Qualquer pessoa ou instituição- movimento social, denominação religiosa, ONG, escola, empresa, associação etc- pode e deve promover iniciativas que reforcem a cidadania e a solidariedade, mesas-redondas; campanhas; palestras; mutirão que beneficie , sem assistencialismo, a população mais pobre.
Não há quem não possa fazer um gesto para promover debates em salas de aula sobre as causas da pobreza e os entraves à melhor distribuição de renda, introduzir na escola educação nutricional; promover exposição sobre os direitos dos povos indígenas ou ações de combate ao trabalho e à prostituição infantis; organizar uma horta comunitária; lutar pela melhoria da educação; do acesso a medicamentos seguros e baratos ou abrir um curso de alfabetização de adultos, denunciar o preconceito contra a homossexualidade e o uso da imagem da mulher no estímulo ao consumismo.
É preciso mobilizar a nação em torno de ações concretas que nos permitam construir o “outro mundo possível”. E priorizar, em pleno neoliberalismo que assola o planeta, valores antagônicos ao individualismo e à competitividade , como o são a cidadania e a solidariedade.
Não é fácil ser cidadão brasileiro. Nascemos como nação-colônia, aprendendo que o estrangeiro é sempre melhor que o nacional. Tivemos o mais longo período de escravidão da América latina- 350 anos! Essa submissão atávica está entranhada em nossas veias. Basta alguém se revestir dos símbolos do poder- riqueza, autoridade e ostentação- para ser tratado como se fosse um ser naturalmente superior a seus semelhantes.
Cidadania rima com soberania. É preciso gostar de si próprio para conquistá-la. Ocorre que a globalização detona todos os fundamentos de nossa soberania.
O neoliberalismo nos impõe o Estado mínimo e o mercado máximo, tão livre que paira acima das leis e da decência. As privatizações do patrimônio público (Siderúrgica Nacional. Vale do Rio Doce, Usiminas, sistema de telefonia etc.) são o exemplo maior de dependência de nosso país ao capital privado, em geral estrangeiro. E o que é mais grave: privatizam-se também nossos valores. Correm nosso espírito cidadão. Estamos ficando cada vez menos solidários, menos cooperativos, menos participantes.
Até a fé religiosa é privada, destituída de sua ressonância social e política. Como se Deus fosse um balcão de atendimento de emergências e mero anabolizante de exaltações espiritualistas que não se traduzem em serviço libertador ao pobre, ao enfermo, ao excluído.
Frei Betto é escritor, autor de Parábolas de Jesus (Vozes), entre outros livros.