os deputados que compareciam à tribuna com propostas em relação à segurança pública, Alfredo Farhat (PDC) foi um dos mais assíduos, propondo: reestruturação da carreira de delegado de polícia, reformulação do sistema penitenciário, apoiado no novo dispositivo do Código Penal, que garante a integridade moral e física do detento e a individualização da pena,; aumento dos vencimentos da Guarda Civil e Força Pública e também dos inativos. Discute também a necessidade de descentralização da polícia e, em 1949, apresenta projeto de lei que propõe o desdobramento das Varas das Execuções Criminais da Vara do Tribunal do Júri , com apoio de todas as autoridades do setor. Constitui uma referência no assunto, pela sua produção escrita e suas propostas de lei, e pelo seu estreito relacionamento com as instituições envolvidas.
Outra coisa que se apresenta com especial relevância nos debates deste ano em torno da segurança pública é a busca de adequadas formas de atualização e readaptação das instituições à nova realidade urbana de São Paulo. O aumento da demanda, a superlotação dos presídios, bem como o enraizamento de antigos hábitos e práticas repressivas, a desatualização científica e a precariedade do aparelhamento policial e dos salários- tudo relacionado ao crescimento desordenado da cidade, à economia em recessão, e ao aumento da instabilidade no mercado de trabalho e da criminalidade- propiciaram a degradação moral da política e contribuíram para a ineficiência em sua função primordial, segundo a maioria dos parlamentares de diversas correntes políticas que abordaram o tema.
Aliás, a questão da função policial também passa por uma rediscussão , pois se antes a polícia era o aparelho repressivo por excelência do regime autoritário estadonovista, agora ela deve “resignificar” a sua prática em função de seu novo sentido político- que é o de garantir a segurança das instituições democráticas, do bem público e dos cidadãos dessa nova ordem. Embora esta necessidade seja apontada, sobretudo pelo PSD e pelo PDC, não se avança muito nesta questão em termos concretos- seja no âmbito da legislação, seja no da reorganização das estruturas, da regulamentação das práticas ou da formação policial.
DA IMPRENSA PARA O D.O. E VICE-VERSA
A imprensa não é nossa fonte primária e nem recorremos com frequência a ela, salvo para preencher algumas lacunas- tarefa ainda incompleta, pois as publicações e diários deste período, que nos interessam, estão em restauro no Arquivo do Estado. Entretanto, não podemos desconsiderar que o próprio Diário Oficial, no qual consultamos os debates , tem uma relação particular com as demais formas de imprensa. A reflexão sobre esta relação se demonstrou vital para nossa pesquisa, pois os jornais constituíam as fontes dos parlamentares, pois davam publicidade aos fatos cotidianos específicos que demonstravam as falhas e arbitrariedades do sistema de segurança, sobretudo do âmbito punitivo e repressivo.
Praticamente, sem exceção, todos os parlamentares se serviram de notícias de jornal para expor casos de perseguição política; arbitrariedades policiais nas ruas envolvendo extorsão em dinheiro, espancamentos e prisões ilegais, irregularidades graves nas instituições penitenciárias e manicômios e uso indevido de estruturas físicas das mesmas; violência contra trabalhadores urbanos e pobres assentados em terras do Estado; questões políticas envolvendo delegados; deficiências no regime de trabalho dentro de institutos; depoimentos de testemunhas oculares e vítimas de execução criminosa ou outros atos de violência policial , injustiça e impunidade.
S]ao casos desta circulação intencional de informações, as notícias retiradas de órgãos livres como Diário de São Paulo e da Gazeta, por exemplo, que denunciaram , em 1937, maus tratos aplicados a doentes psiquiátricos do Hospital do Juqueri. No caso Maria Zélia, O Radical, do Rio de Janeiro, divulgou o caso e se posicionava abertamente contra a Polícia Política e as autoridades institucionais e governamentais, sendo utilizado como fonte e publicado a pedido de deputado envolvido no debate. O jornal A Última Hora e muitos outros têm suas notícias ventiladas ao longo dos debates.
