out 10, 2016 Air Antunes Politica 0
CÉLIA SAKURAI
Trinta e nove anos após a chegada dos primeiros japoneses ao Brasil, em 1947, é eleito um vereador para a Câmara Municipal de São Paulo com sobrenome de origem japonesa. O primeiro de origem japonesa eleito fora do Japão. Com ele, outros descendentes de etnias imigrantes, como os sírios e libaneses, judeus, despontam na política brasileira a partir da redemocratização do País, em 1945. Com a introdução de novas regras para a condução da política, os contingentes de estrangeiros e seus descendentes vislumbram a perspectiva de se fazerem representar junto aos círculos do poder.
A elite paulista, paulatinamente, abriu espaços para a entrada de políticos com sobrenomes que em nada lembravam os dos ´quatrocentões´. Apesar de certas resistências, jovens de origem imigrante, a maior parte bacharéis em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco, adentram na esfera da política oficial buscando uma legenda partidária pela qual se candidatar, fazem as suas campanhas e o próprio trabalho legislativo.
Pergunta-se o que levaria esses jovens a enfrentar um desafio contra estruturas consolidadas e dentro das quais têm de abrir caminhos. Deixando de lado as expectativas individuais, esses primeiros políticos têm a sua comunidade étnica de origem por trás, não apenas através do apoio, mas , sobretudo, do papel de representá-la diante da sociedade abrangente.
Este artigo segue a trajetória dos primeiros políticos de origem japonesa na política brasileira. Através de entrevistas com três deles e com a viúva de outro, procuramos conversar a respeito do trabalho legislativo nesse campo que os imigrantes começaram a trilhar. O objetivo é buscar, através de dados qualitativos, uma melhor compreensão de maneira como esses jovens políticos entendiam o seu papel diante da comunidade japonesa, das dificuldades (ou não) que enfrentaram no início de suas vidas legislativas.
A eleição de descendentes de japoneses foi um fato inusitado na política brasileira, não só pela presença recente desse grupo imigrante no Brasil, como também pelas diferenças que os marcavam, a começar pela aparência, pela língua e pela cultura. Recém saídos da guerra como derrotados, os japoneses no Brasil enfrentaram ainda o problema da ruptura interna da comunidade com a luta entre os que não se conformaram com a derrota do Japão e resistiam a ela, perseguindo os seus compatriotas acusando-os de antinacionalistas. A colônia japonesa, ao final da guerra, necessitava limpar sua imagem e a participação na política fazia parte de um movimento mais amplo, com esse intuito, a partir do início da década de 1950.
Yukishigue Tamura, João Sussumu Hirata, Yoshifumi Utiyama e Diogo Nomura são políticos cujas carreiras foram marcadas, no início, pela idéia de registrar para as autoridades brasileiras a presença dos japoneses como um etnia que, naquele momento , estava em vias de apagar a imagem de não-assimilável. Com a inserção na vida política, sinalizavam o interesse da comunidade em se engajar integralmente na vida do País. Para a comunidade japonesa, esses jovens desejavam demonstrar que era o momento de ganhar visibilidade social, de superar a atitude defensiva de até então, passando a usufruir de um canal legítimo de defesa de seus interesses.
Os quatro nomes foram selecionados por quatro razões, em primeiro lugar, porque eles se cruzam espontaneamente nas entrevistas, para exemplificar e dar relevo aos argumentos dos deputado entrevistado; depois, porque suas trajetórias, até a entrada na vida política, têm aspectos em comum; em terceiro lugar, porque suas carreiras políticas foram marcadamente desenvolvidas por um laço estreito com a colônia; e, por último, porque uma idéia de “missão” atravessa o discurso de todos eles.
O período a ser abordado cobre prioritariamente as décadas de 50 e 60, quanco ocorreram cinco eleições proporcionais nos níveis estadual e federal, como o intervalo regular de quatro anos. Esses vinte anos coincidem com o aparecimento dos primeiros deputados nipo-brasileiros e, também, com a formação de grupos, dentro da colônia, que visavam reorganizá-la e definir uma nova concepção sobre o imigrante japonês e sobre o Japão, como país diferente do período anterior à guerra.
