jun 11, 2018 Air Antunes Artigos 0
CARLOS NORBERTO SOUZA
Happiness, indústria cultural e promessa de felicidade no capitalismo. Somos como ratos fazendo girar a roda do capitalismo? Ou a imagem mais exata é a de um labirinto
O curta de animação Happiness (2017), do ilustrador e animador inglês Steve Cutts, mostra o cotidiano frenético de uma população de ratos antropomorfizados (ganharam características humanas) em uma sociedade contemporânea, urbana, consumista e individualista.
Em uma cidade superpopulosa, como nossas metrópoles ou megalópoles, os ratos são arrastados por um fluxo caótico que parece levar a lugar nenhum, conforme letreiros de trânsito e do metrô informam (“lugar nenhum”, em inglês, nowhere), onde a competição é incitada ao extremo, o que leva ao isolamento social e ao individualismo — qualquer semelhança não é mera coincidência.
Esta cidade fictícia é bombardeada pela publicidade, que oferece a promessa da felicidade, mas que na verdade é um simulacro de felicidade, frágil, superficial, incompleto, passageiro. Neste contexto, o consumo desenfreado é a busca da realização desta promessa.
Somos como ratos fazendo girar a roda do capitalismo ? Ou a imagem mais exata é a de um labirinto (que o vídeo sugere a 1,2 minuto), de onde não conseguimos sequer ver o lado de fora, muito menos achar a saída. Este labirinto é conformado pela ideologia das classes dominantes que condiciona nossa visão de mundo, valores, comportamentos, opiniões, identidades, as relações sociais.
Faço referência ao filósofo alemão Karl Marx, que propugnou que a ideologia dominante de todas as sociedades divididas em classes sociais antagônicas é a da classe detentora dos meios de produção de riqueza — da classe dominante, portanto. Na sociedade capitalista, a burguesia é hegemônica. Além disso, a classe burguesa (ou as frações dela) também é proprietária dos meios de produção ou reprodução simbólica, ideológica e cultural, que servem para justificar e legitimar esta hegemonia.
Temos aqui o ponto de contato com a Indústria Cultural, que surge com o nascimento da sociedade moderna, no bojo da Revolução Industrial, e com as transformações na produção e transmissão dos meios simbólicos. Ou seja, ela é parte intrínseca do processo de consolidação e expansão do capital pelo Globo.
O conceito em si foi cunhado por outros alemães, Theodor Adorno e Max Horkheimer, fundadores da Escola de Frankfurt. Eles analisaram como os valores e práticas de determinado grupo social, ao serem transformadas em bens culturais e inseridos na sociedade capitalista, passam a estabelecer padrões que influenciam as formas de produção e consumo da cultura. O avanço tecnológico beneficiou também a Indústria Cultural, que é a forma principal de difusão e inculcação dessa ideologia dominante que valoriza unicamente o acúmulo de capital e o controle de todas as nossas relações sociais pelas leis de mercado.
Voltando a Happiness, a saga do protagonista e da dinâmica daquela sociedade de ratos revela como somos enquadrados ideológica e culturalmente por uma sofisticada estrutura de produção simbólica, a Indústria Cultural, representada pela publicidade e propaganda, que influencia comportamentos, desejos, sonhos, valores, subjetividades. Neste sentido, o sujeito/ trabalhador tem sua visão embaçada, impedindo-o de se precaver de mecanismos sutis que agem no nível psicológico.
Nesta sociedade dos ratos humanizados – opressora, cinza, poluída, monitorada por câmeras e infeliz – o consumismo, o alcoolismo e as drogas são tentativas de fuga dessa realidade. O culto ao dinheiro/capital também é sintoma desse controle ideológico, criando ilusões que fazem o protagonista de Happiness perseguir falsos potes de ouro em arco-íris inexistentes. Somos nós seres humanos desumanizados?
Assim, os produtos da indústria cultural- publicidade/propaganda, notícias, cinema, novelas, músicas, ou seja, todos os produtos culturais e de entretenimento – são as formas mais poderosas de escapismo, distração ou “incentivo” para que nós sigamos em frente, trabalhando para engordar o capital alheio, perseguindo moinhos de vento, sem questionar o que é fundamental: a estrutura e a essência do poder que sustentam esse estado de coisas. Ou seja, são produzidas falsas promessas de felicidade que visam manter os trabalhadores na roda da acumulação capitalista.
Carlos Norberto Souza, jornalista, graduando em Serviço Social na Unifesp, blogueiro. Escreve no blog Informação e Crítica sobre política, mídia alternativa, movimentos sociais, Santos e região, etc.
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