jan 08, 2017 Air Antunes Ilustrada 0
XICO LARA
Trabalho é uma palavra que, para muita gente, traz uma impressão ruim, de castigo, de se ver obrigado a fazer um esforço que vai muito além do que permitiria a vontade própria.
Talvez que pela maldição divina do livro de Gênesis: “comerás o pão com o suro de teu rosto” (Gênesis 3,19). Senão, quem sabe, também pelo que nos dizem os dicionários sobre a palavra trabalho: que deriva de uma outra, mais antiga, designativa de um instrumento de tortura usado com certeza para extrair confissões e delações de acusados ou testemunhas de crimes sobre os quais, por vontade própria, não se estaria disposto a falar. O nome desse instrumento, na linguagem latina- que dá origem à língua portuguesa que falamos- é “tripalium”, por se constituir num arranjo de três paus.
Ou, então, porque o trabalho mais pesado, ao longo da história humana, tem sido sempre atribuído a pessoas que são tidas ou tratadas como inferiores: escravos, servos, operários, imigrantes.
No entanto, com facilidade podemos perceber que o trabalho se constitui como um fundamento na construção de condições de vida da humanidade sobre a terra: produzindo alimentos, construindo casas; tecendo e vestindo os corpos; educando as mentes; governando as cidades; curando os doentes; extraindo minérios; fundindo o aço; fazendo sapatos; tirando leite….
Todos nós nascemos de um trabalho de parto, por vezes doloroso- também aqui as ressonâncias do livro do Gênesis-, mas sempre festejado. E esse é o resultado do processo iniciado nove (ou menos) meses antes, pelo trabalho alegre e prazeroso do casal humano.
De início, o trabalho da criança é aquele de brincar. As crianças brincam de fazer comida, de massinha ou, até mesmo, de verdade; fazem pintura, com pincel; fazem projetos, fazem pesquisas….
Isto quer dizer que o trabalho, além de princípio educativo de primeira linha- pois está, em primeira linha, na origem e construção da humanidade-, significa sobretudo um rito de iniciação e de passagem. Deixando para trás as brincadeiras muito sérias do trabalhar, passamos a sério a trabalhar, assumindo nossa responsabilidade como cidadãos trabalhadores e, contribuindo com o a reposição social e com o governo das condições de vida de todos, garantimos a nossa própria reposição e nossa autonomia.
Assim, certamente, ainda crianças, logo percebemos:
*que aprender a fazer qualquer coisa dá um trabalho danado, mesmo se também é prazeroso: aprender a matemática, aprender a ler, a interpretar o que se lê, a cozinhas, a tocar violão, a dançar, a jogar,….;
*que dá muito trabalho aprender um ofício e que este ofício dá mais trabalho ainda depois de aprendido,….;
*que dá trabalho construir e manter a própria casa, cuidar do jardim, manter as ruas transitáveis, limpas, sem buracos,….;
*que trabalho recuperar o meio ambiente, reflorestar as montanhas e encostas, despoluir os regatos e bacias, ….;
*que dá trabalho gerar e parir as crianças, amamentá-las, cuidar delas, educá-las, alimentá-las,dar carinho, brincar com elas,….;
*que dá trabalho cuidar dos doentes, dos acidentados, dos portadores de algum comprometimento, acompanhar os idosos,….;
* Que esta vida é toda feita de trabalhos que recomeçam sempre, a cada dia,….;
*que até mesmo o sol que ´nasce´ a cada dia é, também ele, um ´sol em trabalho´.
No entanto, estes são apenas mais uns poucos entre tantos outros grandes trabalhos que compõem esse ´esforço´imenso que chamamos de Universo: um trabalho de criação incomensurável , que vem se processando há algo em torno de 15 bilhões de anos….
E que a vida aqui na Terra, esse nosso pequeno planeta, essa mesma da qual todos participamos, também tem trabalhado muito, ao longo dos últimos 2 ou 3 bilhões de anos, até que se chegasse à criação da humanidade.
Não é de nenhum outro modo, senão por esse trabalho interpenetrado do mundo físico e do mundo vivo, que nós humanos podemos realizar o nosso trabalho, que podemos chamar de cultural.
Por isso, olhando a nossa volta e percebendo o tanto de trabalho que está aí por se fazer, não podemos entender como tanta gente, especialmente jovens, acabem ficando sem trabalho. Não podemos nem entender nem aceitar que, sobretudo jovens, porque não têm trabalho, acabem amontoados nas cadeias, desperdiçando as suas vidas, suas esperanças e seus talentos.
Não podemos aceitar os argumentos dos que nos querem convencer de que não há trabalho. Pois , o trabalho humano está sempre aí, todinho por ser feito!.
Falta que arregacemos as mangas para criar as condições nas quais cada um possa encontrar o seu posto: o seu lugar de contribuição para esse grande trabalho de todos, que é a história humana.
Do Almanaque do Aluá nº 2 (2006),
Xico Lara, professor de Filosofia do Rio de Janeiro.
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