Um lobo , tendo ouvido um sermão que São Francisco pregou aos bichos, converteu-se e resolveu tornar-se um santo também. Procurou os mestres espirituais e perguntou-lhes o que devia fazer para se tornar um santo. Eles lhe disseram que o caminho da santidade começa com as abstenções: ele deveria começar por abandonar aquelas coisas de que mais gostava. E o que ele mais gostava era de comer cabritos. Assim , os mestres espirituais concluíram , o caminho de um lobo que deseja ser santo começa com um grande jejum, até perder a vontade de comer cabritos.
Saiu então, o lobo, decidido a jejuar. Depois de muito caminhar, viu repentinamente um cabrito que comia capim distraidamente na encosta da montanha. A visão ao cabrito deu-lhe água na boca. Pensou então: acho que vou adiar o meu jejum por uns dias, até me acostumar. Aproximou-se, assim solobeiramente (sorrateiramente só se aplica aos ratos) do cabrito. Este, percebendo a aproximação do lobo, correu saltando sobre as rochas da montanha- era um cabrito montês- até atingir uma rocha muito alta, inacessível ao lobo. O lobo,então, vendo que seu almoço lhe fugia, lembrou-se de suas intenções religiosas e argumentou consigo mesmo: “O caminho da santidade é o caminho do jejum”. E continuou a jejuar. Moral da estória: muitas virtudes do espírito nascem da incompetência do corpo.
Conto inserido no livro “Pensamentos que penso quando não estou pensando” do psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Braga (1933-2014)