mar 10, 2014 Air Antunes Ilustrada 1
Fragmentos retirados do raríssimo livro LAMA & SANGUE de Cosme de Freitas que retrata a época de Artur da Silva Bernardes como presidente do Brasil. Governou (1922 – 1926) praticamente durante todo o seu mandato sob estado de sítio, com forte censura à imprensa. Israel Ribeiro era pai do médico Renato de Carvalho Ribeiro que trabalhou em Angatuba até o fim de sua vida e avô do professor César Lemos Ribeiro, e que prestou, como jornalista e cidadão, inegáveis serviços à democracia baiana. Na transcrição está mantido o português da época.
O “Correio do Povo”, em sua edição de 27 de Junho de 1924, publicou um artigo, engraçado, com o título Casa de Loucos e assignado por José Vicente. Sabendo-se, porém, mais tarde que José Vicente era o sr. Israel Ribeiro, estudioso dramaturgo e modesto jornalista baiano, o bacharel Góes Calmon, prevalecendo-se do estado de sítio que o protegia, mandou prendel-o e deportal-o para o Rio de Janeiro, como revoltoso, decretando em seguida a sua exoneração do cargo de escriturário do Tribunal de Contas da Bahia, a bem da ordem pública. Israel Ribeiro sofreu horrores durante algum tempo e a sua família, aqui, padeceu toda sorte de privações. Elle continua desempregado e o artigo que motivou os seus padecimentos physicos e moraes, assim como profundos vexames á sua virtuosa esposa e aos seus delicados filhinhos é o seguinte:
A casa dos loucos
Dentre todos os departamentos do Estado, o que mais impressionou, o que mais prendeu a atenção, o que mais satisfez o animo do actual governador, nas suas recentes visitas, foi incontestavelmente o Asylo S. João de Deus, onde se agasalham centenas de inconscientes e infelizes e que ali penetraram por terem, por completo, perdido o uso da razão.
E, não podia deixar de ser assim… S. Exa. sentiu-se bem n´aquelle ambiente, nada lhe escapou. Desde as installações scientificas do gabinete de clinica psychiatricas, até os aparelhos da culinária, mereceram do actual chefe do Estado, o mais meticuloso exame, despertando em S. Exa.o maior enthusiasmo, por tudo quanto viu e observou.
Depois, ogovernador manifestou o desejo de falar aos infelizes, de ouvir as suas queixas e conhecer de perto as causas determinantes de suas infelicidades.
Foi-lhe presente, um homem alto, sympathico, espadaudo , de cabellos grisalhos, e que pelas apparencias denota descender de uma nobre extirpe. -Porque foi que te conduziram a este meio? perguntou –lhe o Governador.
O louco de olhar caludo e sereno, depois de fital-o recobrando um momento de lucidez exclamou: – Senhor, durante muito tempo vivi esquecido do mundo, conhecido apenas num limitado circulo onde exercia a minha profissão de advogado. Passaram –se os anos, adquiri fortuna, mais tarde fiz – me capitalista e director de Banco. Vivia eu na doce mansão do meu labor, quando um dia, um grande estadista da Republica, um dos maiores vultos da agitada vida nacional, lembrou – se de mim convidando – me para ser o seu substituto no governo de um grande Estado. Não vacilei, a minha vaidade estulta e pretenciosa, começou desde aquelle momento a ambicionar o poder. Eu era o homem talhado para o momento e portanto fiz –lhe juras e promessas e muitas vezes sacrifícios. Ninguem, absolutamente ninguém se arriscava a affastar –me do meu augusto protetor, cuja personalidade muitas vezes enalteci. Aconteceu porem, que, divergências políticas incompatibilisaram o indicador do meu nome com o chefe da Nação, e eu sentia, que o governo jamais cahiria em minhas mãos se continuasse a jurar – lhe fidelidade. Aproveitei as circunstancias e conferenciei com os seus adversários, assignando com elles um pacto para extinguir o partido então dominante, sob a condição de me fazerem governador. E realmente fui. Subi, mais subi com a sombra negra do estado de sitio, subi ferindo de morte a autonomia do meu Estado; subi; vendo a cidade do meu berço entregue ao cannibalismo da soldadesca desenfreada; subi, com as lagrimas das esposas, mães e filhas daqueles que se conservaram, fieis ao seu chefe; subi, com a traição e a deslealdade de outros tantos como eu.Os meus primeiros actos assignalaram os sentimentos do meu coração. Não deixei pedra sobre pedra. No governo,………. (?) E, de olhos injectados, espumando saliva pelos cantos da boca, punhos cerrados, o louco continuou: -A minha ambição é ser ditador, quero governar discrecionariamente, desagrade a quem desagradar. Na minha entrada em palácio, quero bandeira e toque de corneta, pouco se me dando, que o povo viva a mercê da fome e da epidemia. Não preciso de eleitores, porque para satisfazer as minhas ambições eu tenho a auctoridade do Presidente da Republica. Eu tenho roubado o pão a milhares de chefes de familias, e, quem se revoltar contra a minha attitude, castigarei com o guante do meu poder. Como se vê, sou grande, sou poderoso, sou absoluto, ninguem poderá commigo. – Neste ponto, o infeliz foi apoderado de uma crise de loucura furiosa e retirado, com as devidas precauções da presença do chefe do Estado.
O Director do manicômio explicou então a s. exa.tratar –se de um doente acometido de mania de grandeza. As palavras do louco reflectiram no espirito de s. exa.de tal modo, que o Governador não hesitou em pôr em pratica o seu largo programa de governo e o seu invejavel descortino administrativo.
José Vicente
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Air,
Obrigado pela publicação! Como não foge da realidade de hoje, não? César