out 17, 2016 Air Antunes Politica 0
VERA CHAIA
Jânio Quadros foi um político eleito para quase todos os cargos do sistema político brasileiro. Exerceu o mandato de vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito, governador e presidente da República. Foi um político com atitudes controversas, polêmicas, pouco afeito às organizações partidárias e vivenciou diferentes momentos na vida política brasileira, atuando de forma paradoxal e ambígua. Seu estilo de liderança política foi marcado por algumas características singulares que o identificavam : autoritário, individualista, personalista e moralista.
O presente artigo sintetiza o discurso e a ação política exercida por Jânio Quadros enquanto deputado estadual na Assembléia Legislativa de São Paulo.
DOS BAIRROS PERIFÉRIOS DA CAPITAL AO INTERIOR DO ESTADO– Na passagem da Câmara Municipal (1947-1951) para a Assembléia Estadual, Jânio Quadros foi compondo uma imagem política associada à modernização e à eficiência da administração pública, apresentando-se como um novo político, cuja prática baseava-se em critérios impessoais e na defesa da racionalização do Estado. Nascia, assim, um novo estilo, muito pessoal, de liderança política, baseado em um “marketing político” que envolvia um sistema de comunicação estruturado a partir da autovalorização, das denúncias constantes de irregularidades administrativas e do uso sistemático da imprensa. Essa estratégia tinha grandes possibilidades de sucesso, pois apoiava-se em um discurso sedutor para expressivas camadas da sociedade. Além do mais era posta em prática por um homem que se utilizava de suas especifidades físicas e intelectuais e da sensibilidade em levantar temas e fatos de imediato interesse da sociedade.
Nesse período, Jânio voltava-se principalmente aos setores populares, respaldando seus interesses. Sua preocupação com os trabalhadores fez com que certos setores da esquerda ficassem atentos e simpatizassem com a sua atuação política. Pode-se inclusive pensar em um Jânio pragmático, uma vez que várias de suas propostas voltavam-se no sentido de sanear os problemas sociais que atingiam, sobretudo, a população carente. Associava, à prática, retomando os temas de reabilitação social, moralização dos costumes e Estado fiscalizador e educador. Conforme J.B.Vianna de Moraes, essa eleição demonstrou que: “Jânio passou a ser encarado inquestionavelmente como uma revelação política. Ele saiu de todos os padrões convencionais. Tem-se a impressão que ele tinha necessidade de uma tribuna revelar-se, não uma tribuna jurídica, mas uma tribuna política.
A atuação de Jânio como vereador foi considerada positiva por uma parcela razoável do eleitorado de São Paulo, tanto que a repercussão de seu desempenho lhe garantiu uma vaga no Legislativo, pelo PDC. Nessa eleição, obteve 17.840 votos, dendo o candidato mais votado para a Assembléia Legislativa daquele período, seguido por José Porphyrio da Paz, do PTB, com 16.122 votos, e Juvenal Lino de Mattos, do PSP, com 14.763 votos. Também foram eleitos, pelo PDC, Yukishigue Tamura, Manoel Vicotr de Azevedo, Miguel Petrilli e Antônio Fláquer, obtendo , respectivamente 6.220, 5.455 e 3.798 votos.
O PSP detinha 22,4% da composição da Assembléia Legislativa de São Paulo, no período de 1951-1955; seguido pelo PTB com 15,8%; o PTN e a UDN com 13, 1% cada qual; o PSD com 11, 8%; o PDC com 6,6% o PRP com 4,0%; o PSB, o PRT e o PRP com 2,6% cada um; e o PST e o PL com 1,4% de representação cada e dois deputados sem partido.
Para se eleger com essa expressiva votação, Jânio obteve apoio de alguns bairro periféricos e de algumas categorias profissionais, que mereceram sua atenção especial. Sua campanha estendeu-se não apenas aos bairros, mas também ao interior do Estado de São Paulo. Além das cédulas elaboradas para distribuição entre os eleitores, também foram confeccionados cartazes com os dizeres: “Jânio pede o seu voto”.
Em 14 de março de 1951, tomou posse na Assembléia Legislativa. Chegou a ocupar a liderança da bancada do PDC e exerceu seu mandato por dezoito meses, período em que sedimentou a sua liderança.
