jun 01, 2018 Air Antunes Ilustrada 0
CONTO DE AUTORIA DE MARLENE PASSOS PUBLICADO PELA EDITORA VIRTUA
– Hmmm, adoro esse cheirinho de café misturado ao cheiro de natureza… Logo mais vou dar umas voltas a cavalo.
– Também gosto da natureza, irmã, mas você sabe, prefiro as badalações das noites cariocas… Mas já que estamos aqui, vou cavalgar com você.
– Tudo bem, na pausa do passeio poderemos parar às margens do rio. Adoro aquele lugar, parece um santuário.
– Iara, seja feita a sua vontade!
As irmãs se divertem em ritmo de cavalgada, o galope torna-se atrativo. Depois de um certo tempo resolvem parar às margens do rio.
– Iasmim, vou entrar na água.
– Melhor não, esse rio tem muita correnteza.
– Sei nadar bem e vou ficar perto da margem.
– Ok, cuidado!
Iara havia colocado biquíni, então tira a roupa mostrando o corpo sensual, solta os longos cabelos loiros… Entra na água e delicia-se com a sensação refrescante. Resolve voltar, mas sente dificuldade. A correnteza aumenta. Se apavora e grita. A irmã olha para a água e se assusta, gritando:
– Iaraaaaaaaaaaaaa!
Iara luta contra a correnteza e afunda; nesse instante, um índio mergulha e a tira da água. Ele tenta reanimá-la.
Ela volta a si assustada e o olha sem nada dizer.
– Sou Tucuman, adorador da natureza – diz ele.
– O que aconteceu?
– Eu estava mergulhando e vi quando se afogou.
– Obrigada por me salvar.
O índio sorri e diz:
– Estou aqui para apreciar e proteger.
– Não sabia da existência de índios nessa região.
– Não há comunidades indígenas por aqui. Minha alma vive em comunhão com a natureza em todos os lugares.
Meus ancestrais são da civilização Inca.
– Estou confusa depois de tudo, mas está sendo uma agradável surpresa! Onde é sua morada?
– Perto daqui existe um lugar onde faço reverências à natureza em todo pôr do sol. Quer conhecer?
– Sim, como chegaremos lá?
– Pelas árvores.
– Como assim? São muito altas!
– Coloque seus braços no meu ombro.
– Como assim?
– Vamos, me abrace por trás.
Iara, sem entender, coloca os braços no ombro do índio e ele começa a escalar as árvores e pular de uma árvore para outra com muita rapidez. Iara grita assustada e ao mesmo tempo fascinada. Chegam num paraíso visual onde muito verde contorna pedras e um despenhadeiro tendo como lençol d’água apresenta uma linda cachoeira.
– Que lugar incrível! Estou encantada! Onde estamos?
– Não existe uma referência material, só enxerga esse lindo lugar quem respeita e ama a natureza.
– Estarei fora de nossa órbita?
O índio sorri e diz:
– Sente nessa pedra, o rio é manso e corre para a cachoeira.
– O que você vai fazer?
– Espere, nessas pedras guardo meu tesouro.
Tucuman vai atrás das pedras e aparece com flautas e chocalhos feitos de conchas, começa a tocar lindamente, tão lindamente que emociona Iara. Ele toca com a alma e grita, saudando a natureza. Os gestos são inebriantes, um deleite imortalizando o momento, uma verdadeira dádiva. Seus longos cabelos negros esvoaçam com o vento.
A música termina e Iara, admirada, diz:
– Você é perfeito! Como pode?
– Sou filho da natureza e minha gratidão faço dessa maneira.
– Estou sem palavras… É perfeito… sem explicação! Seu brilho é intenso, sua beleza é tão imensa que nem sei expressar!
– Toquei pra você porque senti sua sensibilidade.
O povo Inca vem de crenças politeístas, acreditamos em vários deuses, sempre reverencio Inti, o deus do Sol; amo Pacha Mama, nossa mãe da Terra, e toco minhas músicas para Pachacámac, deus dos terremotos, que nos dá forças para sobreviver depois das catástrofes.
– Também sou adoradora da natureza, amo as lendas e aqui é tudo tão completo que nem vi o tempo passar, perdi a noção!
– O tempo só existe para o que passa!
– Realmente… O que é verdadeiro reserva-se o direito de eternizar-se em nosso ser, fica tatuado na alma.
Ele se aproxima e diz:
– Seus olhos azuis são lindos, seus cabelos lembram o dourado de Inti, o astro Sol…
Ela acaricia os cabelos do índio e diz:
– Seus cabelos negros sedosos parecem o anoitecer que acolhe as vidas no repouso noturno cheio de mistério e magia…
Tucuman aproxima seus lábios lentamente e a beija. Iara mergulha num mundo paralelo e se embriaga de carinho; deixa-se envolver pelo encantamento do índio.
Depois do amor, ambos adormecem ao som da natureza. Ao despertar ela pensa ser tudo um sonho, mas o vê ao seu lado, ainda adormecido. Lindo. Ele também desperta.
