set 12, 2020 Air Antunes Ilustrada 0
JOSE CARLOS LIBÂNEO
Este é um relato parcial da minha experiência pessoal de perseguição política no período de 1964 a 1980. Quando foi detonado o golpe militar no final do mês de março de 1964, eu era estudante de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tinha, então, 18 anos e meio, e iniciava minha participação no movimento estudantil e, ao mesmo tempo, ingressava no movimento político denominado Ação Popular, no qual militei até o final do ano de 1966, ano em que me formei. Como estudante, fui vice-presidente e, depois, tesoureiro do Centro Acadêmico da Faculdade.
Após minha formatura, fui diretor de escola pública na rede estadual de São Paulo durante seis anos, e professor em curso de pedagogia de faculdade privada. Em 1973, fui convidado para trabalhar na Secretaria Estadual de Educação de Goiás, em Goiânia, onde fundei e dirigi por três anos o Centro de Formação de Professores.
Em 1975, na mesma cidade, passei em concurso para professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. À época, entre os documentos exigidos para contratação, por determinação do Serviço Nacional de Informação (SNI), era obrigatório a apresentação de Atestado de Antecedentes Políticos, que deveria ser fornecido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), da Secretaria de Segurança Pública. Não só não obtive o Atestado por causa de minhas posições políticas e militância na juventude, como fui interrogado três vezes sobre minhas atividades políticas: uma em Goiânia, na Secretaria de Segurança Pública, outra na sede do Serviço Estadual de Informações em Goiânia (SEI), e a terceira vez, no Serviço Nacional de Informações (SNI) em Brasília. O resultado desses interrogatórios foi minha demissão do cargo de professor da UFG pelo regime militar, tendo sido contratado e demitido no mesmo dia (em 20/11/1975). Em 1980 fui beneficiado pela Anistia e recontratado como professor da UFG. São estes os fatos que relatarei em detalhe a seguir.
Os anos iniciais da minha formação escolar foram cursados na cidade de Angatuba (SP). Os anos seguintes, incluindo o Ensino Médio, foram realizados no Seminário Diocesano de Sorocaba (SP), concluídos em 1962. Iniciei os estudos de Filosofia no Seminário Maior de Aparecida do Norte (SP), completados na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, sou pesquisador e professor universitário da área da educação, aposentado na Universidade Federal de Goiás e, atualmente, contratado como professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (desde 1/3/1997).
Minha formação em cursos de graduação em Filosofia, e em pós-graduação em Educação (mestrado e doutorado), se deu na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, conhecida como PUC de São Paulo. Após me formar na graduação, trabalhei seis anos numa escola estadual em S. Paulo como diretor, chamado Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental II, e em faculdades particulares. Mudei-me com a família para Goiânia, estado de Goiás, em 1973, para trabalhar como técnico em educação na Secretaria Estadual da Educação. Em março de 1975, fiz concurso para professor da Faculdade de Educação da UFG. Trabalhei por seis meses enquanto esperava a contratação, mas, em novembro, recebi no mesmo dia duas anotações da carteira profissional, a admissão e a exoneração, esta exigida pelo regime militar por causa das minhas atividades políticas na juventude. Pela mesma razão e ao mesmo tempo, fui demitido da Secretaria da Educação do Estado de Goiás, onde havia fundado e dirigido o Centro de Treinamento e Formação de Professores (CENTREFOR). Desse modo, fui demitido dos dois empregos públicos – um na Secretaria Estadual da Educação e outro na Faculdade de Educação da UFG, por motivos políticos. Essa expressão por motivos políticos talvez soe hoje como meio fora de moda para quem não viveu naquela época, mas foi por essa razão que, aos 30 anos de idade, em setembro de 1975, fui cassado pelos órgãos de repressão política da ditadura militar. Era casado e tinha uma filha de cinco anos e um filho de três. Em decorrência da cassação do meu cargo de professor, permaneci seis anos fora da Universidade Federal, pensando que jamais teria a oportunidade de ser professor universitário, ao menos em uma universidade pública. Mas em 1980 veio a Anistia política e retornei à UFG, onde permaneci até o final do ano de 1996, quando me aposentei. Um ano depois, fui readmitido na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (na qual já havia trabalhado).
