fev 19, 2016 Air Antunes Artigos 0
ARTHUR ABDALA
Ultimamente, há um argumento para desmoralizar artistas que apoiam partidos de esquerda: “está mamando nas tetas do estado através da lei Rouanet”. Antes de tudo, aquele que vos escreve é contra a lei, mas é importante esclarecer muita coisa sobre ela.
A primeira é que não foi o PT que criou a lei Rouanet, a segunda é que o Ministério da Cultura não discute o conteúdo do projeto, e a terceira é que o dinheiro desta lei não sai dos cofres públicos de forma direta, mas sim indireta, por isenção fiscal. Isto posto vamos aos fatos concretos.
A lei foi sancionada em 23 de dezembro de 1991, pelo então presidente Fernando Collor de Mello. Sim, o liberal Collor, na época, em disputa com o PT, e 11 anos antes de Lula assumir a presidência, assinou a sanção da Lei n°8.313. Derrubado assim a primeira falácia: O PT não criou a Lei Rouanet. Ou seja, se os artistas estão “mamando” no benefício, eles “mamaram” nos governos Collor, Itamar e FHC.
A respeito da legislação, a mesma permite o abatimento de 6% no caso de pessoa física (PF), e 4% no caso de pessoa jurídica (PJ) do Imposto de Renda para financiar projetos artísticos e culturais e, consequentemente, patrocina-los. É muito comum ver empresas recebendo artistas com projetos para patrocínio.
Entretanto, para que um projeto seja aprovado pelo MinC, é necessário que ele siga normas técnicas, que dizem respeito à atividade a ser realizada, viabilidade do orçamento, números e locais de apresentações, pagamento de pessoal, enfim, que indicam a viabilidade do projeto. Afinal o estado não pode autorizar isenção fiscal para algo inconsistentes ou inviáveis. Portanto, o estado NÃO decide se o gênero é rock, MPB, funk, ou se será cinema clássico, teatro naturalista, ou se a atividade será realizada por um artista de esquerda ou direita, que apoia ou não o governo; mas SIM, se ele cumpre a norma técnica. Visto isso, a historinha que o artista apoia A ou B de acordo com seus interesses, é falaciosa.
Circulou na internet uma imagem citando que o governo Dilma teria “dado” R$4,1 milhões para o cantor Luan Santana. Antes de tudo, eu NÃO CONCORDO com o fato do Estado isentar um empresário para financiar esse tipo de show, mas vamos com calma. Dilma, nem o governo, nem o MinC deram dinheiro para Santana, mas sim, empresários e pessoas comuns se dispuseram patrocinar o artista, utilizaram-se de uma lei (que não foi aprovada pelo governo do PT) para abater do IR uma quantia de R$4,1 mi (portanto o dinheiro não prejudicou o orçamento da saúde e educação), e pagar um projeto do cantor sertanejo que se enquadrava nas normas técnicas- sendo assim, o governo não decidiu o caráter do projeto. O MinC então aprovou (através de uma comissão) a viabilidade e consistência através de normas técnicas previstas em lei, que destinava a quantia citada para Santana.
Se Aécio, Marina, Pr. Everaldo, ou quem quer que seja ganhasse a eleição, Chico Buarque continuaria recebendo dinheiro da Lei Rouanet (enquanto ela estiver em vigor), se seus shows atraíssem visibilidade às marcas que aceitassem patrocina-lo.
Sou contra a Lei Rouanet, pois…
Esta lei, é importante frisar, não é o único instrumento de financiamento público da cultura. Existem outros, que no meu ponto de vista são bem mais interessantes para o bem comum. A Rouanet acaba sendo forma de designar ao mercado como o governo deve destinar os recursos da cultura, e usar dinheiro público para o marketing de empresas. Entretanto, o buraco é mais embaixo.
Eu acredito que a arte é janela para o mundo. Na peça “Eu não dava praquilo” interpretada por Cassio Scapin, o mesmo atribui a Myriam Muniz uma afirmação que se referia ao ser humano (não lembro exatamente a frase inteira) como um sujeito com campo de visão limitado, sendo que a função da arte é a de ampliar esse campo, e fazê-lo enxergar as coisas por outra forma e lógica. Portanto, a arte não pode seguir uma lógica de mercado, de conteúdo simplista, do espetáculo a qualquer custo e principalmente da praticidade (não que toda arte mercadológica seja assim).
Se a arte é importante como instrumento reflexivo, portanto ela é de suma importância para formação humana, logo é importante para a sociedade que ela seja de amplo acesso. O bem comum no caso seria ampliar esse acesso e incentivar a sua prática. Esse bem comum, com todo respeito, não será atingindo (venhamos e convenhamos) com Luan Santana.
No Brasil, em que há cultura televisiva muito forte, fica praticamente impossível fazer produções artísticas somente com o retorno do valor de ingressos, a não ser que o artista tenha muito apelo popular. Para que a equação seja resolvida, o Estado precisa financiar a arte. Assim poderemos pensar a cultura no país como uma meta de longo prazo, com mais financiamento, mais acesso, até que atividades artísticas consigam “andar com as próprias pernas”.
Muitos liberais vão dizer que então se deve baixar a remuneração do artista, eu os respondo que se caso isso ocorra, o mesmo não vai mais fazer arte, e sim produto, pois por mais que haja amor à causa, a conta do banco chega na casa de todo mundo. Outros vão dizer que haverá doutrinação ideológica, e os digo que não.
Várias prefeituras, governos estaduais e o governo federal têm linhas de financiamento – aí sim – direto, com o dinheiro do contribuinte pagando produções artísticas. E, aí sim, existe uma análise detalhada da relevância artística dos espetáculos.
Calma! Muitos vão dizer: “Tem doutrinação ideológica!” Não, não há doutrinação, nem privilégios. A análise, nesse caso, se dá pela relevância artística do projeto, como por exemplo, o currículo dos artistas e a importância da obra a ser apresentada. Não existe análise do conteúdo, mas sim, se ele é artisticamente relevante ou não. Também há um limite do valor do ingresso, que geralmente é uma tarifa social, para que todos tenham acesso. Muitos vão falar que é mentira.
Para esses eu recomendo que entrem em:www.programasculturaiscaixa.com.br/Home/Regulamentos, leiam os regulamentos das linhas de financiamento apresentadas.
Assim como muitos, discordo da Lei Rouanet, mas entendo que o assunto deve ser tratado de forma mais ampla e séria, sem desinformação da mídia e das páginas reacionárias por aí. Você pode até discordar do texto, mas se informe melhor antes de rebatê-lo.
Arthur Abdala, bacharel em economia pela Universidade Católica de Santos, com experiência no mercado corporativo, e dedicado a estudar os fenôm
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