– Pensei…
– Pensou que fosse tudo um sonho! Não foi sonho, mesmo que vivamos outras realidades, nosso amor será sempre real.
O índio vai até sua flauta e a segura como um troféu, chega à beira do despenhadeiro entre pedras e grita saudando a natureza; então, toca outra canção.
Depois se aproxima e acaricia o rosto de Iara, que o fita admirada.
– Nunca imaginei existir tanta pureza dentro de um cenário!
– A pureza é a origem, o princípio, o materialismo que camuflou as regras.
– Aqui é o paraíso?
– O paraíso está dentro de cada um, basta encontrá-lo e vivê-lo.
– Tudo aqui é mágico: a noite, o dia, o som, o toque, o cheiro…
– Vou lhe mostrar uma coisa.
Tucuman chega à beira do despenhadeiro e salta. Iara grita assustada. De repente, um lindo e enorme condor voa aos arredores, saudando a natureza. A ave se aproxima e pousa perto de Iara e devagar vai se transformando no índio.
– O que foi isso? Uma metamorfose?
– Sim. Meu povo cultua os animais sagrados como o condor e o jaguar.
De repente os olhos de Tucuman vão se transformando em olhos de Jaguar, e novamente ele se mostra como índio.
– Só quero explicar que posso me transformar apenas na aparência, mas minha essência sempre será a mesma. Sempre farei reverências à natureza, até mesmo para agradecer esse amor que para mim também foi uma surpresa. Espere um momento.
Tucuman sobe numa árvore, desce trazendo flores e começa a enfeitar os cabelos de Iara.
– Estou amando esse momento, mas preciso partir, minha família deve estar preocupada.
– Entendo, somos livres, filhos da natureza, a felicidade só existe se houver liberdade. A levarei de volta.
– Sentirei saudade.
– Sempre estarei por perto.
Num beijo cheio de pureza e sensualidade, se despedem. Tucuman a deixa perto da fazenda onde a família amargurada estava perto do rio; ele vai sem ser visto.
O tempo passa e, de volta à cidade grande, num belo dia de sol Iara entra na faculdade onde estudava Engenharia Florestal e uma amiga diz:
– Oi, temos professor novo.
As amigas entram na sala de aula e Iara surpreende-se ao vê-lo. Ela sorri e pensa:
– Imaginei tudo, menos ver meu índio como professor!
– Bom dia, Pessoal, sou o professor Alexandre, um apaixonado pela natureza.
A aula segue e Iara não consegue prestar atenção. Termina a aula, os alunos saem e o professor pede para que Iara fique.
– Você é…
– Sim, lembra quando disse que minha transformação é apenas na aparência e que minha essência será sempre a mesma?
– Sim…
– Tenho o poder de mudar a aparência, mas não consigo fugir do amor que sinto por ti. Esse está em minha essência.
– Também senti sua falta. No final do ano será minha formatura, pensei em ir até a fazenda para tentar vê-lo.
– O tempo não faz parte do meu sistema e não suportaria esperar, por isso me fiz professor.
– Mas você… nunca imaginei… Vai ficar até o final do curso?
– Não, Fiquei sabendo que precisariam de um substituto para o seu curso, foi então que resolvi me transformar em professor, pois tenho muito conhecimento sobre a natureza. Preciso senti-la!
– Aqui perto tem um bosque, vamos lá.
Ambos saem da faculdade e entram no carro de Iara, indo até o bosque. Saem do carro e caminham lentamente, lado a lado, quando de repente ele a segura e diz:
– A natureza faz parte do meu ser, igual a esse amor que sinto por ti. Num gesto de imensa saudade, ele a beija e os dois se misturam entre folhas, abraços e sussurros.
– Tive medo de não vê-lo mais.
– Nosso amor surgiu para nos unir num infinito querer.
– Às vezes me perco em pensamento… Você é um mistério…
– A vida é um mistério e se quiser ser feliz não tente compreendê-la.
– O que será de nós?
– Impossível saber, o sentimento parece como aurora boreal, muda constantemente suas cores mas permanece a magnitude da beleza. Para ser feliz é preciso entender que somos livres criaturas da criação e somente o presente nos pertence. Quando o sentimento se aflora na alma ele nos acompanha onde quer que estejamos, independente de características materiais. Em minha essência você convive e sinto seu ser invadir minha alma com especial doçura, não existe tempo em nosso espaço magnético. Por mais que faça-me bem sua presença, não posso estar sempre contigo, tenho minhas tarefas a fazer.
– Tarefas?
– Sou protetor da natureza, passei um período revigorando minhas estratégias mentais, preciso impedir o desmatamento; muitos lutaram pela preservação, mas o poder e o egoísmo prejudicaram o processo natural das coisas. Vim vê-la porque o que sinto por ti é imenso e sua alma é compatível à minha.
