out 03, 2016 Air Antunes Politica 0
MARLI GUIMARÃES HAYASHI
Recém-chegado da Argentina , onde esteve exilado por sua participação no movimento constitucionalista de 1932, Adhemar de Barros fora convidado pelo general Ataliba Leonel para candidatar-se a deputado estadual na Constituinte de 1934. A proposta foi feita por intermédio de seu tio, José Augusto de Resende, chefe do Partido Republicano Paulista (PRP) na seção de Botucatu. A resposta de Adhemar foi dada três meses depois, com a condição de que, após a eleição , deixaria o cargo para continuar exercendo a profissão de médico. No dia 14 de outubro de 1934, Adhemar de Barros, foi dentre os sessenta eleitos, o 17º deputado mais votado. Coube às Assembléias Constituintes dos Estados eleger os governadores, os representantes dos Estados no Senado Federal e elaborar , num prazo máximo de quatro meses, as respectivas Constituições para, logo depois, se transformarem em Assembléias ordinárias.
Desconhecido e novato na política, Adhemar de Barros não teve uma atuação de grande destaque no Legislativo paulista, entretanto, alguns jornais da época afirmavam que sua presença naquela Casa era uma constante ameaça à habitual calmaria:
“Trazendo o recinto numa verdadeira ´roda viva´, anavalhando sem dó nem piedade erros e falhas dos detentores do poder, lancetando os abcessos políticos que os homens do governo cultivam no organismo combalido da administração pública, o Sr. Adhemar de Barros, lançando o terror por toda a parte, só se salva (….) pelas imunidades que a deputação lhe outorga. Não fosse isso, e esse brioso paulista, médico, aviador e gentleman, seria considerado, pelo nosso Inteligence Service, como um perigo social de atividades permanentes.”
Nascido em Piracicaba no dia 22 de abril de 1901, Adhemar Pereira de Barros era filho de Antônio Emídio de Barros e de Elisa Pereira de Barros. Formou-se na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro em 1923 e, no ano seguinte, começou a residência médica na Faculdade de Medicina de Berlim. Na Europa também fez cursos de pilotagem, recebendo o brevet de piloto civil. De volta ao Brasil em 1927, casou-se com Leonor Mendes de Barros, com quem teve quatro filhos.
Na condição de ex-particpante do movimento de 1932, Adhemar aproveitou a tribuna para prestar homenagens aos aviadores Josê Ângelo Gomes Ribeiro, Mário Machado Bittencourt e Artur da Mota Lima Filho. O( deputado participou da criação do projeto de lei nº 34, que autorizava o Poder Executivo a colocar, na praia do Guarujá, uma placa de bronze comemorativa, Ribeiro e Bittencourt ali morreram no dia 22 de setembro de 1932, e Lima, após retornar do exílio.
Em setembro de 1937, dois outros constitucionalistas foram homenageados: o promotor público de São Manuel, Orlando Sá Cardoso de Oliveira, falecido em São Paulo no dia 29 daquele mês, e o major Adherbal de Oliveira, falecido no dia 15. Dois anos antes, Adhemar de Barros protestou contra atos abusivos do governo em relação ao major, que teria tido sua casa invadida por investigadores e um delegado, sendo interrogado com sua família por mais de uma hora. A violência do ato causou revolta ao deputado porque o major era cego, levando-o a fazer pesadas críticas ao presidente Getúlio Vargas e ao governador do Estado, Armando de Salles de Oliveira.
Em 1933, Adhemar retornou do exílio por sua participação na revolução constitucionalista de 1932. Armando Salles Oliveira, naquele mesmo ano, foi nomeado pelo presidente Vargas, interventor em São Paulo. Em julho de 1935, elegeu-se governador do Estado. As críticas do deputado perrespista a Vargas e a Salles Oliveira não ficaram restritas ao episódio do major Adherbal de Oliveira. Ele declarou que a revolução de outubro de 1930 se apossara das instituições democráticas, destruindo a Constituição sob o pretexto de que estava sendo desvirtuada. Segundo Adhemar de Barros, esse golpe visava “exclusivamente a conservação do poder, objetivo único que tem animado, até agora, o Sr. Getúlio Vargas, na sua calamitosa trajetória pelas regiões governamentais”.