A origem social de Hirata, Utiyama e Nomura não poderia ser considerada como a de filhos de imigrantes japoneses da época, eles são de origem relativamente abastada. O pai de Nomura, engenheiro, veio para o Brasil apoiar as famílias do Vale do Ribeira, destacando-se entre várias regiões do Estado de São Paulo, em função da sua profissão. Hirata e Utiyama vêm de famílias que já eram médias proprietárias de terras na década de 30. Isto equivale dizer que esses políticos não tiveram de apoiar os pais no trabalho agrícola, tendo condições para se dedicar exclusivamente aos estudos desde a infância. Tamura, por sua vez, vem de uma família que se fixou inicialmente na capital; portanto, teve oportunidades para se socializar num meio social mais complexo que o das colônias agrícolas do interior. Assim, esses políticos são filhos de imigrantes que apresentam um perfil socioeconômico diferenciado do perfil da grande maioria de seus compatriotas.
Os quatro deputados têm curso superior completo. Tamura se formou pela Faculdade de Direito em 1939, sendo o terceiro nipo-brasileiro a obter o diploma no Largo São Francisco, em São Paulo. Hirata e Utiyama se formaram também em Direito , em 1940 e 1949, respectivamente. Nomura formou-se em Odontologia pela Universidade de São Paulo, em 1945. São, portanto, representantes de uma elite intelectualizada que começava a se formar no interior da colônia. Na época, o curso superior era uma porta de entrada para a inserção em meios restritos aos membros das elites nacionais e a descendentes de imigrantes de famílias abastadas. A trajetória desses políticos até a faculdade possui, também, certas semelhanças; o empenho dos pais para fazê-los estudar, o ingresso em escolas brasileiras e, com exceção de Tamura, a mudança do interior para a capital.
O investimento dos pais japoneses nos estudos de um ou mais filhos, enviando-nos para a capital, era uma prática seguida por muitas famílias japonesas com posses. Hirata, Utiyama e Nomura têm trajetórias semelhantes nesse sentido. Moravam em pensões no bairro da Liberdade, mantidas por famílias japonesas, onde se procurava preservar a formação japonesa dos jovens. Nas imediações, havia a escola primária cursada por Utiyama e Nomura, que foram, inclusive, colegas de quarto. Tamura e Hirata, por sua vez, foram colegas do colégio católico São Francisco Xavier.
Hirata vem de uma família católica japonesa (o que não era muito usual) e Tamura se converteu, na infância, por influência de um padre jesuíta- o padre Guido Del Toro-, que teve papel importante na formação católica de muitas famílias japonesas no bairro da Liberdade. Mais tarde, o padre Guido auxiliou Tamura em momentos importantes de sua formação educacional e política. Católicos, Tamura e Hirata adotaram nomes ocidentais- Luís e João, respectivamente.
Os caminhos dos dois se cruzaram desde a juventude, já que freqüentavam os mesmos meios, compartilhavam de problemas comuns e de preparavam para um futuro que os diferenciaria ainda mais da média dos nipo-brasileiros da época. Foram colegas de futuros médicos, empresários e advogados que iriam exercer cargos de liderança no interior da colônia, especialmente a partir da década de 50. Também foram colegas de secundário de futuros políticos, como Carvalho Pinto e Jânio Quadros.
Ao ingressarem na faculdade, começam a se familiarizar com as grandes questões nacionais, especialmente porque, na época, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco era um locus de grande efervescência política. Havia diferentes grupos organizados em torno da discussão da política do Estado Novo. Sem se destacarem como lideranças, os estudantes nipo-brasileiros assistiram de perto as acaloradas discussões entre as facções , as passeatas e greves que marcaram o período. Hirata, por exemplo, foi amigo e colega de faculdade de Roberto de Abreu Sodré, ligado ao grupo que viria a formar a futura União DSemocrática Nacional (UDN), partido pelo qual o próprio Hirata se candidataria, desde a primeira vez. Nomura, desde o secundário, tinha opiniões próprias a respeito dos destinos do país. Era nacionalista em questões que marcaram época, como na defesa dos recursos do subsolo brasileiro, contra a interferência externa.
A questão do posicionamento dos descendentes de japoneses na sociedade brasileira era, também, um dos focos de preocupação desses jovens.Oriundos de uma etnia que na época sofria forte discriminação, eles foram se conscientizando de que, pela sua posição privilegiada diante dos outros japoneses, tinham algo a fazer por seus compatriotas. Entretanto, a tarefa não era simples, pois de ambos os lados- brasileiro e japonês-, havia pressões. Os japoneses da primeira geração, imbuídos da idéia de retorno ao Japão, sem pretender a integração , pressionavam os jovens a manterem as tradições japonesas, o que estava longe de seus interesses.
