ago 29, 2018 Air Antunes Angatuba 0
No início de 2008 a prefeitura de Angatuba, na administração do prefeito José Emílio Carlos Lisboa, adquiriu um piano vertical da marca C. Bechestein fabricado em 1914, uma raridade. De madeira de qualidade com bonito verniz, o piano foi afinado assim que chegou ao extinto Espaço Cultural e naquele mesmo ano foi usado em apenas duas ocasiões. Não havendo a possibilidade de bom abrigo naquele local o requintado instrumento foi levado para a chamada “Casa da Banda”, o mesmo local em que a banda de música ensaiou até por volta do início deste ano, e ali ficou nas duas gestões anteriores sem ser usado e ainda passível de sofrer as ações de traças e cupins, mas acabou resistindo pela qualidade de sua madeira até que nesta semana foi transferido para a Casa da Cultura. Quanto a marca do piano, a C. Bechestein tem uma história que começou em 1853, conforme o discorrido na matéria que segue embaixo produzida pela Deutsche Welle-DW-, empresa pública de radiodifusão da Alemanha para seu site em idioma português.
Em 1853 Carl Bechstein fundou sua fábrica de pianos em Berlim. Após 150 anos de glórias e derrotas, a empresa renasce, pronta para conquistar o mercado mundial. Mas sem perder o idealismo.
“Só se devia escrever música para o Bechstein”, afirmava o compositor francês Claude Debussy (1862–1918). E o romântico Franz Liszt (1811–1886) declarou um instrumento dessa mesma marca como seu “piano para toda a vida”. Ao longo de mais de 150 anos, inúmeros compositores e virtuoses – dentre eles também Richard Strauss, Edvard Grieg e Béla Bartók – têm agradecido ao mestre do som e da técnica, em dedicatórias e cartas pessoais.
Bechstein, Blüthner, Steinway. Mesmo quem jamais tocou piano conhece o nome desses fabricantes. Todos com fama mundial, todos originários da Alemanha, mas cada um com uma história totalmente diversa. Heinrich Engelhard Steinweg emigrou em 1850 para Nova York, lá fundando a firma Steinway and Sons. Julius Blüthner abriu sua fábrica em 1853, em Leipzig. Em 1972, ela foi declarada pelo regime comunista da RDA “empresa do povo”, ou seja, expropriada.
Karl Schulze, atual proprietário da C. Bechstein Flügel & Klaviere, explica a estratégia de seu antecessor: “Carl Bechstein não era apenas construtor de pianos, mas também um bom homem de negócios. Ele soube, no diálogo com os compositores e muitos pianistas, descobrir que tipo de ferramentas eles precisavam.”
Liszt, um dos músicos mais virtuosos e mais dinâmicos de seu tempo, foi responsável por boa parte do sucesso da marca: “Ele que havia, literalmente, destroçado diversos instrumentos dos concorrentes, encontrou no Bechstein um piano que não só resistia à sua maneira dinâmica e poderosa de tocar, como também o satisfazia do ponto de vista sonoro”, comenta Schulze.
Por volta de 1890, a firma é uma das líderes mundiais do ramo: 1100 funcionários produzem cinco mil instrumentos por ano. Porém, com a morte do fundador, em 1900, anos difíceis se anunciam. Helene Bechstein, nora de Carl, idolatra o jovem Adolf Hitler, e nos anos 20 o introduz na alta sociedade de Berlim e Munique.
Coalizão infeliz- Essa fatídica aproximação não trouxe qualquer vantagem para a empresa, na forma de subvenções ou de encomendas especiais. Pelo contrário: a casa da família em Obersalzberg foi simplesmente confiscada pelo regime nazista. E, como ocorria com o resto da indústria nacional, suas fábricas foram “recrutadas” para a produção de material bélico, neste caso, motores e ataúdes.
Após a Segunda Guerra Mundial, pouco sobrou das instalações da Bechstein em Berlim. O processo de desnazificação implicou a perda de diversas filiais. Somente após 1948 ela voltou a ter a permissão de realizar reformas completas em instrumentos usados ou danificados, e apenas dois anos mais tarde pôde construir pianos novos. Retornar ao esplendor de antes era quase impossível, já que no meio tempo a Steinway, a “vencedora” imaculada, dominava o mundo pianístico.