Relato, a seguir, onde começa essa história pessoal contada até aqui. O dia 1o de abril de 1964 é a data que os militantes de esquerda consideram como sendo o dia da comemoração do golpe militar. Os militares sempre comemoram sua revolução em 31 de março, porque 1o de abril é o dia da mentira. Logo que os militares tomaram o poder, assumiu como presidente da República o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Foram emitidos atos institucionais fechando o Congresso, extinguindo os partidos políticos, cassando direitos políticos de todos os que foram contrários ao golpe ou que tinham passado de esquerda. A sede da UNE, no Rio de Janeiro, foi queimada. A UNE, à época, era uma entidade com uma atuação muito grande em todo o país, era uma ameaça ao poder dos militares. O objetivo dos atos institucionais era o de legalizar as ações arbitrárias, mesmo aquelas contra a Constituição Federal.
Os governos militares foram se sucedendo. Em 1967 entra o Marechal Costa e Silva, em 1969 o General Médici, cujo governo foi denominado de “anos negros da ditadura”, em 1974 entrou o General Ernesto Geisel e em 1979, o General João Batista de Figueiredo. Até o governo Geisel, o regime militar foi marcado pelo autoritarismo, pela repressão, perseguição policial e política, censura à imprensa, subordinação ao capital estrangeiro, concentração da renda. Isso durou até 1985, completando-se 21 anos de ditadura com saída do General Figueiredo e o início da redemocratização.
Gostaria de contar o que foi minha militância política desde l964 em razão da qual, em 15 dias, em Goiânia, em 1975, perdi dois empregos, o de funcionário da Secretaria da Educação e o de professor da UFG, por ordem do Serviço Nacional de Informação (SNI), ligado à Presidência da República.
Em 1o de abril de l964, data em que foi detonado o golpe militar, eu estava no 2o ano da Faculdade de Filosofia, na PUC de S. Paulo. Trabalhava de manhã e estudava à tarde. Como já relatei, eu era integrante do Centro Acadêmico da Faculdade. Militava numa organização política de esquerda, chamada “Ação Popular”. Era um movimento político, não era um partido político porque à época seria impensável um partido político de esquerda. Tinha se originado na JUC – Juventude Universitária Católica – e no início era quase como um braço político da ala progressista da Igreja Católica. Muitos políticos conhecidos hoje, pertenciam à AP. Eram colegas de militância em São Paulo o José Serra, o José Dirceu, o José Genuíno, entre outros, nomes que hoje ocupam posições no executivo e no legislativo. Essa organização, em 1996, entrou para a clandestinidade para pôr em prática um movimento de luta armada que se chamava Aliança operário-estudantil-camponesa (do qual não participei). Mais tarde, três dos mais conhecidos partidos políticos foram derivados da Ação Popular e formados por vários militantes desse movimento: o PT, o PC do B e o PSDB.
Por ocasião do golpe em 1964, os militares ainda não tinham um sistema de informações montado sobre o que eles chamavam de “agentes da subversão”. Durante o ano de 1964, fazíamos militância aberta, mas a coisa foi apertando cada vez mais. Rapidamente o Exército e a Policia foram se estruturando, montando seus arquivos por meio de espionagem nas escolas, nas faculdades, nas fábricas. Nas polícias estaduais havia o DOPS – Departamento de Ordem Política e Social. Montou-se uma sólida rede de espionagem da atividade de políticos, estudantes, trabalhadores, etc. Muitos motoristas de táxi, garçons de restaurante, eram pagos como espiões pelos serviços de segurança e repressão. Falsos estudantes se matriculavam nas faculdades para espionar os estudantes e entregar ativistas políticos para a polícia. Nos bares mais frequentados por estudantes havia microfones nas tomadas de luz próximas às mesas. A gente tinha que tomar cuidado com o que falava, onde falar, morrendo de medo de estar sendo observado ou gravado. Ainda hoje guardo o costume de olhar para os lados quando converso com alguém alguma coisa meio sigilosa…
Com o cerco sendo apertado, com colegas sendo presos e torturados para entregar colegas, nossa organização de militância – a Ação Popular – decidiu atuar na clandestinidade. Já não podíamos fazer reuniões públicas. A direção do núcleo de AP marcava uma reunião mas ninguém sabia em que local seria. O militante recebia informação para estar às 9h, por exemplo, no ponto de ônibus ao lado da Catedral da Sé. Lá estava alguém com um guarda-chuva e um jornal em baixo do braço que seria o primeiro contato no caminho da reunião. A gente, discretamente, fazia uma pergunta já combinada – por ex., tem cigarro? – e aí o contato indicava o local da reunião. E o medo que a gente tinha de infiltração de espião! Essa era um pouco da rotina da nossa militância nos anos entre 1964 e 1968.