Nessa época, o quadro político em São Paulo estava assim constituído: o prefeito Asdrúbal Eurityses da Cunha deixa o cargo, assumindo, em seu lugar, Lineu Prestes, que governou o município de 26/02/1950 a 31/01/1951. Prestes havia sido reitor da Universidade de São Paulo e senador pelo PSP e ficou conhecido como o “Prefeito dos Bairros”, devido às suas obras de pavimentação de ruas, galerias públicas e pontilhões na periferia.
Em 1950, Lucas Nogueira Garcez, eleito pelo PSP com aproximadamente 47% do total dos votos, assumiu o governo de São Paulo. O novo prefeito, por ele nomeado, foi Armando de Arruda Pereira-engenheiro e presidente do Centro das Indústrias e do Rotary Internacional-, que administrou a cidade de 01/02/1951 e 07/04/1953.
O PSP, além de deter os mais altos cargos públicos na política paulista, participava , na pessoa de Café Filho, da Vice-Presidência do governo de Getúlio Vargas. Esse cargo fazia parte de um acordo estabelecido entre Getúlio e Adhemar, para que este desistisse de concorrer à Presidência no pleito de 1950 e apoiasse a candidatura Vargas.
Assim , foi numa conjuntura de predomínio do PSP e de correligionários de Adhemar de Barros que Jânio Quadros atuou na Assembléia Legislativa.
ATUAÇÃO DO DEPUTADO ESTADUAL JÂNIO QUADROS
A preocupação de Jânio Quadros, como deputado estadual, foi a de estender sua ação política por todo o Estado de São Paulo, ampliando suas bases eleitorais. Agora, suas visitas não se limitavam apenas aos bairros periféricos, percorria também os municípios do Estado. A principal bandeira de luta continuou sendo a moralização da máquina administrativa do Estado e do serviço público de modo geral.
Jânio Quadros incorporou, em seus pronunciamentos, novas questões além daquelas peculiares à cidade de São Paulo. Nesse período, começou a realizar relatos minuciosos sobre a situação dos demais municípios do Estado, sendo que os problemas referentes ao sistema penitenciário e à segurança pública mereceram atenção especial.
Durante o seu mandato na Assembléia Legislativa, Jânio conseguiu que quarenta dos seus projetos fossem transformados em lei. Dentre estes, encontram-se a abertura de cursos noturnos para atender aos trabalhadores; ponto livre para motoristas de táxi, com a eliminação do monopólio de interesses particulares; construção de casas populares; direitos e vantagens para operadores do serviço de Raio X; estabelecimentos da Uniâo Paulista dos Estudantes Secundários da capital; fluorização da água como meio de defesa bucal; criação da Casa do Ator, na capital, para abrigar velhos artistas e incapacitados para exercer a profissão; campanha educativa de trânsito; reestruturação do quadro de funcionários da Assembléia Legislativa; concessão de auxílio ao III Congresso Estadual de Estudantes Universitários; concessão de transporte gratuito nas estradas de ferro aos comissários de menores; declarção de3 utilidade pública da “Associação Antialcoólica”; regulamentação de realização de provas de cncurso para ingresso no magistério secundário normal.
Jânio recuperou o tema da defesa dos direitos do consumidor e passou a cobrar enfaticamente deveres do Poder Público. Pode-se supor que essa retomada visava despertar a consciência dos direitos do cidadão paulista e cobrar a atuação das autoridades públicas na fiscalização do mercado e dos produtos, e, com isso, defender os interesses do consumidor.
Assim, desencadeou uma série de denúncias: os preços de determinados produtos, considerados abusivos, tais como entradas de cinemas, os brinquedos vendidos durante o período natalino e a casimira, tecido utilizado para a confecção de ternos masculinos. A preocupação de Jânio não se limitava a essas questões, uma vez que atacava principalmente as denúncias relacionadas ao desabastecimento de certos produtos de primeira necessidade do consumidor paulista. Denunciava tanto o mercado negro de produtos básicos como o sal e o açúcar, quanto os preços exorbitantes da carne e do leite. No caso do cimento, apontava a existência de um mercado paralelo, sugerindo que o governo interviesse diretamente na Companhia de Cimentos Portlhand Perus, de J.J. Abdalla, responsável direta pelo desabastecimento desse produto.