A busca da autonomia de São Paulo não foi o único objetivo da revolução de 1932. O movimento, prosseguiu o deputado Adhemar de Barros, também procurou libertar o Brasil de uma política pautada pela desorientação, insinceridade e mau uso do dinheiro público. Nesse sentido, fez uma série de acusações contra a administração de Armando de Salles Oliveira. Dentre outras denúncias, afirmou que Salles Oliveira estava utilizando a estrutura governamental para sua campanha à Presidência, acusou-o de criar cargos bem remunerados para beneficiar amigos e correligionários e de fazer obras “desnecessárias, improdutivas e voluptuárias”, o que estaria causando um orgia financeira no estado.
Na sua avaliação, o governo de Armando Oliveira procurava demonstrar sua solidariedade a Vargas, perseguindo perrebistas, mesmo estes o tendo apoiado para a interventoria. A censura sobre o Correio Paulistano, órgãodo PRP, era um exemplo. O jornal foi proibido de reproduzir um artigo do Diário de Norícias, do Rio de Janeiro, que fazia críticas à posição de O Estado de São Paulo a respeito da minoria da Câmara. O jornal paulista afirmou que esse grupo estava “tangenciando, chicameando, tegiversando e, por isso, parece que não quer dar ao governo os meios excepcionais que a maioria pretende oferecer-lhe”. Para o deputado, a proibição era de interesse comercial, pois na capital federal, onde a censura era forte, a polícia autorizou a publicação. E também lembrou que o jornal O Estado de S. Paulo pertencia à família do Governador Salles Oliveira”
Outro episódio envolvendo a imprensa mereceu um dscurso do deputado Adhemar de Barros na tribuna. Na tarde de 25 de outubro de 1930, um grupo de populares atacou, depredou e incendiou as dependências do jornal A Gazeta, destruindo o local e o maquinário. As policias civil e militar do Estado estariam a poucos metros da sede do jornal e nada fizeram para impedir a depredação. Houve um processo e o Estado foi condenado a pagar uma indenização para o periódico. Adhemar chamou de “heresia jurídica” a postura do procurador-geral do Estado, que teria elogiado a ação popular, pois, em sua opinião, o jornal de Cásper Líbero fizera jus à revolta, uma vez que defendia o governo deposto”.
Irregularidades administrativas-Adhemar de Barros fez uma série de denúncias de irregularidades administrativas ocorridas em São Paulo e em outros municípios do interior. Num discurso feito na 120ª Sessão Ordinária, em 2 de dezembro de 1935, ele acusou a prefeitura paiulistana de contratar novos funcionários com salários maiores do que aqueles que estavam na mesma função há mais de vinte anos e que foram afastados. O deputado do Partido Constitucionalista (PC) e assessor da prefeitura, Paulo Duarte, rebateu a acusação , alegando que os funcionários afastados exerciam a função de fiscais e não foram substituídos por gente contratada, mas por funcionários efetivos , comissionados com uma gratificação; e os que já exerciam a função continuariam ganhando o mesmo salário. A substituição era uma medida moralizadora da prefeitura e, se havia por parte dos fiscais reclamações por não poder viver do salário, era porque a nova situação os impedia de receber suborno. O curioso desse episódio foi a aprovação recebida por Paulo Duarte de muitos membros do PRP, inclusive de seu líder, Cyrillo Júnior.
Vereadores de cidades interior endereçavam cartas a Adhemar para que ele divulgasse , na Assembléia, as irregularidades cometidas pelos prefeitos. Uma dessas cartas foi enviada por vereadores de Porto Feliz, revelando as atitudes despóticas do prefeito Eugênio Euclides Pereira da Mota. Ele era acusado de criar o cargo de diretor da Secretaria da Câmara e de contratar um advogado, ambos com um salário acima da média; de demitir um antigo funcionário do Matadouro Municipal indevidamente; de não destinar 10% da renda do município para a área da educação; de gastar além do previsto no Orçamento, sem que obras de melhorias fossem feitas; de não repassar as verbas da Santa Casa e de proibir que os habitantes de Porto Feliz se mobilizasse para arrumar as ruas da cidade que se encontravam em péssimo de estado de conservação. O deputado do PRP mostrou-se indignado com a situação, sobretudo depois que seu colega, o deputado Alarico Caiuby, do PC, qualificou as denúncias de “apaixonante questiúncula, tão do agrado de certos paladares” e procedeu à leitura de defesa do prefeito. Baseado em artigos publicados na Folha de Porto Feliz e em ofícios da Câmara Municipal, Adhemar retornou o caso com novos documentos comprobatórios e questionando a defesa feita por Caiuby”.