Nomura avalia a situação de tensão vivida por esse grupo: “É uma geração prensada entre duas culturas, a japonesa e a brasileira. A japonesa, através de seus pais, exigindo que eles fossem japoneses da gema, o espírito de samurai; e o espírito da cultura brasileira nacionalista da época […] naquela época falavam na cara da gente ´você precisa ser brasileiro´.[….] Nós tínhamos uma responsabilidade muito grande, porque para eles [os outros nipo-brasileiros] nós constituíamos, bem ou mal, um exemplo”. É nesse contexto que vai começando a se forjar uma idéia de “missão”. Fatos vivenciados pelos futuros políticos vão solidificando a idéia.
A guerra marca profundamente esses jovens. Apenas por serem descendentes de japoneses já eram suspeitos de serem da “quinta coluna”, possíveis espiões. Utiyama e Nomura, que dividiam o mesmo quarto na pensão, foram revistados porque houve uma denúncia de que, apesar da proibição, escreviam em japonês.,
Recém-formado em Direito, Tamura se deparou com a situação dos japoneses, italianos e alemães presos por suspeita de espionagem. Ele recorda que se tornou assíduo freqüentador das delegacias, onde defendia os direitos dos presos.
Relembra o caso de um japonês da primeira geração, cujo filho mais velho estava no Exército e o mais novo na força Expedicionária Brasileira (FEB). Discutiu então com o delegado, alegando injustiça de prender um pai cujos filhos estavam diretamente a serviço da Pátria. Convencido, o delegado mandou soltar todos os presos políticos daquela delegacia, mas encarcerou o advogado por dez dias.
Por outro lado, os nisseis (descendentes da primeira geração) procuravam se organizar, no sentido de marcar sua posição como membros da sociedade brasileira, apesar das discriminações que vinham sofrendo. Utiyama foi um dos fundadores da Associação Cultural e Esportiva de Piratininga, em 1949, organizada para traçar estratégias para “a gente se entrosar melhor com a comunidade em geral, não ficar adstrita à colônia japonesa”.
Em 1945, logo que chegou de Marília, o dentista Diogo Nomura viveu a situação de conselheiro da colônia local. A derrota na guerra foi utilizada por ele como o argumento principal para incentivar os pais para que valorizasse o trabalho e os estudos dos filhos. Lembra que foi procurado pelos japoneses mais velhos para intermediar o acesso junto as autoridades locais; “Inexistia na região algum nissei com curso universitário. O máximo que tinha era contador, ou coisa parecida (….)fui motivo de esperança dos nisseis mais velhos”. Como presidente de um clube esportivo da colônia, organizou grupos de nisseis, promovendo cursos de oratória e palestras, a fim de incentivar o entrosamento da colônia e a aproximação entre as gerações.
Nas biografias dos futuros políticos há sinais , desde a juventude, do despertar para um trabalho voltado para a comunidade. Tamura é muito enfático na sua avaliação para a escolha da carreira: enumera a necessidade de acabar com as injustiças, lutar pela liberdade e pelo direito. A política abriria a possibilidade de realizar esses objetivos.
A opção de Tamura pela política foi fruto de um idealismo que deixou de lado oportunidades, como a de fazer um curso de pós-graduação no Japão. Tanto Tamura, quanto Hirata, receberam convites para continuar seus estudos no Japão, assim que se formaram. O governo japonês investia na formação de pessoas que potencialmente pudessem defender os seus interesses diante da comunidade internacional.
Tamura recusou a bolsa de estudos porque temia a eclosão da guerra no Japão, isto em 1940. Em contrapartida, foi-lhe oferecido um emprego na embaixada japonesa no Brasil, também recusado. Alegou que o trabalho na embaixada deixaria de lhe dar uma visão mais próxima do povo. Seu idealismo conduziu-o à carreira de advogado “para cuidar do patrimônio do povo. Sou advogado para conhecer o sofrimento do povo. Na embaixada vou ser advogado de empresa”.
Hirata foi para a Universidade Imperial de Tóqui, permanecendo por dez anos no Japão, onde completou sua formação de Direito e trabalhou na NHK, a empresa estatal japonesa de rádio e televisão. Atravessou, portanto, todo o período da guerra fora do Brasil. A carreira profissional de João Sussumu Hirata no Brasil começou como consultor jurídico no consulado japonês em São Paulo, na Câmara de Comércio Japonesa e na Cooperativa Agrícola Bandeirante.