Com relação ao leite, exigia que o Poder Executivo punisse alguns produtores, chamados de gananciosos, por terem majorado o preço deste produto, e restabelecesse os preços anteriores. Para comprovar a má conservação dos alimentos consumidos pela população, Jânio Quadros levou ao plenário da Assembléia Legislativa um litro de leite podre. Para que seus colegas confirmassem in loco como o alimento estava deteriorado. “No leite, Sr. Presidente, encontraram-se culturas de larvas de moscas, além de corpos estranhos de toda espécie e natureza. Aqui está para um exame a olho nu (exibe um litro de leite) aquilo que a Cia.Vigor distribui à população de São Paulo sob o rótulo de alimento. A olho nu é possível ver, no litro, impurezas que autorizam duvidar da existência de qualquer serviço que acautele a saúde de população”.
As bebidas “água tônica” e “guaraná” foram consideradas inadequadas ao consumo, pelo Instituto Adolfo Lutz, por conterem substâncias nocivas à saúde do consumidor- o álcool fosfórico e a trimetilxantina, incorporada às fórmulas com medidas inexatas. Apesar do parecer contrário do Instituto, tais bebidas foram liberadas. Diante desse fato, Jânio advertiu: “Cuidarei do assunto exaustivamente, no momento próprio. Pedirei, aí, a responsabilização daqueles que não cumprem, à risca, e com rigor indispensável, os diplomas legais, beneficiando assim, os interesses que não são os do povo”.
Devido a interesses econômicos das indústrias, produtos nocivos à saúde pública continuavam sendo liberados para o consumo. Jânio Quadros acusava sistematicamente o Poder Público de não exercer a fiscalização, julgando-o corrupto e a todos os funcionários envolvidos com este setor, pois eram coniventes com tais irregularidades.
Agora, como deputado, Jânio continuava criticando a CMTC, voltando-se para as atividades da Light, empresa estrangeira fornecedora de energia elétrica para o Estado de São Paulo. Denunciava seus lucros abusivos e o não atendimento às necessidades de iluminação em bairros periféricos da capital. Numa sessão de Assembléia, indagou se o Poder Público teria condições de responder às necessidades da população com relação à energia elétrica e à construção das usinas hidrelétricas: “A Light guarda esse mistério e, através dele, manipula os altos dividendos que carreia de nossa Pátria para os bolsos dos plutocratas de dois continentes”. A Light, segundo Jânio Quadros, não investiu em algumas regiões do Estado de São Paulo, citando como exemplo o Vale do Paraíba que, devido à falta de energia elétrica, tornou-se uma região estagnada. Tomando como referência a inoperância e a falta de interesse dessa empresa, Jânio defendia a presença do Estado na implementação de usinas hidrelétricas, com a finalidade de acentuar o processo de industrialização e desenvolvimento do Estado de São Paulo.
Nesse período, a situação habitacional em São Paulo se agravara, em decorrência da vinda de migrantes de outros estados à procura de trabalho. A cidade de São Paulo crescia desordenadamente e, devido à falta de moradias, proliferavam favelas em terrenos baldios.
Por essa ocasião, o prefeito Armando Arruda Pereira moveu um processo de despejo contra moradores da favela do Glicério. Jânio pronunciou-se contra o despejo, solicitando a sua suspensão: “O apelo é no sentido de ser sustado o despejo em massa que a municipalidade promove na miserável favela do Glicério. (,,,,) O Sr. Armando Arruda Pereira na execução da iníqua medida que lança à rua, deixa sem agasalho , sem teto, dezenas de famílias paupérrimas, desgraçadas, inúmeras das quais com crianças de colo, recém-nascidos, ou com velhos alquebrados, ou com enfermos já sem esperança de cura”.
Ainda como vereador, Jânio Quadros, em uma das sessões da Câmara Municipal, manifestara-se mediante uma declaração de voto contrário ao projeto de lei que criaria uma Comissão Comemorativa dos Festejos do IV Centenário da Cidade de São Paulo, por considerar um desperdício do dinheiro público. Agora como deputado, o assunto voltava à tonas e novamente posicionava-se contra a festa, que iria ser realizada no Parque do Ibirapuera. O seu argumento era o seguinte: “Estado e Município deram-se as mãos, e dinheiro do povo, tomados em empréstimo, quedam-se a serviço do programa. Sai, por São Paulo, às terras do mundo, como dama desnuda e descalça, ataviada com adereços brilhantes. Desnuda e descalça nos transportes, na água e nos esgotos, na pavimentação, nas comunicações telefônicas e postais, na luz e na energia, na polícia, na assistência aos acidentados, aos miseráveis e aos combalidos”.