Em outra correspondência encaminhada a Adhemar de Barros, cidadãos e políticos relataram as arbitrariedades do prefeito do município de Sapezal. Na opinião do deputado do PRP, as irregularidades ocorriam em cidades onde imperava a supremacia do partido situacionista, ou seja, do Partido Constitucionalista. Isso porque , de acordo com as denúncias, os vereadores eleitos pela legenda “União Dr. Armando Salles de Oliveira, pró-Conceição do Monte Alegre” teriam arbitrariamente mudado a sede do município de Sapezal para o distrito de Conceição de Monte Alegre, realizando as sessões nas sedes dos municípios, em cujo prédio da Câmara Municipal foram todos os vereadores empossados. Como se não bastasse, acrescentou Adhemar, o prefeito não comparecia ao gabinete havia sessenta dias; toda arrecadação de Sapezal era empregada em Conceição de Monte Alegre e os avisos e recibos de impostor tinham o timbre da “Câmara Municipal de Conceição de Monte Alegre”. Ao finalizar as denúncias na tribuna, o deputado pediu a abertura de uma sindicância por parte da Assembléia”.
Ele também participou da elaboração de um projeto que negava empréstimos a prefeituras do interior. O projeto foi apresentado em dezembro de 1936 e anulava a lei nº 17, de 24 de outubro de 1936, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, que autorizava o prefeito a contrair um empréstimo para o serviço de águas do município. O motivo do projeto foi a decisão do prefeito de São Bernardo de pleitear empréstimos junto â iniciativa privada para os serviços de água e esgoto da cidade. A busca desses recursos ocorreu meses depois de o Governo do Estado conceder financiamento com taxas mais acessíveis. Indignado com a administração de um prefeito com “tradição a munificência do desperdício com dinheiros públicos”, Adhemar pediu que a Assembléia debatesse e aprovasse o projeto.
Certa ocasião, o deputado Amaral Mello, do P.C., denunciou na tribuna que o agente da estação de Araçatuba, João Sigolo, eleito vereador na Câmara Municipal, teria sido afastado do cargo pela direção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, por motivos políticos. Adhemar de Barros retrucou, alegando que o afastamento ocorreu devido a uma decisão tomada pelo ministro da Viação, no ofício nº 1.682, de 5 de maio de 1937, que ordenava que o funcionário eleito para cargos legislativos deveria ficar licenciado do cargo durante o tempo que exercesse seu mandato. Acrescentou, ainda, que Sigolo continuava a receber o seu salário. Amaral Mello reafirmou que foi uma decisão política, porque outros funcionários não sofreram a mesma suspensão. Adhemar de Barros discordou, acrescentando que o presidente da companhia, major Marinho Lutz, fazia uma administração séria e honesta. A discussão se prolongou sem que o deputado Amaral Mello se convencesse de que a decisão não teria sido política.
Política cafeeira– O café foi tema de vários discursos de Adhemar de Barros durante o mandato. Na primeira vez que abordou o assunto, reclamou que o Estado havia pago uma indenização ao coronel Eugênio Pacheco Artigas. A ação, movida pelo coronel, visava à restituição de cerca de quarenta contos de réis, equivalentes à taxa de três shillings, cobrada no período de 1º de junho de 1930 a 30 de junho de 1931, sobre os cafés que não gozaram do financiamento previsto na lei nº 2.422, de 10 de maio de 1930. A questão apontada pelo deputado era que outras empresas haviam entrado com o mesmo tipo de ação na Justiça e ainda não tinham recebido nada. Acusava o Estado de haver pago ao coronel Artigas devido à posição social por ele ocupada e considerava o caso, além de ser uma proteção escandalosa, desmoralizava o governo de São Paulo.