O INÍCIO DAS CARREIRAS
Interrogados a respeito do início de suas carreiras políticas, os entrevistados têm na memória as resistências que sofreram por serem filhos de japoneses:
-“Será que esse japonesinho vai dar conta? Será que ela sabe falar portugês?” (Nomura)
-“Havia muita pressão porque éramos simples filhos de imigrantes, e naquele tempo, era muito forte a noção de quatrocentão. Os quatrocentões tratavam a gente como filhos de imigrantes” (Utiyama).
-“Japonês quer agora tomar conta do Brasillll” (Tamura)
As pressões e resistências vêm de ambos os lados. De um lado, falando corretamente, os deputados se recordam do espanto que causavam nos comícios dos quais participavam. Por outro lado, também havia a resistência dos membros da colônia ao verem um descendente se candatando a cargo eletivo. Em primeiro lugar, porque não se tinha certeza de sua lehgalidade. Depois, havia o problema da língua: “Mas esse nissei vem pedir voto da colônia e sem sabe falar japonês? O que ele vai defender?” Tamura.
É nesse momento que a idéia de “missão” vem à tona. Para justificar a motivação que os impeliu para a vida pública, usam termos como “disposição” (Nomura), “idealismo” (Utiyama), “dom de serviço” (Tamura) e repetem a idéia de que sentiam a necessidade de fazer alguma coisa pelo bem comum e defender os interesses da comunidade japonesa.
Nas entrevistas, os deputados são unânimes em afirmar que nem todos os seus votos vieram da colônia. Acreditam, entretanto, que a maior parte teve origem entre seus compatriotas. A análise das planilhas de votação do TER (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo mostra quer a grande maioria dos votos veio da população de origem japonesa, pela votação maciça em distritos com grande concentração de nipo-brasileiros, como é o caso da Liberdade, da Aclimação, da Vila Mariana e do Butantã.
Deve-se destacar, ainda, uma dificuldade adicional na eleição de nipo-brasileiros: o pequeno número de votos possíveis dentro da colônia, pois o número de isseis era maior que o de seus descendentes brasileiros. Na avaliação de Tamura, havia meio voto por família em fins da década de 1940. Suas campanhas foram cansativas, porque foi necessário percorrer todo o interior de São Paulo. “Tinha japonês, mas voto não tinha , porque os japoneses não votavam”, conta Tamura.
No interior do estado, onde a presença de japoneses e descendentes era tão importante quanto na capital, a concorrência de candidatos de fora da colônia é também expressiva. Tamura, por exemplo, se defronta com a concorrência de candidatos como Manoel Ferraz, da Cooperativa Agrícola de Cotia, interventor na empresa durante a guerra; o major Silvio de Magalhães Padilha, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, e o coronel José de Lima Figueiredo, presidente da Rede Ferroviária Noroeste do Brasil, com sede em Bauru- sendo todos eles respeitados pela colônia por seu trabalho junto aos japoneses.
Cada um dos candidatos a deputa tem suas bases eleitorais ligadas, também, à sua atividade profissional: Nomura foi vereador em Marília (1951/1954) com o apoio dos dentistas; Utiyama, na época de sua primeira eleição em 1958, recebeu o apoio de funcionários e clientes do Banco América do Sul, onde era advogado; Tamura foi eleito com votos de pessoas que conheciam seu trabalho; e Hirata, pelas relações a partir do consulado japonês. Os dois últimos, com certeza, tiveram um apoio da colônia, já que foram os primeiros.
A questão da concorrência entre os candidatos nipo-brasileiros é reinterpretada de formas opostas. Nomura enfatiza o clima de camaradagem que havia entre eles, lembrando que saíam juntos para fazer campanha. Ele e Hirata, muitas vezes, dividiram o mesmo carro para percorrer o interior. Utiyama também segue esse raciocínio. Para esses candidatos, a campanha eleitoral tomava um aspecto meio festivo, apesar de terem claro que eram concorrentes entre si.
Tamura, por sua vez, aponta problemas mais concretos. Na sua avaliação sobre as possibilidades reais de cada um, recorda-se das eleições de 1954, que coincidiram com o suicídio de Getúlio Vargas, Hirata e ele eram candidatos a deputado estadual. Com o apoio de Abreu Sodré e da UDN, Hirata tinha grandes possibilidades de se eleger. Resolveu então, de última hora, concorrer a deputado federal. “Se houver eleição, vou sair da área estadual para a federal. Deixo o Hirata livre, para cada um concorrer numa faixa, e como são duas eleições diferentes, ele pode ser eleito. A minha será difícil, mas ele será eleito. Estou dizendo com sinceridade. Sodré e Hirata eram muito amigos. Eu tinha ciúmes dele (Hirata), ele queria me derrubar. Quando desisti, ele achou que estava eleito”- como, de fato o foi, relata Tamura.