A Ação Popular adotava o manual de militância da guerrilha cubana. Nossos heróis de cabeceira eram Fidel Castro, Che Guevara. Éramos super-disciplinados. Muitos colegas que faltavam às reuniões porque iam namorar eram ameaçados de desligamento da Organização. Tínhamos uma ética de sacrificar a vida pessoal em favor do coletivo. A vida individual, a subjetividade, não contava, subordinava-se ao ideal revolucionário. Aliás, esta foi uma marca fundamental da nossa militância. Nós acreditávamos na revolução, nós nos considerávamos revolucionários. O documento de orientação para os militantes de AP definia essa organização assim:
A Ação Popular é a expressão de uma geração que traduz em ação revolucionária as opções que assumiu face à realidade brasileira. Assume a perspectiva do socialismo como humanismo, enquanto crítica da alienação capitalista e movimento real de sua superação.
Púnhamos como referência de nossa ação a criação de uma consciência social e política, visando principalmente a transformação da sociedade. Na época, isso significava vencer o atraso socioeconômico, político e cultural e implantar o regime socialista. Denunciávamos todos os dias o imperialismo norte-americano, o colonialismo. Lembro-me de uma célebre manifestação que fizemos na Av. Paulista, em frente ao Consulado norte-americano, onde em l5 minutos gritamos várias palavras de ordem, depois pusemos fogo na bandeira norte-americana, com TV filmando tudo. Quando já se ouviam as sirenes da polícia e chegavam os camburões do DOPS, saímos na correria para os carros estacionados já em locais estratégicos. Eu e mais alguns colegas, antes de correr da polícia, pisoteamos as cinzas da bandeira. Aliás, era comum a gente deixar já planejadas estratégias de fuga, locais para se esconder, em caso de perseguição da polícia.
Em l966, o movimento da AP partiu para a luta armada. Passou a adotar este lema: Aliança operário-estudantil-camponesa. Houve muitas divisões internas no movimento, mas a maioria dos militantes abraçou a causa marxista-leninista. Eu não participei da luta armada, nem dos movimentos de guerrilha urbanos e rurais. Mas tive colegas que participaram do seqüestro do embaixador americano e do embaixador da Suíça.
Minha última participação no movimento foi no Congresso da UNE realizado em Belo Horizonte em 1966. Até hoje tenho uma marca no meu corpo quando, fugindo dos camburões do DOPS e do Exército tive que pular um muro de dois metros caindo em cima de um tanque de lavar roupa no Convento dos dominicanos onde eu e outros estudantes estávamos escondidos.
De 1967 a 1972 me afastei da militância política direta em organizações. Já era formado, havia me casado e passei a me dedicar somente ao trabalho. Conforme relatado, fui ser diretor em uma escola pública na cidade de São Paulo, além de ministrar aulas em faculdades. Em 1973 mudei-me para Goiânia. Morava nessa cidade quando os órgãos da repressão da ditadura militar me pegaram, em 1975. Vim para Goiás trabalhar na Secretaria da Educação do Estado e, nesse ano, fiz o concurso para uma vaga de professor na Faculdade de Educação da UFG. Eu passei no concurso, mas havia um problema: para ser contratado, eu tinha que apresentar à Universidade um Atestado de Antecedentes Políticos, exigência do reitor para esses casos. O Reitor chamava-se Paulo de Bastos Perillo, engenheiro, professor da Escola de Engenharia. Aí começou meu calvário. Porque quem dava esse documento era o DOPS, justamente o órgão da Secretaria da Segurança Pública que comandava a repressão.
Fui atrás desse documento. Eu ia num dia, mandavam eu voltar no outro. Até que me chamaram e disseram: O Sr. não receberá esse Atestado, porque o Sr. tem uma ficha no Serviço Nacional de Informações (SNI) que indica sua participação na subversão. Fui parar à frente do Secretário da Segurança Pública, o temido Coronel Danilo da Cunha Melo, que tinha uma história de comando da repressão em Goiás, tendo sido também o comandante da Operação Bandeirantes (OBAN) em São Paulo, lugar sombrio de prisão e tortura de presos políticos. O coronel olhou os papéis do processo com meu nome que tinha em mãos, ali havia uma fotografia. Ele me encarou e disse: “Professor, o nome que tenho aqui é seu e a foto que está aqui é sua. Nós tivemos uma guerra, eu estava de um lado, o Sr. de outro. E o senhor perdeu. Não posso lhe dar o documento”. Fui embora sem os documentos, sabendo que meu contrato na Universidade Federal de Goiás não sairia e me considerava demitido.