O deputado do PRP sempre fez críticas à interferência do Estado na política cafeeira. Defendia a liberdade para o comércio do café, considerando que as ações governamentais prejudicavam o café brasileiro no exterior. Criticava a destruição de parte do café e afirmava que o seu consumo no mundo aumentava. A diminuição das vendas da produção brasileira ocorria porque existiam os Departamentos e os Institutos. Ele defendeu a extinção do Instituto do Café e do Departamento Nacional do Café (D.N.C.) porque a maioria das pessoas que trabalhavam com o produto no porto de Santos sentia-se prejudicada por esses órgãos. As atribuições dessas estatais ficam a cargo da Secretaria da Agricultura e do Ministério da Agricultura, respectivamente. Em 1936, o D.N.C. passou a ser presidido pelo paulista Pizo Sobrinho e Adhemar declarou: “A meu ver, srs. Deputados a entrega do D.N.C. a São Paulo é um verdadeiro presente de gregos. Não nos iludamos! O Sr.Getúlio Vargas não daria nada a São Paulo, sem segunda intenção. Esperemos para ver, desta vez, a provação que nos será destinada.”
A entrega da presidência do D.N.C. a um paulista ocorrera, de acordo com o deputado perrepista , devido à desistência da candidatura de Armando de Salles Oliveira à Presidência da República e aprovação, pela bancada do P.C. na campanha federal, de uma emenda à reforma da Constituição, permitindo a reeleição de Getúlio. O jornal O Estado de São Paulo considerava o discurso de Adhemar confuso, porque ao mesmo tempo em que defendia a liberdade de comércio para o café, sugeria modificações ao D.N.C.. Ele se justificou dizendo que, devido à dificuldade de extinção imediata do órgão, sugeria algumas idéias para melhorá-lo.
Ainda como deputado, apresentou dois projetos de lei sobre o café. Em um deles isentava o pagamento do imposto de vendas mercantis para os cafés de produção paulista que tivessem pago a taxa de emergência. Considerava que tal projeto evitaria uma bitributação, uma vez que , além de outras taxas, os cafés que chegavam ao porto de Santos tinham de pagar a taxa de emergência no valor de 5$000 por saca. O projeto substituía o imposto pelo de vendas e consignações mercantis. No outro, a proposta era a extinção do Instituto do Café do Estado de São Paulo. O patrimônio do Instituto seria liquidado pelo Banco do Estado e haveria a criação, na Secretaria da Agricultura, das seções de Serviço Técnico do Café de Regulamentação de Embarque. Os funcionários dessas sessões seriam os funcionários do Instituto do Café.
Adhemar leu para a Assembléia o discurso feito pelo coronel Amando Simões, durante o III Congresso de Lavradores do Estado de São Paulo, ocorrido em Bauru, em fevereiro de 1937. Simões foi diretor do Instituto do Café durante a intervenção do general Waldomiro Castilho de Lima e liderava uma comissão para obter, junto ao governo de São Paulo, medidas de interesse dos cafeicultores. E, nesse discurso, Lima reafirmava os pedidos ao governo, deixando claro que não estavam solicitando um favor, mas reivindicando direitos.
A criação da Faculdade de Medicina Veterinária foi tema de um discurso de Adhemar de Barros na 143ª Sessão Extraordinária Noturna, em 22 de dezembro de 1936. Criticou o decreto que extinguiu a Escola de Medicina Veterinária e, ao mesmo tempo, criou a Faculdade. O argumento de que a Escola era ineficiente foi duramente atacado Poe ele. Mostrou que o passado da Escola era brilhante, tendo vários ex-alunos aprovados em concurso público e, comparando o programa dos dois estabelecimentos de ensino, concluiu que eram idênticos. Revelou que , para a direção da Faculdade, foi nomeado Altino Antunes, diretor da Escola. E, embora ocupasse importante cargo, Antunes não tinha cadeira na Faculdade, regendo aulas de parasitologia, já que a sua , de anatomia patológica, só funcionaria a partir de 1937. O diretor, segundo Adhemar, não era o único. A maioria dos professores, egressos da Escola, também dava aulas de assuntos diferentes de sua especialidade. Citou alguns nomes: Milton Piza, professor de zootecnia, lecionava química orgânica e biologia; João Vieira de Camargo, professor de fisiologia, lecionava anatomia descritiva dos animais. Outro problema levantado pelo deputado era que foram aproveitados na Faculdade. Contudo, nela se encontravam professores que não eram concursados. Em situação irregular, também estavam os professores catedráticos que lecionavam na Escola e haviam se transferido para a Faculdade, mas que tinham o direito de receber pelas duas instituições, embora a Escola tivesse sido extinta.