Para deputado federal, o já citado coronel Lima Figueiredo, também era candidato. Tamura e ele pertenciam ao PSD, cujo candidato a governador era Prestes Maia. Houve ainda uma crise interna no partido, porque certamente haveria disputas por votos dentro da região da Alta Paulista (Marília, Tupã), também em Lins. Enfim,acabaram aceitando a candidatura de ambos. No final, Tamura se elegeu e o coronel não. Em todo processo, Tamura destaca o peso que sentia por ser descendente de imigrantes japoneses: “Eu sofri muito o impacto emocional e psicológico por ser japonês”. O estranhamento com a presença de um descendente de japoneses na política , passados todos os episódios das décadas anteriores, envolve uma reação que não é exteriorizada abertamente, de que o país não é mais uma nação formada só por brancos. “O que eles (os grupos tradicionais) queriam era a imagem do japonesinho puxando enxada”, conta Nomura.
Tanto para os japoneses, como para outros grupos imigrantes, percebe-se que a colônia demonstra certa desconfiança com seus candidatos na primeira eleição. Nas eleições seguintes, a partir do momento em que o político se mostra apto para exercer sua função, o clima muda. O apoio vem naturalmente, pelo orgulho da colônia em ter um representante junto aos círculos do poder.
Entre os japoneses, citam os entrevistados, criam-se redes de apoio nos candidatos, através da participação das figuras consideradas proeminentes no local- membros da diretoria da associação japonesa, fazendeiros, empresários, etc. –que reúnem em suas casas pessoas capazes de divulgar a campanha. Isto vale, especialmente, para as cidades do interior, onde as figuras de projeção exercem uma grande influência sobre a opinião da colônia local. Cada candidato tem, assim, as pessoas a quem deve procurar em cada cidade para acionar a rede de apoio à sua candidatura. Todos esses acontecimentos envoltos num clima de festa, ocasião para se oferecer um churrasco e convidar um grande número de pessoas, atestando o prestígio do anfitrião e assegurando ao candidato o cálculo possível de votos na região. Por isso, quando indagados sobre os resultados eleitorais, conseguem apontar, aproximadamente , a origem da votação que obtiveram.
Os primeiros deputados nipos brasileiros no Brasil realizaram suas campanhas acionando recursos próprios, com a ajuda de parentes próximos e de poucos amigos. Utiyama se recorda que dispunha de 3 mil e poucos contos para eleição de 1958, percorrendo o interior de São Paulo em busca de votos dos nipo-brasileiros. Tamura ganhou prêmios em sorteios do sistema de poupança da época, a capitalização. Com esse dinheiro, fez as campanhas de 1947, para deputados constituinte de São Paulo (derrotado por 500 votos), e a campanha de 1950, quando foi eleito deputado estadual.
Além dos parcos recursos para a campanha, havia, também, a dificuldade de obter legenda nos partidos da época. Pouco prestigiados socialmente, exceto pelo diploma de bacharel em Direito- e apesar de que “as faculdades de Direito eram consideradas ante-salas da Câmara”– , os descendentes de imigrantes japoneses tiveram que transpor o obstáculo de se lançar a um campo praticamente fechado a quem não pertencesse à elite paulista. Era com a intermediação de outras pessoas que obtinham lugar nos partidos.
“Fui barrado no PSD. Nenhum partido queria me receber” afirma Tamura. O padre Guido Del Toro intercedeu para que o jovem postulante a deputado conseguisse uma legenda para se candidatar. Foi assim que Tamura se candidatou a deputado estadual pelo PDC, que na época era um partido satélite da UDN. Utiyama obteve sua legenda no PST através do colega de faculdade, Ubirajara Keutnedjian, dirigente do partido. Nomura sai candidato pela primeira vez pelo PR, por sua ligação com Laudo Natel, que iniciara sua carreira profissional na cidade de Marília. Hirata é o único que se lança por um partido maior, a UDN, graças à sua amizade com Roberto de Abreu Sodré na Faculdade de Direito. Após a primeira legislatura, já tendo seus nomes consolidados, conseguiam se candidatar por legenda mais importantes. Tanto Tamura, quanto Utiyama , passaram para o PSD quando de suas reeleições.