Como a fênix das cinzas- Na década de 70, quase simultaneamente à estatização da Blüthner no Leste, a família fundadora da Bechstein entregava os pontos em Berlim Ocidental: a empresa foi incorporada pelo grupo norte-americano Baldwin Piano and Organ. Quando, em 1986, o conglomerado decide livrar-se da fábrica de pianos berlinense, Karl Schulze, na época com 38 anos, vê aí sua grande chance. O mestre construtor de pianos e administrador de empresas natural de Oldenburg vence a concorrência, conseguindo convencer os bancos da solidez de seus planos.
Suas metas eram realistas, mas nem por isso menos ambiciosas: Schulze pretendia nada menos do que restituir à marca sua fama internacional, conquistando com ela a Europa, Ásia e América. “Com um olho que ri e outro que chora”, ele vê a queda do Muro de Berlim em 1990. Alegria pela unificação da Alemanha, mas também apreensão, pois produzir em larga escala em Berlim nem era visto com bom olhos pelo governo, nem praticável, devido ao aumento dos custos.
Em 1992, a C. Bechstein compra da sociedade fiduciária, por 100 mil marcos (pouco mais de 50 mil euros), a fábrica saxã Zimmermann, com a única condição de manter seus 100 postos de trabalho por cinco anos, e de, nesse mesmo prazo, lá investir o equivalente a 2,5 milhões de euros.
Mais uma vez o talento administrativo de Karl Schulze se comprovou: 12 anos e 15 milhões de euros mais tarde, a Bechstein contava no final de 2004 com 200 funcionários na pequena fábrica de Seifhennersdorf – um lugarejo no Oberlausitz, a 800 metros da fronteira tcheca. A modéstia desta fábrica de pianos é apenas aparente, pois na realidade é a mais moderna de todo o país.
Perfeição computadorizada e trabalho manual-A construção de um piano exige tempo: desde os primeiros talhos até que um desses nobres instrumentos chegue às lojas, transcorre quase um ano. As diversas madeiras do móvel precisam ser coladas camada por camada, com longos períodos de espera para descanso e secagem.
Máquinas de polimento cuidam do brilho perfeito, outras perfuram com precisão milimétrica o cepo metálico. Esta parte, que recebe as cravelhas onde as cordas ficam presas, tem que suportar uma tensão de até 18 toneladas, após ser afixada ao corpo de ressonância.
Um piano de cauda possui cerca de dez mil peças. Para além da precisão computadorizada e da perfeição maquinal, a construção de pianos exige muito trabalho manual, insubstituível nos pequenos ajustes e na afinação. Assim, por dia, não mais do que oito pianos de armário e dois de cauda deixam os galpões de Seifhennersdorf.
Tino comercial e idealismo- Schulze continua perseguindo com sucesso seu intento de restituir a antiga glória à C. Bechstein, que no ano passado alcançou um faturamento de 25,6 milhões de euros. Em 1996 foi transformada em sociedade anônima, distribuindo três anos mais tarde os primeiros dividendos.
A firma está bem situada no mercado europeu. Porém este representa apenas 6% das vendas de pianos em todo o mundo: os grandes mercados atuais situam-se na América e Ásia. Lá são vendidos, respectivamente 100 mil e 220 mil instrumentos por ano, contra 30 mil na Europa.
Assim, em dezembro 2002 Schulze fechou uma aliança por troca de ações com o conglomerado coreano Samick, que lhe abre novas perspectivas de negócios com a América e sobretudo com a China. Para o proprietário da Bechstein, as perspectivas são claras: construir uma fábrica em Xangai, exclusivamente para suprir o mercado chinês. E, nos próximos três a cinco anos, garantir uma fatia de 20% desse mercado, não só para a Bechstein, como para todos os produtos do grupo Samick.
O que a C. Bechstein tem de especial? Talvez o fato de – apesar de toda a ambição e tino comercial – seu proprietário continuar fiel aos princípios do fundador dessa fábrica alemã: ser nada menos do que o piano favorito das elites pianísticas, e assim conquistar os palcos do mundo. Como há 150 anos.
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