Durante a 38{ Sessão Ordinária, em 24 de agosto de 1937, Adhemar utilizou a tribuna da Assembléia para fazer propaganda política do candidato à presidência José Américo de Almeida, que era apoiado pelo PRP. Ele leu o discurso de José Américo feito no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. A leitura ocorreu porque seu pedido para inseri-lo nos Anais ainda não havia sido aprovado pela comissão nomeada. Segundo o deputado perrepista, essa manobra visava impedir que o discurso fosse registrado nos Anais da Assembléia Legislativa. Essa menção era importante para que “os nossos pósteros possam aquilatar da sensatez, da dignidade e da sinceridade com que esses homens procuram o apoio da Nação”. O deputado Edgar França, do P.C. , protestou contra a inserção da fala de José Américo nos Anais, alegando que o deputado do PRP teria burlado as disposições regimentares para esse fim.
PRESOS POLÍTICOS- No ano de 1936, durante seu mandato na Assembléia Legislativa, ele recebeu cartas escritas por Caio Prado Júnior, nas quais os presos do Presídio Paraíso revelavam a situação em que se encontravam, e pediam ajuda para que esta fosse resolvida o mais rápido possível. Na verdade, Adhemar de Barros foi, como ele mesmo admitiu, mero porta-voz entre os presos políticos e o governo. Não tenho dados de como ou porque razão as cartas foram enviadas ao deputado. Embora em nenhum momento ele tenha se posicionado sobre a questão dos presos políticos, sustento a hipótese de que, para Adhemar, esse fato poderia trazer-lhe dividendos, uma vez que ele ainda era um modesto deputado do PRP.
Os presos políticos eram membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL), fundada no Rio de Janeiro em março de 1935, e que defendia cinco propostas básicas: o cancelamento da dívida externa; a nacionalização das empresas estrangeiras; a plenitude das liberdades pessoais; o direito a um governo popular e a cessão das terras feudais ao campesinato, mas proteção da pequena ou média propriedade. O movimento era constituído por setores predominantemente urbanos, embora atraísse setores menos influentes da população em regiões não-urbanas.
Em São Paulo, o diretório da ANL foi instalado no começo de abril de 1935 e era controlado por intelectuais, embora os membros refletissem a vocação industrial da capital e do Estado. A ANL paulista punha ênfase na atividade trabalhista, com exclusão quase completa de qualquer outra atividade. Outra importante organização era a Frente Única Antifascista de São Paulo, que incluía comunistas, anarcossindicalistas e representantes do pequeno Partido Socialista Brasileiro de São Paulo. A influência da Frente era mínima, devido à pressão policial e à força da Ação Integralista Brasileira, que crescia continuamente no Estado. Em São Paulo, o presidente da ANL era o general Miguel Costa e o vice, Caio Prado Júnior. Em junho de 1935 o movimento entrou na ilegalidade.
Numa das primeiras cartas enviadas ao deputado, no dia 18 de dezembro de 1935, os presos teriam denunciado que estavam incomunicáveis e que não podiam receber objetos vindos das próprias famílias, só sendo permitida a compra de cigarros. Até mesmo os livros estavam sendo retidos. Haviam também proibida a compra de frutas. Lembraram que nem mesmo os presos comuns eram submetidos a tal condição. Por isso, entraram em greve de fome e pediam que a situação fosse resolvida de acordo com a Constituição.
Adhemar leu, também, um pedido de habeas-corpus feito pelos presos. Nesse abaixo-assinado constavam o seguintes nomes: Danton Vampré, Dr. J. Melo, Rosa Tele, Manuel A.Garcia Senra, Tales da Silva, Fidêncio Melo Filho, Henrique Abreu Fialho, Geraldo A. Soprett, Dr. José Maria Gomes, Orozimbo Teixeira de Andrade, Dr. Quirino Pucca, Ariosto Pereira Guimarães, Jaime Brasil Simões, Dr. Jerônimo de Cunto Júnior, Otávio Ramos, Edmundo Scalla, Cel. Critóvão Silva, Cel. Maurício Goulart, Dr. Waldemar Belfort de Matos, Hilário Correia, General Miguel Costa, Luiz de Queiroz Damy, Probo Falcão Lopes, Caio Prado Júnior, Clóvis de Gusmão, Hercílio de Souza Ribeiro Dantas, Dr. Osório Taumaturgo César, Everardo Dias, Tenente José Alves de Brito Branco, E. Agostinho Filho, C. Angerami, Edgard Leurenroth e Luís Neves.