As dificuldades não se restringem às campanhas ou à busca por uma legtenda. Há desconfiança em outras esferas, como narra Tamura, que teve a sua inscrição barrada para a Escola Superior de Guerra (ESG) por dois anos consecutivos. Somente com a intervenção do presidente Juscelino Kubitschek consegue se matricular. Lembra que seu instrutor era o general Castello Branco, “que via com olho torto os japoneses”.
Os outros negam que tenham sofrido qualquer tipo de tratamento diferenciado dentro da Assembléia ou da Câmara, mas fica evidente que são minoria diante dos colegas. Utiyama se recorda de Fauze Carlos, de origem sírio-libanesa, como o único outro filho de imigrantes, em sua primeira legislatura, em 1958. “No meio dos compatriotas, eu esqueço a minha face, esqueço que tenho essa cara. Porque eu estou lá conversando com baiano, eles também nunca me jogam isso na cara. Brincadeira existe, ´japonês”, ´turco´, eu também chamo o outro de ´cabeça chata´, ´baiano´, mas isso é no âmbito da amizade: não, nesse aspecto eu sou um peixe dentro d´água na sociedade brasileira…”, afirma Nomura.
Paralelamente, há também a necessidade de conquistar a confiança dos membros da colônia. Tamura aponta dificuldade de não falar japonês, em sua primeira campanha para deputado estadual. Nomura também destaca esse ponto: “Eu sinto dificuldade de transitar no seio da colônia japonesa. No seio da colônia, eu preciso pensar. Eu falo japonês razoavelmente, mas não sei como é que eu posso me dirigir às atividades importantes da comunidade. Eu posso chamar o presidente da República de você, o meu motorista de você”, diz Nomura.
A missão de “elevar o nome da colona”, tantas vezes repetida nas entrevistas, demonstra que era necessário consolidar a unidade interna da comunidade japonesa e, para isso, era necessário também abrir caminho na sociedade brasileira. Na trajetória política dos quatro deputados há uma nítida tendência em direção a esses dois lados da questão. A política foi instrumento para um trabalho continuado, tanto que Tamura e Nomura tiveram longas carreiras; Hirata seguiria o mesmo caminho, se não fosse sua morte em um acidente automobilístico, durante a campanha para as eleições de 1974. Somente Utiyama desistiu da política, ao não ser eleito para deputado federal, em 1966. Segundo a avaliação de Nomura: “acho que ele se situou bem como diretor do Banco América do Sul. Ele não é do tipo de se espalhar, ele é mais tipo administrativo. Então, acho que ele acertou na vida. A experiência dele foi breve”.
O TRABALHO LEGISLATIVO
Uma vez eleitos, os deputados passam por uma fase de adaptação a suas novas tarefas. Em sua entrevista, Tamura recorda que, quando foi eleito deputado federal pela primeira vez, em 1954, rezava insistentemente a oração de São Francisco de Assis, para pedir inspiração pra projetos que pudesse apresentar na Câmara.
Na realidade, os objetivos que os haviam levado a se candidatar estavam claros. Entretanto, como executar a tarefa de “elevar o nome da colônia” num ambiente pouco conhecido, no qual defender os interesses de uma minoria étnica ainda era um campo totalmente aberto à iniciativa de cada um?
À medida que o tempo passava e eles participavam das comissões na Assembléia- inicialmente as de agricultura e economia-, iam surgindo oportunidades para cumprirem a tarefa que se haviam proposto. Também começam a ser procurados por representantes da colônia, para que defendessem seus interesses. São apresentados projetos voltados para a agricultura e para os hortifrutigranjeiros, áreas de atuação dos japoneses e há também projetos localizados. Utiyama, por exemplo, consegue , através de um convênio com o governo japonês, a criação do Centro de Desenvolvimento do Vale do Ribeira (Cedaval), para o aproveitamento das várzeas na produção agrícola. Trabalha também em prol da região de Marília, aprovando a criação da Faculdade de Medicina de Marília e da Faculdade de Filosofia de Pereira Barreto, além de fazer de Marília a sede de uma das regiões administrativas do Estado de São Paulo; Hirata também participa de comissões voltadas para a agricultura.
