Pintura de 1952 retratando a chegada de d. João VI ao Rio de Janeiro, de Cândido Portinari
Desatinados, corriam pelas ruas (…)ansiosos para ver a entrada da Real esquadra…”
A 7 de março de 1808, a população do Rio de Janeiro avistou os navios da comitiva real se aproximando da costa. “Eram duas para as três horas da tarde”, escreveu Luís Gonçalves dos Santos, o padre Perereca, detalhando que, ao som de “estrondosas salvas e dos alegres repiques dos sinos das igrejas, os ânimos de todos mais se inflavam e desatinados corriam pelas ruas homens, mulheres, velhos e meninos, ansiosos para ver a entrada da Real esquadra e de tributar ao PR (Príncipe Regente) Nosso Senhor os aplausos na ocasião do desembarque de sua real pessoa e família”.
Quando a frota ancorou , parentes e amigos comovidos se reuniram pela primeira vez em três meses, pois viajavam espalhados em vários navios, logo separados pelas tormentas do Atlântico. O desembarque foi anunciado para o dia seguinte, mas o povo acorreu às ruas, cantando, dançando, gritando de alegria. A noite acenderam-se as luminárias e quase ninguém dormiu. Só às quatro da tarde de 8 de março a família real pisou em solo carioca. Dezenas de embarcações embandeiradas com os remos erguidos em continência cercaram a frota. Um bergantim levou d. João ao cais da praça principal, onde fora montado um altar. Depois da de orar, ele e d. Carlota seguiram para a Igreja do Rosário a fim de assistir a um “Te Deum”. Ricas tapeçarias pendiam das janelas e pétalas de flores eram lançadas por meninas e moças sobre o cortejo real. Folhas de mangueira picadas e pedaços de canela salpicados nas ruas e triturados pelos pés perfumavam o ambiente, enquanto areia polvilhada amaciava o caminho. À noite espalharam-se candeeiros por toda a cidade e o céu se iluminou com fogos de artifício. O espocar dos rojões, os tiros de canhão e o toque dos sinos ecoavam na estreita faixa de três quilômetros comprimida entre o mar e a montanha.
Os cariocas admiraram os trajes vistosos da aristocracia, que refizera seu guarda-roupa na Bahia, e as jóias deslumbrantes das mulheres. Até as damas-de-honra calvas do Alfonso de Albuquerque, o navio infestado de piolhos, exibiam uma graça exótica. Foram nove dias e nove noites de muita luz e alegria para comemorar a instalação da Corte no Rio de Janeiro. Mas, apesar do clima de festa,os recém-chegados logo se deram conta de que a realidade do “novo mundo” estava bem distante do Paraíso idealizado e que haveria muito trabalho à frente para reerguer o império lusitano.