Apesar da censura política à imprensa paulista, e a toda imprensa do País, imposta desde 1935, alguns fatos envolvendo irregularidades e arbitrariedades policiais, dentro ou fora das instituições, ainda eram abordados mesmo nos jornais mais conservadores e, numa dupla via, os debates também lhes serviam de fonte insuspeita. Acontece curiosamente, que grande parte do material desta imprensa também passa a ser alimentado pela própria Assembléia Legislativa, pois, sendo seus debates matéria de publicação oficial, não poderiam ser censurados. Muitos recorrem diretamente aos deputados que defendiam suas causas, ou causas semelhantes , para que trouxessem a público os relatórios de polícia , depoimentos , casos pessoais, cartas e diversas informações sobre as instituições punitivas em estado precário ou irregular, informações, estas, provavelmente vetadas pela censura.
De 1938 em diante, o Governo Federal conseguiu expandir de tal forma seu controle sobre os meios de comunicação, que seu uso e sentido chegam a ser completamente invertidos, e o rádio e os jornais se tornam instrumentos de propaganda do regime. Em ~São Paulo, o Governo expropria o Estado de S. Paulo, que fica em suas mãos de 07/04/1940 até 06/12/1945, oficialmente. Durante este período, a imprensa deixa de ter o papel de arena dos conflitos ideológicos e políticos da sociedade, e de fonte para os debates, para se tornar um veículo de propaganda do Estado, um órgão formador da inventada “opinião pública”, a partir da idéia distorcida , também, de imprensa pública. Além disso, a própria relação entre o Departamento Administrativo do Estado e a sociedade é tão distante e silenciosa, politicamente falando, que não há um único vestígio dessa relação nos Anais.
Só depois de um hiato oito anos, em 1945, é que os órgãos liberais e populares de imprensa retomam o fôlego anterior e mantêm, em sua linguagem, o mesmo ímpeto denunciador e engajado que os caracterizavam antes do golpe de Estado. A imprensa oficial retoma sua antiga função de organizar e divulgar prioritariamente as informações de interesse público e os debates políticos, que voltam à ordem do dia. Entretanto, a atenção dada aos aspectos da segurança diminui consideravelmente, se comparada aos extensos debates em torno das questões prementes sobre urbanização, indústria, energia e reformulação da política agrária.
A POLÍCIA QUE OS DEBATES REVELAM
Embora a documentação apresente essa clara diferença política sobre a atenção e publicidade que a Assembléia dispensou aos casos de segurança pública entre os períodos acima delineados, pudemos verificar que os temas debatidos revelavam a continuidade de alguns problemas centrais, que podem ser alinhados em três grupos: instituições e espaço público aberto; polícia e política; e polícia e trabalho.
Quanto à questão da instituição, vemos que há uma tênue diferença entre a estrutura concreta e encerrada, que envolve um presídio ou um hospital psiquiátrico, e a atuação das policiais nas ruas. Consideramos a instituição algo relativo às estruturas concretas planejadas para o recolhimento e segregação, ou reabilitação, dos sujeitos considerados nocivos à ordem social instituída, e das instituições judiciárias que as envolvem. Mas o espaço público aberto das ruas constitui o campo dos limites da atuação policial pela sua visibilidade social- a interface com a sociedade, onde aparece claramente a resposta desta. Nestes, os policiais encontram-se imbuídos do poder da autoridade de que se reveste a sua função, e, em toda relação com um civil, essa alteridade dos lugares sociais constitui também uma situação institucionalizada.
O estreitamento entre a esfera e política e a policial se dá em função da necessidade de se averiguar o sentido político e o sentido público da ação policial. O primeiro período envolve a constituição de um Departamento de Polícia especializado neste setor (Departamento Estadual de Ordem Política e Social). A questão da perseguição política ainda revive em debates posteriores dos fins de 1940, intimamente relacionada à questão trabalhista. Por outro lado , o poder coercitivo da polícia aparece relacionado ao poder político , não apenas na manutenção do regime ditatorial de 1937 a 1945, mas, também, posteriormente, em setores políticos associados a autoridades policiais com finalidades eleitorais de ambos os lados.
Por fim , o terceiro tema, relativo à relação polícia-trabalho, envolve a condição trabalhista das próprias corporações policiais, que aparece como problemática, sobretudo nos últimos anos da década de 1940, em que há uma constante luta pelo aumento dos salários da Guarda Civil do Estado e da Força Pública, concomitante ao crescimento de denúncias de casos de arbitrariedades policiais dirigidas diretamente contra trabalhadores dos mais diversos tipos. Configurava-se uma imagem hostil, recíproca a ambos, trabalhadores e policiais.