Ainda neste ano, o deputado perrepista fez um apelo ao governador para que tomasse as providências a fim de conceder a liberdade aos presos políticos. Mencionou uma indicação aprovada na Câmara Federal, que pedia aos governos para providenciarem a apuração dos casos dos presos políticos.
No início de 1937, retomou o assunto dos presos políticos e aproveitou para criticar, mais uma vez, Armando Salles de Oliveira, por não ter atendido seu apelo neste caso. E passou a elogiar o então governador, Cardoso de Mello Neto.
“Que diferença notável entre o ex e o atual Governador do Estado; naquele, surdo aos clamores e anseios do povo de Piratininga; este, uma esperança para esse povo! As coisas mudaram e eu penso , abstraindo-me momentaneamente de minhas cores político-partidárias, que São Paulo ganhou, saiu lucrando com a troca. A.S. Exa., o Sr. Governador do Estado, o honrado Dr. Cardoso de Mello Neto, dirijo neste momento, estas singelas, mas sinceras palavras.S.Exa. me perdoará certamente o estilo, mas nunca fui político e da política nada pretendo.Sr. Presidente, digam o que de mim disserem, mas aqui entrou um paulista, profundamente idealista e sincero”.
Adhemar de Barros apelou a Cardoso de Mello Neto, afirmando que nos estados do Norte os governadores haviam apressado o julgamento dos presos políticos e, no Rio Grande do Norte, já se contava com mais de mil indiciados. Endossou seu pedido a Cardoso de Mello Neto por vê-lo como “um notável jurista e um juriconsulto eminente, professor da nossa tradicional Faculdade de Direito”. Encontrou resistência na fala do deputado Edgar França, do P.C., o qual insistia no fato de que não cabia ao governador apressar o julgamento dos presos. Esta era a tarefa de um juiz.
Na carta endereçada a Adhemar, no dia 15 de fevereiro de 1937, Caio Prado Júnior teria dito que chegara a hora dos acusados se defenderem , pois o antigo pretexto de “comunismo” não mais valia, já que provas suficientes não haviam sido encontradas. O governo de São Paulo, por outro lado, não mandara os inquéritos para o Rio, porque temia expor ao ridículo a polícia do Estado.
Adhemar leu a petição enviada pelos presos ao ministro de Estado dos Negócios da Justiça, Agammenon de Magalhães, na qual era relatado que os quinhentos presos políticos já haviam cumprido quinze meses de prisão nos presídios de “Maria Zélia” (Belenzinho), do Paraíso e Enfermaria-Presídio do Hospital Militar da Força Pública, sem formação de culpa. Relatava, também, que diversos trabalhadores rurais, estudantes do interior, anciãos, analfabetos, médicos, advogados, bancários e jornalistas foram presos por pertencerem à ANL durante sua existência legal. Relatou ainda a fragilidade de algumas provas e mostrou que até alguns órgãos da imprensa, inclusive O Estado de São Paulo, jornal tido como leal ao governo, salientara em seus editoriais, “a singularidade e a injustiça de semelhante estado de coisas”. Anexou um exemplar do mesmo jornal, de 24 de fevereiro de 1936, onde ficava explícito que muitos inocentes estavam presos”.
O GOSTO PELA POLÍTICA
Em fins de 1935 ocorreram duas mortes no Instituto Butantã. Uma foi a do cientista José Lemos Monteiro, no dia 6 de novembro, e outra, poucos dias antes, em 31 de outubro, de seu auxiliar técnico, Edison Dias. Ambos foram contaminados durante a execução de uma das fases da preparação de uma vacina contra o tifo exantemático ou febre maculosa. O acidente teria como causa a falta de um triturador protegido ou de um aparelho especial fabricado por uma empresa estrangeira- a Precision Instrument Company. Devido à falta de instrumentos adequados, a preparação estava sendo feita em um recipiente de porcelana.