Considerava São Paulo sem condições de arcar com tais despesas, supérfluas em face das dificuldades vivenciadas por seus moradores. Com relação à utilização do Ibirapuera como espaço para a realização das comemorações do IV Centenário, contra-argumentava: “Nego a quem quer que seja- Governo do Estado, Prefeitura, Comissão- poderes para deturpar o Ibirapuera, defraudar o Ibirapuera, deformar o Ibirapuera, decompor o Ibirapuera. Ele não pertence a ninguém; ele pertence a todos. Há que entregá-lo, e com urgência, ao homem comum…É o único espaço aberto da metrópole em expansão, e a nenhum Poder é lícito trancá-lo.”
Uma categoria profissional que mereceu sua atenção, ainda enquanto deputado estadual, foi a dos vendedores ambulantes, discriminados e perseguidos pelas autoridades municipais, que não reconheciam seu direito de trabalho. Jânio defendia esses trabalhadores, denunciando a prisão de alguns vendedores e condenando a ilegalidade dos atos da delegacia da região da Florêncio de Abreu: “Numa destas madrugadas, depois de procurado pelas famílias de alguns destes compatrícios e depois de errar pela cidade à procurar de solução para o caso dos homens recolhidos aos xadrezes, precisei ir à residência do Dr. Elpídio Reali e tirá-lo da cama. Tirei, para que os ambulantes voltasse à liberdade.(…..) Os ambulantes são detidos, são levados à Rua Florêncio de Abreu, permanecem em cárceres comuns, no cimento- eu os vi- e em muitos casos sofrem ulterior remoção para o Hipódromo onde se vêem identificados como vagabundos.”
Conforme Jânio, a defesa dos vendedores ambulantes estava respaldada em base legal, já que a Prefeitura e o Estado licenciavam esses trabalhadores após o pagamento de uma taxa para exercer o seu trabalho. Apesar de terem a situação regularizada pela municipalidade, eram ameaçados e presos e, algumas vezes, tinham suas mercadorias apreendidas e recolhidas no depósito municipal. Além de cobrar coerência na atuação do Poder Público, denunciava corrupções dentro da máquina administrativa, pois, em alguns casos, as mercadorias não eram devolvidas aos seus proprietários.
Temas presentes no mandato do deputado
Como deputado estadual, Jânio Quadros notabilizou-se por reforçar a necessidade de se promover uma moralização no setor público, bem como de se defender condicionalmente as liberdades democráticas. Contudo, nessa gestão, Jânio acrescenta um elemento novo- a defesa incondicional da independência e da autonomia do Poder Legislativo em face dos outros poderes.
Olavo Fontoura, proprietário do Laboratório Fontoura- Wright e da Rádio Cultura, futuro financiador de campanha de Jânio para a Prefeitura de São Paulo em 1953, reforçou a sua imagem e a sua presença na Assembléia. O Jornal “A Hora publicava diariamente os requerimentos apresentados pelo deputado, sublinhando os aspectos moralizadores deles contidos. Jânio Quadros soube fazer-se presente na imprensa, criando fatos.
Jânio começou esse processo de moralização denunciando uma série de irregularidades ocorridas nas Secretarias da Segurança, Educação, Trabalho, Fazenda, Transportes e na Assembléia Legislativa. Também na área da Segurança várias irregularidades apareceram, além daquelas apontadas anteriormente, com relação tanto ao sistema penitenciário quanto à segurança pública.