– Prometo lutar pela natureza. Semana que vem eu e meus amigos vamos plantar muitas árvores e faremos palestras falando da importância das matas ciliares.
– De pessoas como vocês é que a natureza precisa!
– Fui informado através de meu guia telepático que na semana que vem uns traficantes de animais selvagens irão invadir a mata. Preciso impedi-los.
– Onde será? Vamos avisar a Polícia Florestal.
– Não! Às vezes acontecem mudanças nos planos, preciso estar alerta. Não se preocupe, tenho minhas estratégias…
– Vou ficar preocupada.
– Não fique, preocupe-se apenas em plantar árvores e fazer palestras para conscientizar o povo. O planeta está passando por uma grave crise por falta de respeito do ser humano; estive observando o mar, que por absorver emissões de gases causados pela poluição, está ficando com a água cada vez mais ácida, colocando a vida marinha em risco. É preciso entender: o dinheiro não terá valor quando não tivermos o que plantar. Estou preocupado, mas no momento quero esquecer os problemas e me entregar a você, minha flor de açucena.
Ele a olha com carinho e continua:
– Você está em mim…
Ele a beija delicadamente e depois, com a explosão de um vulcão, a toma nos braços. Eles se misturam à brisa do orvalho e com um doce sussurrar ele se despede, anda entre árvores e desaparece.
Iara sorri de felicidade e sente que sua missão seria intensificar a ajuda na preservação. Na faculdade ela e os amigos fazem campanhas, palestras, viajam, vão a escolas mostrar às crianças a importância da natureza.
Enquanto isso o índio espera os traficantes de animais na mata. Camuflado entre folhas, ele só os observa. Homens chegam com carros contendo gaiolas e começam a captura.
Tucuman fecha os olhos e pede ajuda aos ancestrais para combaterem o crime, pois a flora e a fauna pediam socorro. De repente um vento muito forte começa na região, uma chuva forte arrasta alguns homens; parecia um dilúvio repentino. A tempestade diminui e o índio surge.
– Nosso Deus Viracocha, criador de tudo, mandou essa tempestade como último recado: ou vocês respeitam e preservam a natureza ou sofrerão sérias consequências.
Os ambientalistas e ecologistas não estão podendo combater a ganância do homem, o egoísmo e a ignorância dos pretenciosos; desde então o pai supremo resolveu intervir para salvar o planeta.
Os homens assustados tentam atirar no índio, mas as balas não o atingem e ele sorri:
– Vocês não podem com minha essência, vão embora, do contrário irão se arrepender pela punição merecida. Até o deus Supay, que habita as profundezas da terra, os punirá!
Os homens, assustados, soltam os animais que estavam capturados, entram nos carros e saem em disparada. O índio sorri. O tempo passa e é chegado o dia da formatura de Iara. Ela, linda, espera ansiosa pelo diploma. Vários professores estão apostos para a entrega do certificado, Iara nem havia percebido que Tucuman era o professor substituto na entrega.
Quando a chamam ela se surpreende ao vê-lo novamente como professor, mostra um lindo e amplo sorriso e vai até ele, que a entrega o certificado.
– Parabéns, você merece!
– Obrigada.
Em seguida ocorre uma festa cheia de alegria e realizações. Os formandos se abraçam e juram fazer a diferença num mundo tão carente. O professor se aproxima de Iara e diz:
– Não perderia essa oportunidade por nada!
– Como soube que o professor não viria?
– Tenho minhas estratégias…
– Você e seus mistérios…
– Tudo em nome do amor. Vamos àquele bosque depois?
– Quer ir agora?
– Não, esse momento é seu e de seus amigos, depois iremos. Vou esperá-la no local.
O professor disfarça e sai.
Já era madrugada quando Iara vai ao Bosque. Ao descer do carro, é surpreendida por dois marginais. Ela se assusta e sai correndo, caindo em seguida. Um deles a levanta e diz:
– Calma, lindinha, só queremos levar o carro, mas pensando bem, com essa beleza toda podemos até nos divertir um pouquinho…
De repente um enorme condor desce num voo rasante e fica entre eles.
– Olha só, meu mano, um passarinho!
Os marginais começam a rir e tentam atirar no pássaro, mas as balas não acertam. O condor os enfrenta com bico e garras, fazendo-os correr. Iara, assustada, vê o condor se transformar no índio.
Ela corre para os braços de Tucuman.
– Desculpe, meu amor, a coloquei em perigo!
– Faria qualquer coisa para estar contigo.
– Hoje é noite de eclipse, você sentirá uma nova sensação em nosso contato.
– Como assim?
Tucuman a beija e aos poucos ambos eles vão sentindo o sangue dos dois se misturar; começam a fazer parte da mesma magia. O bosque se torna bem claro ao receber a presença de ancestrais tocando flautas lindamente em homenagem ao casal de alma única. Enfim, tornaram-se luz para proteger o amor e a natureza. Num sorriso lindo, selam o pacto num beijo translúcido, cheio de sensações perenes.
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