maio 16, 2014 Air Antunes EDUCAÇÃO 0
“O que está sendo dado a vocês aqui por este programa de encontro de escritores é a mesma coisa que se alguém estivesse distribuindo ouro em pó. de graça. Porque se vocês começam a escrever é porque estão lendo e conversando com seus professores e com os escritores que vêm aqui transmitir seus conhecimentos aos jovens. Porque a boa literatura não é apenas uma comida que está aí para ser comida. Ela tem de ser degustada. Não é possível ler-se literatura com leitura dinâmica. E é lendo que se aprende a escrever. Mas a literatura exige mais do que uma co-participação na obra. Exige uma cumplicidade. O leitor não pode ser passivo, ele tem de participar, tentar extrair o máximo de um texto. Porque há mais de uma interpretação, sempre para um texto. Como acontece na música, na qual há sempre o solo e o acompanhamento. O leitor também fornece sempre o acompanhamento ao texsto. E quando está apto, concentrado, consegue mesmo fornecer um verdadeiro contracanto, criar uma nova melodia para acompanhar a primeira.
Há muitas maneiras de se aprender e gostar de literatura. Esta, como acontece com qualquer coisa boa, exige paciência, persistência. Para os mais preguiçosos, pode-se recomendar um dos mais antigos métodos, o ´ditado´, que é um medo de se conseguir concentração e atenção por parte dos alunos. No meu tempo, esse método era obrigatório na classe. Alguns professores ditavam também a pontuação estabelecida pelo mestre somente com uma entonação e pausas respiratórias. Educava-se assim o ouvido das crianças para a beleza do texto.
Outro método era a leitura em voz alta, sempre de trechos literários de antologias especialmente criadas para esse fim. Eram truques pedagógicos que funcionavam e acabavam por criar o hábito da leitura. Se algum de vocês tem tendência para escrever, recomendo que se habitue a fazer leitura em voz alta. É assim que se descobre o ritmo, a malícia , os recursos usados pelo escritor. O estilo de um autor pode ser reconhecido pelo seu ritmo.
Hoje há muita exigência de leitura somente por ocasião do vestibular. Eu sou insuspeito para falar deste assunto, porque já tive livros adotados no vestibular. Mas a verdade é que muito antes, desde pequenos, os estudantes já deviam estar familiarizados com a boa literatura. Precisamos de uma reforma profunda, radical, no ensino do país. Desde pequenos os alunos deviam aprender arte e filosofia. E latim, também, e as línguas dele derivadas, as neolatinas, como acontecia antigamente. A retirada do latim do currículo escolar foi um crime. Porque nós somos latinos, essa é a nossa identidade. As línguas latinas têm uma riqueza de tempos verbais com o subjuntivo, o condicional, que não encontra equivalente nas línguas anglo-saxônicas. Temos também uma carga horária muito reduzida nas nossas escolas. Os modernos métodos de pedagogia deveriam sofrer aqui uma adaptação às circunstâncias do país. Nos Estados Unidos assisti ao trabalho de crianças a quem fora dada desde cedo a oportunidade de estudar filosofia. Era um trabalho muito vivo, as crianças faziam perguntas o tempo todo, queriam saber. A filosofia forma o pensamento questionador. É preciso dar à criança uma base, para que mais tarde possa enfrentar desafios maiores com facilidade, como o próprio vestibular. Nossa juventude até que é muito boa, deveria ser mais alienada. Foi proibida de pensar, de refletir, de fazer perguntas, vive como bicho, coisa, massa.
Perguntam-me sempre quais deveriam ser os autores mais incluídos no programa do vestibular: os clássicos ou os contemporâneos. Acho que deve haver uma mescla dos dois critérios, para que os alunos não pensem que literatura é coisa de museu. Mas há autores ditos antigos que parecem contemporâneos. E há autores modernos cuja importância é meramente circunstancial. A boa formação artística dos jovens é de suma importância, porque nenhum contato com a realidade é mais forte do que o exercido pela arte. Porque o contato artístico é o que vai direto à essência das coisas. Os jovens têm a idéia errônea de que arte é coisa de luxo, supérflua. Acho que no ensino das crianças já deveria haver uma coordenação de vários meios artísticos, visando a uma educação global. Quem ensina literatura deveria poder recorrer a obras de arte, videos, filmes, etc. Obras que despertassem a consciência global. Obrigar um jovem de 15 anos a ler Os Sertões de Euclides da Cunha, por exemplo, é exigir demais dele. Mas se com o livro forem exibidos filmes sobre o Nordeste, documentários, se for ouvida música da região estuada, a compreensão do texto será facilitada.
O julgamento , a interpretação de uma obra literária, é sempre muito difícil. O leitor comum muitas vezes percebe coisas que passam despercebidas de muitos críticos. Ou até do próprio autor. O leitor completa a literatura. Há vários exemplos disso na história da literatura. Foram só os leitores de Graciliano Ramos, por exemplo, que perceberam a sua fixação na cor amarela , no livro Vidas Secas. Porque o leitor comum é pego de surpresa, não está atado com a camisa-de-força da interpretação acadêmica. Clarice Lispector também sempre foi muito mais entendida e apreciada pelos seus leitores do que pelos seus críticos”.
Palestra dada na Biblioteca Paulo Setúbal no dia 21 de setembro de 1995 e na Biblioteca Nuto Sant´Anna, no dia 22 de setembro de 1995, ambas em São Paulo.
João Antônio, jornalista e escritor, criador do conto-reportagem no jornalismo brasileiro e contista que se tornou conhecido por retratar os proletários e marginais que habitam as periferias das grandes cidades. Nasceu em São Paulo e foi ganhador de vários concursos de contos até despontar em 1963 na literatura brasileira. Começou a publicar seus primeiros textos em um jornalzinho infanto-juvenil. Ganhou dois prêmios Jabuti (Revelação de Autor e Melhor Livro de Contos) com o livro Malagueta, perus e bacanaço, em 1963, e com o livro Guardador (1993). Recebeu o prêmio de Ficção da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), com o livro Leão de Chácara 91975) , e o troféu Calango, bem como o prêmio Pen Club, com o livro Dedo Duro (1983). há várias teses de mestrado sobre sua obra, sendo que uma delas (Frescura no coração) foi defendida na Holanda. Foi traduzido na Alemanha, polônia, França, México, USA, Argentina e Tchecoslováquia (onde Malagueta, perus e bacanaço foi também radiofonizado). Viveu dois anos na Alemanha a convite do governo alemão. João Antônio Ferreira Filho nasceu em 27 de janeiro de 1937 e morreu no Rio de Janeiro em 31 de outubro de 1996).
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