Resultante das mudanças socioeconômicas e da permanência de certos valores, temos visto que à figura do trabalhador organizado que luta pela melhoria de seus salários, se agregou a antiquada imagem de subversivo da ordem social;o policial, por sua vez, aparece, contraditoriamente, como autoridade poderosa, mas destituída de valor moral; atuando sob o estancado regime de trabalho e as vicissitudes da função a que se sujeita, age à deriva de sua desvalorização salarial e social.
Tal desvalorização se dá, principalmente, durante a abertura democrática de 1947, em parte, devido à crise econômica que também afeta este setor, em parte, devido a rígida e desatualizada organização de suas instituições, inaptas às novas políticas públicas ainda em processo de consolidação. A nova realidade mostrava-se completamente diversa a mais complexa em vários sentidos, verifica-se a disseminação, ou perpetuação, de métodos arbitrários e violentos por parte da polícia, que acaba por atuar de forma praticamente independente das leis e dos princípios democráticos.
Desta forma , não se pode caracterizar de forma estanque um perfil social do trabalhador, do policial e do criminoso. Quanto a este último, criou-se até uma especialidade científica em fins do século XIX, a criminologia, encarregada de definir em termos antropológicos, sociais e biológicos o que determinava a orientação dos indivíduos ao crime. Podemos, antes , afirmar que estes perfis têm sido desenhados ideologicamente nos diferentes períodos, de acordo com uma concepção dominante, implica ou explica, dos sujeitos sociais em questão, e conforme a adequação de seus atos ao convívio coletivo e às leis. As condições. sócio-econômicas tampouco podem ser consideradas irrelevantes, ao contrário, aparecem como propiciadoras de opções- dentro ou fora da lei- para a transgressão da mesma, como nos demonstram os debates de fins da década de 1940.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos apresentar n presente texto algumas impressões obtidas com a análise dos debates parlamentares de 1937 a 1950, com o propósito de esboçar um quadro geral do funcionamento das instituições prisionais, da relação estabelecida entre os agentes da lei e a sociedade civil, permeada por ideologias de Estado, e da posição dos parlamentares diante das evidências publicadas constantemente pela imprensa. Buscou-se mudanças neste setor, conforme as alterações políticas de ordem nacional, influenciadas, por sua vez, pelas transformações mundiais.
O tema da organização da segurança pública, pensando adequar a funcionalidade de suas instituições a princípios mais humanos e a uma contrapartida socieoeconômica útil, tem-se apresentado polêmico ao longo deste período , revelando as forças políticas em jogo e a maior ou menor participação das autoridades governamentais e políticas para a solução de problemas relativos ao Departamento de Segurança, de acordo com o que lhes compete ou convém em cada momento.
Conforme São Paulo se moderniza, em termos tecnológicos , e cresce, em termos industriais e urbanos- transformação que se acentua na década de 1950- a questão da segurança pública se torna mais complexa, e hoje ainda resvala em problemas antigos, surgidos no decorrer do século; guarda traços nítidos da desorganização e atraso do final da década de 1940, do autoritarismo policial da década de 1930, da ausência de vontade política para a modificação estrutural dos problemas, da perpetuação de ranços ideológicos reacionários que alinham os direitos humanos com ideologias subversas, e da utilização arbitrária das organizações, leis, órgãos e agentes do Estado para uso político ou particular por parte dos governantes.
De forma alguma esta pesquisa encerra as questões históricas sobre a segurança pública e as instituições prisionais, como a origem de seus problemas, ou pode responder ao problema do aumento da criminalidade e da violência na atualidade. Mas acreditamos que é necessário insistir na ampliação do debate sobre estas questões, que têm tido atenção menos das autoridades e são consideradas terreno imutável para a maior parte das pessoas, mas podem ser repensadas e transformadas e são fundamentais para o bom e efetivo funcionamento das instituições democráticas e para o alcance de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Artigo transcrito do Acervo Histório da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Leandra Elena Yunis, bacharel em História pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
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