Em uma sessão da Assembléia, relatou o caso que envolveu o delegado de polícia de Tabatinga, Gilberto Cassinelli Porto, que, ao tentar combater o jogo no município, contrariou os interesses do presidente do Diretório do PSP local, Armando Angelino Del Duca. Por ocasião de uma batida policial, um jogador, amigo do presidente do PSP local, foi preso em flagrante, porém colocado em liberdade em seguida por interferência direta disse. O delegado, após esse confronto com o PSP local, foi transferido para outro município. Jânio, ao tomar conhecimento desse fato, pediu informações ao Poder Executivo: “Quais as providências urgentes adotadas pelo Governo para esclarecer com rigor os fatos ora denunciados, a bem da moralidade e do prestígio da Polícia e da moralidade de Administração? ”
Outro caso de afastamento de militar das funções comentado por Jânio, foi o envolvimento do capitão Rolim de Moura, pertencente ao Corpo de Bombeiros, em uma denúncia da situação precária vivida pelo setor. O capitão acabou sendo punido pela corporação, perdendo suas promoções, além de ter sido processado, condenado e preso. Como punição, foi transferido para o interior. Jânio Quadros, ao saber do fato, manifestou seu apoio, exigindo um ressarcimento de sua situação.
A conivência da polícia com bandidos foi igualmente denunciada quando o deputado relatou a presença de criminosos trabalhando na Delegacia de Roubos, autorizados por inspetores, com permissão para usar distintivos e armas de fogo.
Em uma de suas visitas, Jânio conheceu as péssimas condições do Posto de Assistência Policial na capital. Imediatamente, enviou um requerimento, dirigido à Secretaria de Segurança, expondo a situação do referido posto. Aproveitou esse mesmo documento para justificar suas visitas a certos setores da administração pública: “….Quando vereador à Câmara Municipal de São Paulo, adotei a prática das visitas de surpresa aos diversos setores da administração da comuna para conhecer das regularidades e irregularidades no andamento dos negócios respectivos. Colhi os melhores resultados com essa prática e me dispus a estendê-lo às novas obrigações contraídas com a minha eleição a esta augusta Assembléia.”
Nessa passagem do requerimento, Janio esclarecia que a sua atuação como vereador foi altamente eficaz, exatamente porque introduzira uma nova prática parlamentar: a de realizar visitas inesperadas em setores da administração pública. Considerava tal procedimento positivo, pois, desta forma, podia fiscalizar diretamente órgãos ligados ao Poder Público, controlando melhor a atuação do Executivo.
A defesa da realização dos concursos públicos para admissão de funcionários da máquina administrativa do Estado foi uma das batalhas travadas por Jânio com o intuito de promover uma moralização no serviço público em geral. Tal proposta decorria das constantes contratações irregulares ocorridas em vários setores da administração pública.
Além das batalhas do concurso público, do combate à impunidade e à corrupção, Jânio também defendia a austeridade da autoridade pública. Um exemplo dessa batalha é fornecido pela crítica que fez à comemoração promovida pelo Poder Legislativo, por ocasião da passagem da Constituição estadual. A festa foi realizada no Palácio Nove de Julho, com a contratação de um buffet que serviu champanha aos convidados, no recinto da Assembléia Legislativa. Além de criticar o local de comemoração, apontava o desrespeito à sociedade paulista, em que imperava a pobreza, a miséria e o desamparo.
A esse respeito, assim se manifestou o deputado: “O Palácio ´Nove de Julho´deve ser o exemplo da austeridade não apenas nos seus atos, na sua vida interior, mas, e também , na sua aparência, na sua vida exterior, na ostentação dessa vida. Este p Palácio´é o refúgio do povo; o búzio que recebe todas as queixas, e as transforma, pelo milagre da representação popular, que lhe dá soberania e autoridade, na voz livre e poderosa, que sugere, adverte e condena.”
Seguindo essa linha de conduta, Jânio também propôs alterações na Assembléia Legislativa, visando moralizar e valorizar o Poder Legislativo. Em requerimentos encaminhados nas sessões da Assembléia, exigia informações sobre funções exercidas por funcionários desse setor, comissionamento de inspetores e policiais, utilização irregular de veículos oficiais.
O caso que mereceu destaque e repercussão, dentro e fora da Assembléia , envolveu a compra de um carro “Cadillac” feita pela Presidência da Assembléia Legislativa, em plena vigência do recesso parlamentar e sem concorrência pública. A sessão do dia 28 de maio de 1951 foi ocupada integralmente por discussões em torno do caso “Cadillac”. Em um pronunciamento exaltado, Jânio declarou: “Que autoridade temos nós, desta Casa do Parlamento para verberar, como vimos fazendo, excessos, desmandos no Executivo, quando a própria Assembléia, por causa de um “Cadillac”, manda a lei às urtigas?” Para redimir a imagem da Assembléia, sugeriu a punição do funcionário envolvido e o cancelamento do contrato de compra.