Minha demissão, aliás, tinha começado antes. A Universidade tinha um órgão de informação chamado DSI – Divisão de Segurança e Informações, ligado ao SNI, que era o Serviço Nacional de Informações, o órgão do regime militar que vigiava a vida das pessoas contrárias à ditadura. A DSI funcionava dentro da Universidade e era dirigida pelo General Fleury, que municiava a reitoria com informações sobre as atividades políticas de professores e funcionários, tanto os que seriam contratados quanto daqueles em exercício. Esse general era pai do Capitão Marcos Fleury, à época simultaneamente Chefe do Serviço Estadual de Informações (SEE) e Chefe de Gabinete do Governador Irapuan Costa Junior. Eu era, também, funcionário da Secretaria da Educação e o Governo estadual tinha também seu sistema de informações. O governador Irapuan Costa Junior, havia sido professor no curso de Engenharia da UFG e tido como dedo-duro de professores de esquerda. Essa, aliás, era uma expressão muito comum na época, designando pessoas que entregavam colegas ao serviço de informações. Conta-se que havia vários professores que entregavam seus colegas, às vezes só para vingar de alguma coisa. Eu estava, portanto, em péssima situação. Para meu azar, como já falei, o chefe da DSI da Universidade era um General e o chefe do Serviço de Informações no Governo Estadual, do qual eu era empregado, era o filho dele, Capitão Fleury.
O sistema de informações tinha uma articulação muito eficiente entre o SNI federal e os SNI estaduais. Quando alguém ia ser contratado para cargos, fazia-se uma consulta na ficha do candidato, de modo que o Governo e a Universidade tinham a ficha detalhada da minha militância política dos tempos de estudante na PUC de S.Paulo. Eu já trabalhava na Secretaria da Educação há três anos, minha ficha já era conhecida do Secretário que então me havia contratado, chamado Helio Mauro Umbelino Lobo. Mas no final desses três anos houve troca de Secretário, assumindo um conhecido político goiano chamado José de Assis. Nessa época, eu ainda era diretor do Centro de Treinamento e Formação de Pessoal, da SEE. Ele solicitou ao Serviço Nacional de Informações a minha ficha política e recebeu um parecer em que constava a recomendação de não me contratar. O Secretário, então me chamou e me disse para pedir demissão, pois isso facilitaria as coisas para ele e para mim. Eu me neguei a me demitir. Afastou-me da direção do Centro de Treinamento e enviou para lá um assessor chamado Álvaro para vasculhar papéis e documentos para encontrar algum problema administrativo que justificasse minha demissão. Como não foi encontrado nada contra mim, ordenou minha demissão. Como foi demissão sem justa causa, consegui meus direitos trabalhistas na Justiça do Trabalho.
Mas antes que ocorresse minha demissão da Secretaria da Educação, logo após a entrevista já relatada com Secretário da Segurança Pública, fui chamado para um interrogatório na sede do SNI em Brasília, à época localizado no Edifício Maristela, no último andar. A entrada era uma grade de ferro com correntes e me introduziram numa sala de interrogatório muito parecida com cenas de filmes, com uma lâmpada de 40 wats. Me sentaram numa cadeira e logo apareceu um dos agentes do SNI com uma pasta contendo meu dossiê. Iniciou o interrogatório lendo trechos desse dossiê: reuniões das quais eu havia participado com militantes da Ação Popular, com nome dos colegas, data e local; minhas atividades no CA da Faculdade; pessoas com quem eu convivia como estudante. Disse-me que minha situação era muito delicada, que eu realmente havia participado de movimento subversivo e que eu havia sido mandado a Goiás pelos dirigentes da AP para me infiltrar na Faculdade de Educação e fazer política contra o regime. Eu não podia negar os fatos que eles haviam registrado no meu dossiê com base em informações de espiões infiltrados na Faculdade. Mas não era verdade que eu teria vindo a Goiás para fazer militância em nome da AP. Disse-lhes que não participava mais da militância, que tinha vindo a Goiás a convite de pessoas da Secretaria da Educação e que na Universidade eu havia sido aprovado em concurso público, e várias pessoas podiam testemunhar isso. Nenhuma argumentação adiantou. Após ameaças de dar seguimento ao processo de demissão da UFG, o agente me deu três alternativas para escolher. Se aceitasse cumprir uma delas, meu contrato estaria assegurado. As alternativas foram as seguintes: a) passar-lhe uma lista dos professores subversivos da Faculdade de Educação da UFG; feito isso, retornando a Goiânia poderia reassumir o meu trabalho como professor; b) meu contrato seria garantido se mensalmente