Traduzindo na polêmica que se deu entre os que odiavam a ditadura em 1970: torcer era questão de foro íntimo, indiferente para derrubar ou manter a ditadura. Traduzindo na micro polêmica de hoje: torcer é indiferente para manter ou terminar o golpe
RENATO JANINE RIBEIRO
Coisa antiga, essa de torcer ou não pelo Brasil na Copa. Que diferença política isso faz? Nenhuma.
Quem quiser, torça, quem não, não.
Lembro Paulo: “O que come não julgue o que não come; e o que não come, não julgue o que come”, no momento crucial em que faz passar o cristianismo de uma heresia dentro do judaísmo a projeto de uma religião universal.
Com isso, Paulo (o apóstolo, o santo) distingue entre as coisas essenciais para a salvação e aquelas que não o são, abrindo um espaço gigantesco para a autonomia do indivíduo: aquelas coisas que são indiferentes para salvar a alma.
Traduzindo na polêmica que se deu entre os que odiavam a ditadura em 1970: torcer era questão de foro íntimo, indiferente para derrubar ou manter a ditadura.
Traduzindo na micro polêmica de hoje: torcer é indiferente para manter ou terminar o golpe.
O erro, o crime enorme dos chamados totalitarismos – que têm seu modelo na Inquisição – é tornar significantes todas as ações, mínimas que sejam, do indivíduo: nada é indiferente, tudo significa – positiva ou negativamente – para a salvação da alma ou a salvação do mundo.
(Óbvio que nao estou chamando de totalitário o mini debate sobre torcer ou nâo na Copa, só estou dizendo que é déplacé, fora do lugar).
Porque essa postura torna impossível a compreensão do mundo atual, quanto mais viver nele.
Renato Janine Ribeiro, um professor de filosofia, cientista político, escritor