Alguns parlamentares, indignados pela delonga dos debates, entraram em conflito direto com Jânio Quadros, a ponto de o presidente da Assembléia Diógenes Ribeiro de Lima, em entrevistas aos jornais O Tempo e o Diário de São Paulo, criticar as atitudes e os requerimentos de Jânio, por considerá-los criadores de um ambiente de desprestígio para a Assembléia. Ao comentar tais entrevistas, Jânio Quadros afirmava que não se intimidava com as ameaças do deputado, argumentando não pertencer à classe política passiva: “Noventa e nove por cento da atividade política são logro, são engodo, e eu me orgulho de não possuir um vasto passado político. Meu passado político é de apenas três anos. Mas ele está aí, à análise , ao exame atento de cada passo que dei…”
O deputado Manoel Victor, do PDC, também endossava as críticas feitas a Jânio, afirmando que “O PDC existe para trabalhar nas altas esferas (…) para o bem social. Não interessavam ao partido as futricas internas”. Sentindo-se agredido, Jânio contra-argumentou: “V. Exa. Está redondamente enganado. O PDC não pode distinguir entre a grande e a pequena irregularidade”.
Também caracteriza esse período a constante afirmação de Jânio Quadros acerca de sua independência enquanto parlamentar. Considerava-se um político diferente dos demais, pois não fazia conchavos e não pertencia a grupos políticos, o que o mantinha livre de pressões e livre para exercer o seu mandato parlamentar. Chegou, inclusive, a entrar em conflito com parlamentares do seu próprio partido, quando solicitou o desligamento de quatro deputados estaduais do PDC, por considerá-los comprometidos politicamente com o governador Lucas Nogueira Garcez. O PDC acabou contando apenas com o próprio Jânio na sua bancada, que se considerava “um homem que presta contas a si mesmo.”
Um outro fato foi utilizado por Jânio Quadros para reafirmar sua concepção negativa da política e dos políticos tradicionais. O deputado Almeida Pinto, do PSD, em uma das sessões da Assembléia Legislativa, procurando justificar os erros cometidos pela administração pública, citou o provérbio “Errar é humano. Jânio Quadros, comentando a citação do colega, ironizou: “Perfeitamente. É humano. Daí eu entender que os homens do governo são humanos, porém erram sempre: erram constante e ininterruptamente. Humanos como ninguém! Quase personificam a humanidade”.
Jânio questionava os seus colegas políticos a respeito do princípio que deveria nortear a atuação das autoridades públicas. É possível afirmar que, para ele, o desrespeito às normas constituídas e a arbitrariedade das autoridades na condução dos negócios públicos eram uma das causas principais da descrença da classe política por parte dos cidadãos. Defendia claramente tanto a independência do Legislativo como as relações orientadas pela imparcialidade e pelo respeito às leis vigentes, conforme demonstra esta sua afirmação: “O povo exige fiscalização minuciosa, completa , detalhada, concludente de cada ato, de cada um dos três poderes. E este, então, o nosso, que tem por dever fiscalizar os dois outros, é aquele que deve exercer autofiscalização terrível, impiedosa, sob pena de comprometer-se e perder, no compromisso, a independência moral de que carece. Nesse momento de sua carreira, enquanto deputado estadual, Jânio Quadros posicionava-se explicitadamente a favor da autonomia e independência do Legislativo, o que foi se alterando radicalmente em outros períodos de sua vida política.
O combate à prostituição sendo um dos focos da atuação do deputado Jânio Quadros, que não se cansava de expedir requerimentos à Secretaria de Segurança, denunciando a existência de prostíbulos e cabarés em áreas residenciais. Para reforçar seus pronunciamentos, citava petições e abaixo-assinados de moradores das regiões de São João Clímaco e Bom Retiro, solicitando a interferência da polícia para fechar essas casas. Num de seus pronunciamentos indagou se “tem a Secretaria ciência dos vexames e dos riscos a que se encontravam sujeitas as famílias do bairro e, ainda, dos graves danos morais sofridos pelas moças que nele residem, expostas aos riscos de ambiente corrupto?”