O trabalho de Tamura é mais audacioso: tão logo se elege, inicia uma discussão em torno da retomada dos bens de italianos, japoneses e alemães confiscados durante a guerra. Como se comentou anteriormente, a guerra interrompera os empreendimentos dos imigrantes provenientes de países do Eixo, desestruturando os esquemas até então desenvolvidos. Tamura empreende uma luta que dura de 1948 até 1951, argumentando que esses bens pertenciam aos filhos de brasileiros, dos imigrantes e que o confisco era um prejuízo para os interesses nacionais. Em 1951, Getúlio Vargas libera os bens.
Outro projeto de Tamura, que fez parte de sua plataforma de campanha, era a criação de uma escola em cada uma das capitais do País, sendo que a primeira seria a do Páteo do Colégio local, local da fundação da cidade de São Paulo. Com a proximidade das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo (1954), Tamura aproveita a oportunidade para propor a reconstrução daquele monumento histórico. Consegue a aprovação de Lei nº 2.658 de 1954, devolvendo o Páteo do Colégio aos padres jesuítas, que por sua vez se encarregariam da execução do projeto, com a construção da Casa de Anchieta e do Museu colonial. Segundo suas memórias, a aprovação da lei foi um processo árduo. Lembra que sofre resistências dos protestantes, dos maçons e também dos próprios católicos, que não viam com bons olhos um filho de imigrantes, japonês, ser o autor de um projeto histórico ligado às tradições católicas e paulistas. O projeto foi aprovado na Assembléia, mas a execução das obras não ocorreu de imediato.
A trajetória política de Tamura é longa: são 30 anos de mandato cumpridos, divididos entre 10 anos como vereador em São Paulo, quatro como deputado estadual e 16 como deputado federal, cassado em 1969. Seu último mandato terminou em 1981, como vereador. Nesses anos todos, o deputado desenvolveu trabalhos voltados, também, para os interesses da colônia japonesa. Ele relaciona, por exemplo, sua interferência junto ao Banco do Brasil para obter financiamentos para a compra de terras a um grupo de arrendatários de Mogi das Cruzes; a defesa dos interesses dos plantadores de batatas, de algodão, dos criadores de bicho-da-seda e das cooperativas.
Cartas de recomendação, “bilhetinhos” e telefonemas aos conhecidos dentro de órgãos públicos, além de pedidos de emprego, fazem parte da rotina dos parlamentares. Diogo Nomura é o único dos entrevistados que declara abertamente usar desses recursos para ajudar as pessoas que o procuram. É o que denomina de ´varejo´do trabalho de homem público. . Não nega que a influência de seu cargo abre portas para os que procuram. “Miudezas da vida são de natureza humana. Eu faço isso, desde a miudeza até as grandes”, declara.
Entre as “coisas grandes” de que fala Nomura estão, certamente, as missões internacionais dos parlamentares nipo-brasileiros. Todos eles, em suas biografias, enumeram viagens ao exterior com grande destaque. Pelo fato de serem descendentes de japoneses, suas viagens foram predominantemente para o Oriente. São missões estaduais e federais, que tiveram o intuito de fortalecer laços diplomáticos, econômicos e tecnológicos com o Japão.
Nomura, cuja carreira é a mais longa, participou de inúmeras viagens ao Japão,sendo o primeiro descendente de japoneses a discursar da Dieta japonesa (Congresso Nacional japonês). Acompanhou o presidente Ernesto Geisel em sua visita oficial ao Japão e participou de projetos de intercâmbio com o Japão.
Tamura teve um papel importante na implantação da Usiminas- Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais, desde as primeiras conversações, até a inauguração da usina em Ipatinga, em 1958. A participação financeira, em torno de U$ 100 milhões, e tecnológica japonesa foram fundamentais para sua realização. O deputado participou de conversações em torno da substituição da ajuda financeira francesa pela japonesa, da escolha local e do montante da ajuda japonesa ao projeto. De início, a injeção do capital japonês ocorreria na Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), mas o projeto foi vetado pelo governador Jânio Quadros. Desde então, a criação de uma indústria siderúrgica em Minas Gerais começou a receber apoio aberto do presidente Juscelino , mineiro. “Meus pais, os pais de todos os imigrantes, já fizeram a história da imigração japonesa no campo da lavoura, da agricultura, nós agora vamos fazer a segunda parte da imigração japonesa, no campo da indústria”, afirma Tamura. A repercussão desse trabalho junto à Usiminas elegeu Tamura a deputado federal com mais de 50 mil votos.
