Com as tropas de Napoleão às portas de Lisboa, a Corte Portuguesa embarca numa turbulenta viagem de salvação rumo aos trópicos
Ameaçada por Napoleão, a Coroa portuguesa transferiu-se para o Brasil com a ajuda da Inglaterra, principal antagonista dos franceses. Com as tropas comandadas pelo general Junot às portas de Lisboa, o príncipe regente d. João ordenou finalmente a transferência da Corte para o Brasil. Não foi um gesto precipitado. A idéia de mudar a sede do poder para o Brasil já fora cogitada antes: em 1580, quando a Espanha invadiu Portugal; no século XVII, o padre Vieira aconselhava d.João IV a estabelecer aqui “o quinto império”, onde gozasse, “ao mesmo tempo, as quatro estações do ano”; em 1762, diante da ameaça de uma invasão franco-espanhola, Pombal pediu a d. José I que tomasse “as medidas necessárias” e várias naus ficaram no porto prestes a zarpar.
A partida, na tarde de 27 de novembro sw 1807, foi uma verdadeira operação de guerra, marcada por lances de desespero. Debaixo de uma chuva persistente, o cais enlameado ficou apinhado de caixas com documentos, pratarias, porcelanas, livros e outros objetos de valor. Dez mil pessoas- Lisboa contava 200 mil habitantes- embarcaram , nesta primeira leva, em 15 navios deteriorados.escoltados por embarcações inglesas. Famílias inteiras se separaram: a família real se dividiu em quatro navios. Num lampejo de lucide, d. Maria, a louca, gritou ao cocheiro: “Não vá tão depressa. Pensarão que estamos fugindo!”
As condições de viagem foram terríveis. Escassez de alimentos, enjôos contínuos, a aristocracia com a roupa do corpo mijada e vomitada, dormindo ao relento, apinhada nos conveses. As necessidades fisiológicas eram feitas ao ar livre nas “cloacas”- plataformas amarradas à proa. Num dos navios, uma infestação de piolhos fez os nobres lançarem as perucas ao mar e as mulheres, incluindo d.Carlota Joaquina, tiveram as cabeças raspadas. Humilhação, sentimento de culpa pelos entes queridos abandonados em Lisboa, falta de privacidade, desconforto atroz- a Corte lusitana se via imersa nos últimos círculos do Inferno.
Para os mais afortunados, os primeiros a chegar, depois de sete semanas de provações e 6.400 quilômetros de Lisboa, o sopro glacial de novembro cedia aos bafejos superaquecidos do Equador. Era Salvador da Bahia, o primeiro toque em terra brasileira, antes da chegada ao Rio de Janeiro.
De “A Construção do Brasil” da Prol Editora Gráfica.