Na Assembléia Legislativa, Adhemar de Barros fez pesadas críticas ao diretor do Instituto Butantã, o médico Afrânio do Amaral, acusando-o de negligente porque Lemos Monteiro teria solicitado o triturador há algum tempo e não fora atendido. Por isso, recaiu sobre Amaral a responsabilidade pelas mortes do cientista e de seu auxiliar. A respeito do episódio há duas versões: uma da Assembléia, onde um inquérito para apurar o caso foi aberto, e outra do diretor acusado. Não cabe aqui analisá-lo, apenas mostrar como se deu a atuação do PRP.
Da tribuna, Adhemar fez várias denúncias contra Afrânio do Amaral, dentre as quais , de ter desviado material do Butantã para os Estados Unidos de forma ilegal; de se apropriar indevidamente de trabalhos científicos sobre o método curativo da picada de cobra, o tratamento de úlceras atônicas e fagedênicas e sobre o processo de extração de veneno das serpentes; de ter preparado uma antitoxina tetânica com poder mais baixo do que o indicado no rótulo; e de que sua função de “lecturer in ophilology” na Universidade de Harvard era, nas palavras do deputado, “uma função gratuita, aberta a qualquer especialista”. O diretor do Instituto Butantã defendeu-se das acusações e, com relação à última, informou que sua nomeação constava do catálogo oficial da Escola de Higiene da Universidade de Harvard, como membro integrante do Departamento de Medicina Tropical, juntamente com o professor Carlos Chagas.
No processo contra o diretor do Instituto Butantã foram formalizados quarenta itens de acusação, sendo sete aceitos pelo procurador do Estado, Vicente de Azevedo, e outros sete itens declarados “provados em parte ou não esclarecidos”. No parecer do inquérito, Afrânio do Amaral foi acusado de injúria e calúnia, apropriação indébita, prepotência e abuso de autoridade, peculato e negligência funcional. Contudo, é importante ressaltar que Amaral esteve afastado do cargo da direção do Butantã de 1º de novembro de 1934 a 12 de abril e de 23 de agosto a 22 de novembro de 1935, por estar representando o governo de São Paulo no XII Congresso Internacional de Zoologia, realizado em Portugal, e no X Congresso de História da Medicina, na Espanha. No Congresso Zoológico foi eleito para o cargo de vice-presidente da Comissão Executiva e para membro da Comissão Internacional Permanente de Nomenclatura Zoológica.
Durante o processo, Amaral deixou a direção do órgão, mas, ao final, foi reconduzido ao posto. Isso deixou o deputado Adhemar de Barros muito insatisfeito, tazando a decisão de humilhante e vergonhosa e o desfecho do caso de “romance de cordel, que transforma um vilão em herói por um processo inédito, que rejeita provas , para se assentar em não sabemos que princípio de justiça…ou de amizade. Adhemar não foi o único deputado a envolver-se ou a fazer denúncias sobre a situação do Instituto Butantã. A não comprovação da maioria das acusações contra Afrânio do Amaral indicava que o caso foi gerado por divergências entre o diretor e seus desafetos e que essas divergências foram utilizadas politicamente. No caso do deputado perrepista, havia suspeitas de que seus discursos eram preparados por altos funcionários do Butantã e por médicos.
Considero que o episódio contribuiu para que Adhemar de Barros, então desconhecido, obtivesse projeção política. E, certamente, esse objetivo foi conseguido em sua estréia no Legislativo paulista. Com o advento do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, quando o Senado, a Câmara e as Assembléias foram fechados e os partidos extintos, Adhemar ganhou sobrevida política. Mesmo fazendo na tribuna discursos pouco elogiosos ao presidente Getúlio Vargas, em abril de 1938, ele foi nomeado interventor em São Paulo. Sua bem-sucedida estada na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo o impediu de cumprir a promessa feita ao tio José Augusto de Resende, de que iria se retirar do cargo três meses depois do eleito. Ao final desse prazo, o tio indagou-lhe sobre o afastamento e Adhemar respondeu que havia tomado gosto pela “danada”, dela não se afastando pais. Danada, para o deputado,era a política.
Marli Guimarães Hayashi, doutora em História pela Universidade de São Paulo.
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