Para Jânio Quadros, cabia à Secretaria de Segurança a ação moralizadora dos costumes, porém considerava insuficientes para resolver o problema: o fechamento dos prostíbulos e a repressão de pessoas envolvidas. Certa ocasião, esclareceu sua posição, ao comentar uma reportagem: “Comoveu-me também o relato feito pelo Diário da Noite da diligência silenciosa do delegado de Costumes, no sentido de recuperar jovens transviadas, oferecendo-lhes meios de reintegração na sociedade. Aí está a polícia de nossos sonhos: humana, justa, altruística, generosa, que não se limita a definir responsabilidades , a castigar, a reprimir, mas ampara, assiste , conforta e estimula, defende e preserva. Nesse particular, então, no erro da mulher e no juízo que mereça, reside possivelmente a chave e a solução de dois dos mais graves problemas contemporâneos: o da prostituição e o da dissolução da família”.
Jânio não discutia as causas que levavam uma mulher a se prostituir, mas afirmava que seus erros e sua conduta perniciosa propiciavam a prostituição e a dissolução da família. Para ele, a única possibilidade de sua reintegração na sociedade era pela ação policial por via do Poder Público, especificamente da polícia ligada à Delegacia de Costumes, que, além de reprimir, também poderia amparar e assistir as “jovens transviadas”.
Também retornou na Assembléia a sua campanha contra o jogo e o “vício” de certos produtos consumidos pelo cidadão paulista. Passou a denunciar fabricantes de balas e figurinhas, que estariam explorando o povo, através da criança. Para ele, “as chamadas coleções de figurinhas exigiam completar álbuns ou livros para obtenção de prêmios, campeiam por toda parte e têm sentido altamente nocivo para a formação do caráter e da mentalidade infantil, quando não vicioso. Considerava que a compra constante e compulsiva dessas figurinhas, além de viciar a criança, tornava-a alvo de exploração financeira. Sua proposta era que o Poder Público proibisse esses produtos, por considerar seu consumo nocivo e vicioso.
Porém, na sua cruzada a favor da moralização dos costumes, a crítica mais contundente foi aos chamados “prélios esportivos”. Tal crítica teve origem após um jogo de futebol a que assistiu no Pacaembu. Descrevendo o evento que “a pretexto de perseguir a bola, que ocasionalmente ficou esquecida, vi um punhado de indivíduos vigorosos perseguindo os pés, as canelas, os joelhos, as coxas e a própria cabeça dos adversários….E claro que houve revide, e o revide decorreu, a meu ver, da incrível tolerância das autoridades que não prenderam em flagrante, como era da obrigação, alguns dos perigosos desordeiros que campeavam o gramado e dentre eles, o que agrediu, com selvageria, um fotógrafo, depois de procurar cuspir em vários outros.”
Assinalava que até uma partida de futebol era necessária a presença de uma autoridade forte e resoluta, pois a causa da brutalidade e de violência denunciada em campo decorria da “tolerância das autoridades”. Suigeria, dessa forma, que a Secretaria de Segurança cobrisse os excessos de violência, prendendo em flagrante os infratores das regras estabelecidas no futebol. Convém destacar que a solução encontrada por Jânio para restabelecer o jogo esportivo pode ser vista como uma metáfora da sua posição em face da sociedade. Para o então deputado, somente uma autoridade constituída, capaz e responsável conseguiria preservar a paz, a harmonia e a ordem não só no campo, entre 22 jogadores de futebol, mas também na sociedade.
A posição de Jânio Quadros com relação à defesa condicional das liberdades democráticas era restrita, uma vez que essas liberdades esbarravam em certos limites dados pelo próprio sistema que, caso fossem rompidos, poderiam provocar a discórdia, o caos e a desordem. Essa posição ficará mais explícita à medida que se vão revelando as considerações de Jânio, analisadas a seguir, a respeito de determinadas greves.