O crescimento econômico e tecnológico do Japão no cenário mundial, a partir da década de 1960, dá visibilidade ao trabalho legislativo dos deputados nipo-brasileiros. São sempre solicitados e consultados sobre projetos ligados aos interesses do Brasil com o Japão. Os deputados nipo-brasileiros, por sua vez, recebem especial deferência do governo japonês, tal como havia ocorrido com os primeiros bacharéis. A intermediação de descendentes de japoneses nas conversações são bem vistas por ambas as partes. Para a colônia aqui residente, esses trabalhos de caráter internacional, divulgados através da imprensa nipo-brasileira, são particularmente valorizados. A idéia de que os nipo-brasileiros têm laços com um país que estava começando a fazer parte do Primeiro Mundo e de que os parlamentares representantes da etnia têm um papel importante na aproximação com o Japão, certamente teve repercussões no interior da colônia e na carreira desses parlamentares.
ELEVAR O NOME DA COLÔNIA
A “missão” a que se propunham os primeiros deputados nipo-brasileiros é paralela a uma ampla campanha da comunidade japonesa no Brasil para “elevar o nome da colônia”, após os acontecimentos das décadas anteriores. A estratégia adotada para cumprir esse objetivo consistiu em promover eventos e organizar instituições que pudessem reunir os japoneses e seus descendentes. O objetivo era procurar reunir a comunidade e, ao mesmo tempo, divulgá-la para a sociedade como um todo. Era necessário mostrar as brasileiros que os japoneses formavam um só corpo, bem como ressaltar suas peculariedades: o japonês é portador de uma tradição cultural milenar e seus usos, costumes e idioma são muito particulares. A direção, portando, era resgatar os valores culturais do país de origem, de modo a que os próprios descendentes pudessem conhecer sua cultura, muito diferente da ocidental, e ter orgulho de ser herdeiros dela.
A década de 1950 foi marcada por dois eventos significativos para a colônia japonesa no Brasil: a comemoração dos 50 anos do início da imigração (1958) e as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954. A partir da iniciativa de isseis, e contando com a colaboração de nisseis, surgiram agremiações como a Sociedade Paulista da Cultura Japonesa (em 1955, que, mais tarde, em 1968, se converteu na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa); a Aliança Cultural Brasil-Japão (1955); a Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo (1959), as Associações de Província; a Federação das Escolas de Língua Japonesa (1954); o Centro de Estudos Nipo-Brasileiros (que funcionava desde 1947), além de associações profissionais, como a dos tintureiros e a dos feirantes. Nota-se a diversidade de interesses e áreas nas quais os japoneses e seus descendentes procuraram se agrupar, oferecendo também aos brasileiros a oportunidade de conhecer melhor a cultura de seu país de origem. Na década de 1950, também foram fundados três jornais em língua japonesa.
Assim, o papel dos primeiros políticos nipo-brasileiros pode ser entendido como parte de um mecanismo amplo, que ultrapassava os limites do trabalho legislativo. No conjunto, foram peças importantes para a tentativa de unificação da colônia. Suas presenças eram requisitadas para os eventos, eles foram intermediários nas demandas da colônia, além de se destacarem para o maior entrosamento do Brasil com o Japão.
A partir da década de 50, a colônia japonesa passa a ganhar uma visibilidade diferente daquele das décadas anteriores. A imagem positiva que os brasileiros têm hoje em relação aos nipo-brasileiros é em parte fruto de uma estratégia conjunta das lideranças da colônia (onde se incluem os parlamentares), no sentido de “limpar” sua imagem diante da sociedade mais ampla, com nítida tendência a acentuar os traços de trabalho, esforço e sucesso. Utilizam o argumento de que são tão brasileiros quanto todos os outros. Os políticos abrem um caminho nessa direção. Mais tarde, outras atividades públicas consideradas estratégicas para os destinos do País, como a magistratura, a universidade etc., recebem nipo-brasileiros em seus quadros. A participação dos políticos nesse processo, enfrentando as dificuldades descritas, procurando cumprir sua “missão”, não pode ser desprezada. Eles são uma ponte e uma das bases de sustentação para a passagem de uma etapa para outra, nesse período de mudanças radicais no conjunto da história da imigração japonesa no Brasil.
Célia Sakurai,do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Universidade de Campinas (NEPO/UNICAMP)
happy wheelsmaio 09, 2023 0
dez 10, 2020 0
nov 28, 2020 0
abr 28, 2020 0