Quando ouvimos alguém falar que uma coisa é barroca, as primeiras imagens que surgem em nosso pensamento são aqueles anjinhos rechonchudos, com ares de brincalhão, que aparecem nas pinturas e nos altares das igrejas antigas. A nossa incontrolável curiosidade pergunta: de onde mesmo veio essa expressão? Procuramos e encontramos algumas informações que nos cativam.
Primeiro, vem o seu parentesco com o barro. Como que não desconfiamos logo? Chamavam de barrocas aquelas paredes muito altas, escarpas que surgem à beira do mar como resultado do trabalho das águas e dos ventos sobre a argila moldável. Depois, ficamos sabendo que era uma palavra muito usada entre os artesãos portugueses que trabalhavam com ouro e jóias. Barroco era o nome dado às pérolas mais raras, porque imperfeitas, e, por isso mesmo, misteriosas e mais valiosas. Dessas sinalizações da natureza é que parece nascer, nas artes, o estilo barroco.
E quando se diz que a língua portuguesa é uma língua barroca, estamos emprestando a ela características que estão mais ligadas ao mundo da arte, da expressão, e da criatividade convocadas pela incompletude e maleabilidade que a natureza oferece. É, portanto, uma língua que tem mais a ver com a alma, com sentimentos, do que com os desafios da razão.
Alguns intelectuais, mais vinculados ao mundo da filosofia, têm se debruçado sobre os mistérios de nossa língua e dizem coisas que nos espantam e para as quais não atentamos sem avisos. O maravilhoso é que nos reconhecemos nas considerações que tecem e nos orgulhamos de ser herdeiros dessas riquezas. Um, Antônio Quadros, diz por exemplo: “a escrita portuguesa é visceralmente barroca, exprimindo o sinuoso, espiralado, espontâneo, dinâmico, imprevisível e criacionista provindo da natureza”. Outro fala que, “na sua aura de ocultismo, é uma língua que perturba as tradições do pensamento ocidental”.
Tendemos a acreditar que um dos cordões fortes que costuraram a diversidade que compõe um imenso território como o nosso, habitado por povos e culturas de diferentes origens, foi essa língua sensível, agregadora, aberta à novidade, capaz de se refazer em trejeitos e sonhos.
Para encerrar esse vôo, deixamos com a palavra o Pe. Antônio Vieira, um dos maiores pregadores, escritores e, veladamente, filósofo:
“Que expressões são estas e estas palavras do céu? As palavras são as estrelas, as expressões são sua composição, sua ordem, sua harmonia e o seu curso. Observai como a maneira de pregar no céu concorda com o estilo que o Cristo ensinou sobre a terra. Um e outro, é semear: a terra semeada de trigo, o céu semeado de estrelas. Pregar, deve ser como se semeássemos, não como se lajeássemos ou ladrilhássemos. Ordenado, mas como as estrelas. Stellae manentes in ordine suo. Todas as estrelas estão em ordem, mas se trata de uma ordem que inspira, não de uma ordem trabalhosa. Deus não fez o céu como um tabuleiro de estrelas como os pregadores fazem o sermão como um tabuleiro de palavras”. Sermão da Sexagésima, 1655.