Em um requerimento, elaborado com outros parlamentares, Jânio posicionou-se a favor da posse de algumas diretorias de sindicatos de trabalhadores, dentre elas as dos empregados em estabelecimentos bancários de São Paulo; empregados da Administração do Serviço Portuário em Santos; enfermeiros e empregados em hospitais e casas de saúde. Tratava-se de uma atitude de oposição à legislação trabalhista de âmbito federal, que permitia apenas a posse de diretorias de sindicatos reconhecidos legalmente. Por meio do referido documento, Jânio endossava a posse desses sindicatos, tomando como princípio a liberdade de organização sindical e, portanto, a livre atuação do sindicato. Em outra oportunidade, Jânio encaminhou , mediante projeto de lei, uma solicitação de anistia a trabalhadores acusados de participarem de movimentos grevistas. Citava o caso de 400 trabalhadores afastados a 27 meses da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que estavam sofrendo um processo criminal, sem receber seus salários desde então. Uma situação desse tipo , segundo sua avaliação , comprometia as liberdades garantidas pela Constituição.
A imprensa também mereceu a atenção do deputado. Assim, condenou a suspensão , por seis meses, pelo Ministério da Justiça, do órgão do Partido Comunista, por conter, segundo o governo, matérias consideradas contrárias aos interesses nacionais. Comentou a esse respeito: “Ouve-se a voz de um deputado democrata-cristão na defesa de um órgão comunista. Não lhe resta alternativa, porém, protesta ou pactua, e jurou, em nome da sua fé democrática, jamais pactuar com a violência”.
O caso de maior repercussão na época, que ilustra bem o posicionamento do então deputado estadual no que se refere à defesa condicional das liberdades democráticas, foi o da prisioneira política Elisa Branco Baptista. Por ter participado de uma manifestação contra o envio de tropas à Coréia, foi condenada a quatro anos de reclusão. Jânio Quadros, defendendo a liberdade de expressão, discordou da prisão e denunciou que Elisa estaria alojada na Casa de Detenção de São Paulo, com delinqüentes comuns, como “prostitutas, ciganas e ladras”, conforme a seguinte declaração: “Se não tivermos nós, os verdadeiros democratas, a coragem de pedir e de exigir tratamento equânime para presos políticos, para presos que respondem por delitos de opinião, por delitos de idéias, que autoridade teremos nós, os democratas verdadeiros, para falar em nome da democracia?”
Mas não parou aí? Voltou à cena, reafirmando a necessidade de resolver prontamente o caso de Elisa, que teve agravada suas condições de saúde. Solicitou que a prisioneira fosse atendida por médicos que não prestassem serviços à Casa de Detenção, pois, segundo uma carta dessa doente, os médicos do local não a atenderam quando sofreu uma forte hemorragia. O caso foi resolvido pela mediação da Assembléia, que enviou o médico e parlamentar da Casa Francisco Scalamandré Sobrinho à Casa de Detenção para examinar a prisioneira.
Por ocasião da passagem do aniversário do presidente Getúlio Vargas, Jânio reafirmou seu posicionamento a favor da autonomia e independência do Legislativo em relação aos outros Poderes. Os deputados, em nome da Assembléia Legislativa de São Paulo, queriam enviar votos de congratulações ao presidente por seu aniversário, mas o deputado opôs-se à moção, argumentando que tal atitude comprometeria a independência do Legislativo: “Não sei porque deva um Parlamento, cuja principal missão é vigilância, defronte do Poder Executivo, congratular-se com o Presidente da República, pelo simples transcurso de seu aniversário natalício (….). Receio muito que esta moção possa ser havida como medida do desfibramento do Poder Legislativo , como medida de sua subserviência (…). A Assembléia representa o Poder Legislativo , e o Poder Legislativo precisa demonstrar , sobretudo defronte o povo, a mais absoluta independência em relação ao Poder Executivo.
Pode-se inferir, por esse procedimento, que Jânio queria manter-se independente do Poder Executivo, exercendo, enquanto parlamentar, a fiscalização dos atos desse outro poder. O deputado estadual Cid Franco, do PSB, também se posicionou contrário à moção , porém com um argumento pautado no passado de ditador do presidente Getúlio Vargas.
Depois que Armando Arruda Pereira deixou a Prefeitura- 7 de abril de 1953- seu cargo foi ocupado por Dario de Castro Poveno, porém, por pouco tempo, pois São Paulo e Santos reconquistaram a autonomia municipal. O ano de 1953 é marcado pela volta das eleições diretas para a Prefeitura da Cidade de São Paulo. Jânio renunciou ao cargo de deputado estadual para tomar posse do de prefeito de São Paulo, conquistado nas eleições realizadas em 22 de março de 1953.
Vera Chaia, professora do Departamento de Política, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciencias Sociais da PUC/SP
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