eu passasse informações sobre atividades políticas dos meus colegas; c) eu deveria escrever um artigo a ser publicado num jornal diário de Goiânia dizendo que eu havia sido militante de esquerda na juventude, que eu havia sido induzido más influências de colegas, que eu era muito ingênuo à época e que eu me arrependia de tudo o que havia feito. Não aceitei nenhuma das alternativas e ouvi do agente minha condenação: “Que pena, professor, não podemos fazer nada por você”. Me dispensou, desci o elevador com medo de ser preso, até chegar no carro em que minha mulher à época, Maria Lúcia, me esperava. Voltamos para Goiânia. Dias depois, em setembro de 1975, fui demitido dos meus dois empregos públicos, o da Secretaria da Educação e o da Universidade Federal. Passei momentos difíceis sem emprego, com muita amargura interior, afetando dolorosamente a família. Poucas pessoas chegavam perto de mim com medo de perseguição. Várias vezes, na Faculdade de Educação da UFG, quando eu chegava, os colegas imediatamente se recolhiam às suas salas, como se eu fosse um proscrito. A diretora da Faculdade, à época a Profa. Mindé B. Menezes recebia instruções do SNI para me retirar da sala de aula (eu insistia em dar aulas). Eu procurava compreender a atitude de rejeição por parte dos colegas, amedrontados devido ao clima de repressão. Sem perder o ânimo de viver e trabalhar, fui atrás de trabalho fora do setor público. Consegui emprego como diretor de recursos humanos de uma empresa imobiliária (Inca S/A – Crédito Imobiliário), para ministrar cursos de atendimento ao público, onde fiquei por três anos. Em seguida, junto com mais dois colegas, fundamos uma escola particular chamado Colégio Vocacional do qual fui diretor por cerca de quatro anos. Mais tarde, já com outros dirigentes, o colégio acabou encerrando suas atividades.
Em agosto de 1980, com a Lei da Anistia, por meio de Portaria assinada pelo então reitor da Universidade Federal de Goiás, Dr. José Cruciano de Araujo, fui anistiado e reintegrado ao cargo de professor, no qual permaneci até me aposentar em 1996. Três anos depois, fui contratado, após concurso público, como professor titular da PUC Goiás, onde permaneço até o momento (2012).
Isso é um pedaço da minha história e de como fui vítima da ditadura militar. Minha história é a história de muita gente. O que aconteceu comigo foi pouco em relação à história de outras pessoas que foram presas, torturadas, assassinadas, por causa de suas posições políticas, provocando dramas a muitas famílias e dores pessoais profundas.
As histórias são muitas. Estou fazendo um retrato muito ligeiro do que foi aquela época. Eu queria concluir dizendo que não posso deixar de lastimar o fato de hoje a sociedade valorizar muito mais um individualismo utilitário, em que as pessoas não saem de sua vida confortável para praticar a solidariedade e a justiça social. A geração da minha juventude tinha um projeto político, militávamos em função de uma utopia, de um ideal de pessoa humana, de liberdade, de justiça, de solidariedade humana. A juventude de hoje, em sua maioria, não está interessada lutar por esses ideais. Pergunto o que as escolas e as universidades podem fazer hoje para despertar na juventude o gosto pela política, a participação nos movimentos sociais. Como envolver a juventude em causas sociais, na luta contra a pobreza, contra a destruição ambiental, contra a exploração do trabalho, na luta por melhores salários, melhores condições de moradia, mais empregos para todos.
Goiânia, 20/11/2012
José Carlos Libâneo, natural de Angatuba\SP, intelectual, educador e escritor. Bastante conhecido no meio educacional brasileiro pelas profundas contribuições teóricas que produz na área. Suas reflexões sobre didática e prática de ensino e sobre sua perspectiva crítico-social dos conteúdos o colocam entre os mais importantes teóricos progressistas da educação. Cursou o ensino fundamental e médio no Seminário Diocesano de Sorocaba. Graduou-se em filosofia na PUC\SP ,em. Em 1984 tornou-se “mestre” da educação escolar brasileira e “doutor” em educação, posteriormente. Possui pós-doutorado pela Universidade de Valladolid, Espanha, em 2005. Se destacou ao publicar o livro Democratização da Escola Pública – A Revisão Crítico-Social dos Conteúdos. Desde 1997, até a presente data, é Professor Titular aposentado da Universidade Federal de Goiás e Professor Titular da Universidade Católica de Goiás, onde, além de ensinar nos cursos de graduação e pós-graduação na Linha de Pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos sendo vice-coordenador do mestrado em Educação.
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